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A armação Janot-Fachin-Globo é uma teoria da conspiração?

Conspirações existem sempre, independentemente das teorias da conspiração

Algumas pessoas, que se julgam muito inteligentes, querem desqualificar a constatação (do que é quase evidente por si mesmo) de que houve uma armação Janot-Fachin-Globo para Temer renunciar, meio assim no abafa, em menos de uma semana, dizendo que tudo isso não passa de teoria da conspiração.

É verdade que as teorias da conspiração são, via de regra, desprezíveis. E também é verdade que elas, ao fim e ao cabo, conspiram contra a democracia: por não aceitaram o acaso, o erro, a falha, imaginando que sempre deve haver, para explicar qualquer evento, um plano, um comando, uma intenção consciente de um agente individual ou coletivo – não deixam espaço para a liberdade. Já tratei do assunto em vários artigos, sendo que os dois principais são: Conspiração e teoria da conspiração (escrito a propósito do acidente aéreo que vitimou Teori Zavascki) e Como saber a verdade (um texto mais teórico, sobre os critérios epistemológicos que devemos observar para distinguir a narrativa sobre o fato da percepção do fato).

Mas o juízo de que as teorias da conspiração não podem ser levadas a sério, não implica que não haja conspiração. Aliás, conspiradores, quando descobertos, sempre se protegem alegando que tudo não passa de… teoria da conspiração. A inconsistência das teorias da conspiração serve assim de vacina para dificultar a percepção das reais conspirações. Em outro artigo, intitulado Le Pen, teoria da conspiração e conspiração, tratei desses usos da teoria da conspiração para desacreditar os que denunciam conspirações.

A política autocrática, entretanto, é quase toda feita de conspirações. Basta acompanhar a política feita, ex parte principis, nas cortes das monarquias absolutistas. Ou mesmo a luta política interna praticada no Comitê Central do Partido Comunista Chinês ou no Partido Comunista Cubano. Ou no Vaticano. Ou ainda, entre nós, na Procuradoria Geral da República e no Supremo Tribunal Federal.

Onde não há transparência ou publicidade, onde não pode ser exercida quase nenhuma accountability, ex parte populis, grande parte de tudo que se faz, para alcançar e reter o poder, apresenta uma dinâmica de conspiração.

Em organizações hierárquicas, regidas por modos autocráticos de regulação, as pessoas conspiram o tempo todo. Se suas conspirações vão dar certo e em que medida – aí já é outra questão.

A armação Janot-Fachin-Globo, por exemplo, não deu totalmente certo porque duas coisas previstas não aconteceram:

1) Temer não renunciou; e

2) as pessoas não caíram na conversa e não foram às ruas.

No entanto, ela deu parcialmente certo porque conseguiu:

1) tirar Lula e o PT do foco;

2) promover Temer e Aécio à condição de maiores bandidos da galáxia; e

3) esconder a verdadeira organização política criminosa (aquela dirigida por Lula e Dirceu, que comanda de fato o PT) passando a impressão de que ela é apenas mais uma quadrilha como tantas outras que existem dentro do PMDB, do PSDB e de outros partidos tradicionais.

Além disso, ela também deu certo (parcialmente) porque muitos inteligentes caíram neste conto do vigário.

E outros se aproveitaram da narrativa, como o ex-líder do PT no Senado, Humberto Costa que, no dia 18 de junho de 2017, tuitou a seguinte pérola:

Conspiração Dagobah Dilma vítima

No caso em tela, é óbvio que a armação Janot-Fachin-Globo tem todas as características de uma conspiração, ainda que não seja necessário construir nenhuma teoria da conspiração para perceber isso. Para não cair no conspiracionismo devemos nos ater aos fatos (como aconselhava Bertrand Russell). Recomenda-se começar pelo conhecimento dos atores (e, neste artigo, vamos nos restringir a isso).

1 – Quem é Janot?

Basta ouvir um áudio onde Lula confessa que nomeou Janot passando por cima de certas formalidades:

2 – Quem é Fachin?

Basta assistir outro vídeo, em que o próprio ministro aparece atuando como cabo eleitoral de Dilma Rousseff:

3 – Quem é a Globo?

Isso todo mundo sabe. Mas convém relembrar, como assinalou corretamente o Reinaldo Azevedo em seu blog, “Michel Temer é o primeiro presidente que a Globo quer derrubar desde João Goulart. Todos os outros, convenham, ela se esforçou para manter. Demorou para desembarcar de Collor. Foi uma pouco mais rápida com Dilma, mas nada, assim, tão fulminante como se vê com Temer”. E, em outro post (de ontem, 18/06/2017):

“Não é pouca coisa. Desde 1º de abril de 1964, está no poder um governo que não conta com o apoio das, como posso chamar?, “Organizações Globo”. Ao contrário: elas atuam para derrubá-lo. E, para tanto, não medem esforços. Há procedimentos que até podem ser confundidos com jornalismo. Estamos falando dos últimos 53 anos. Notem: o próprio Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, um homem acostumado a ser independente, não se sente à vontade para endossar institucionalmente o governo. Sabe que estaria na contramão de aliados históricos. Afinal, os Marinhos nunca lhe faltaram, e ele não pode lhes faltar numa hora como esta: os veículos da família apostaram tudo no sucesso da blitzkrieg. Era para Michel Temer cair em suma semana. Mas ele não caiu.”

Não se pode acusar os que percebem essas manipulações descaradas das organizações Globo como adeptos da teoria da conspiração. Como todo mundo sabe, a Globo se envolveu em operações notórias de manipulação da opinião pública, como lembrou Marcelo Coelho (em artigo de 24/05/2017 na Folha de São Paulo):

“Houve o caso Proconsult, em que a divulgação de resultados eleitorais incompletos ocultava a iminente vitória de Leonel Brizola no governo do Rio, em 1984. Veio a invenção de Fernando Collor e a escolha seletiva dos trechos de seu último debate com Lula”.

Todavia, a aposta, desta vez, está se revelando arriscada. Pois as pessoas começaram a perceber um certo exagero e açodamento da emissora, no Jornal Nacional, no Fantástico, no Jornal das 10 da Globo News, no jornal O Globo e, para culminar – onde erraram a mão – na fantasiosa capa da revista Época alegando que Temer não era apenas um corrupto comum, representante do velho sistema político que apodreceu (o que seria crível), mas nada menos do que o chefe da maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil. Foi demais, convenhamos. Nenhuma alegação preventiva de teoria da conspiração resiste a tanta manipulação. Ficou evidente a armação.

Ainda não estão claros os motivos pelos quais a Globo entrou nessa canoa furada, ameaçando a reputação de muitos de seus bons jornalistas – que, inevitavelmente, perderão credibilidade por terem participado da orquestração. Especula-se que foi porque muitos empresários, que estão entre seus grandes anunciantes, concluíram que, como as reformas não vão sair, melhor mesmo seria a volta de Lula e de sua política de cofres abertos. Não se sabe. Mas seria interessante investigar como foi o processo interno da organização para validar tão rapidamente a armação Janot-Fachin. Diante do “furo” de Lauro Jardim, o que os responsáveis pelo jornalismo da TV Globo fizeram? Telefonaram para Janot para checar tudo (o mínimo que deveriam fazer)? O que Janot lhes assegurou? Que a coisa era séria mesmo? Que viriam, na sequência, muitas revelações explosivas desmascarando o presidente e seus auxiliares? Imagina-se que sim. Mas… e por que tais revelações não vieram até hoje, deixando, de certo modo, a organização pendurada na brocha?

Claro que essas revelações letais para o governo Temer poderão vir ainda. Isso significa – o que é uma hipótese meio fantasiosa – que os jornalistas e analistas da Globo sabem de coisas que nós não sabemos (um segredo que guardam a sete chaves, até para seus maridos e esposas). Mas mesmo que venham as tais provas definitivas, isso não exime a Globo da responsabilidade pelo maior ataque especulativo já desferido contra um governo constitucional, que tinha como objetivo desestabilizar Temer obrigando o presidente a renunciar imediatamente, no meio da gritaria. Sabendo ou não do que virá, a Globo fez a sua parte: conclamou a gritaria. Infelizmente para ela, até agora, pelo menos, o golpe não deu totalmente certo.

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