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A crise do ponto de vista das redes

A cada dia que passa cada novo negócio terá menos chance de ser concretizado. Cada novo projeto terá menos chance de reunir as condições para sua implementação. Cada novo produto ou serviço terá menos chance de alcançar um patamar satisfatório de vendas. Cada novo emprego será mais difícil de ser conseguido. Se você for convidado para fazer um trabalho inédito para qualquer instituição empresarial, social ou governamental, pode contar que a probabilidade desse convite ser cancelado na última hora é crescente: se hoje está em 50%, amanhã estará em 60%, depois de amanhã em 70%, 80%… Tudo que for novo encontrará um ambiente menos favorável à sua realização.

É claro que isso só tende a acontecer enquanto você estiver vivendo a mesma pessoalidade, ou seja, enquanto você estiver na mesma região do espaço-tempo dos fluxos ou na mesma rede social. É nessa região onde você está que as novas conexões não acontecem. Se você mudar de região, se se conectar a novas redes, os caminhos já existentes lá serão novos para você e aí é bem possível que você consiga empreender coisas novas durante algum tempo, pelo menos. Mas para os que já estavam lá, acontecerá o mesmo que acontece agora com você. Como as pessoas, em geral, não fazem isso, ou seja, rigorosamente falando, como as pessoas não deixam de ser as pessoas que são porque vivemos sempre em clusters com mais ou menos atalhos, a crise se generaliza. O problema é que a própria crise tem um efeito de eliminação de atalhos (entre clusters). De sorte que não depende unicamente da nossa vontade construir novas pessoalidades para conseguir escapar das dificuldades que enfrentamos.

Não é pessimismo. É uma constatação dos efeitos sistêmicos da crise no campo social onde as coisas que não são repetição de passado podem acontecer. Sim, antes de ser política, ética ou econômica, a crise é social, ou seja, é uma desarrumação profunda nos fluxos interativos da convivência social, uma perturbação no campo que impede (ou dificulta) a abertura de novos caminhos. A crise só se faz sentir na nossa vida e na nossa convivência social porque ela é uma alteração do “estoque” de capital social. Quando esse “estoque” diminui há deficit de caminhos ou obstruções que impedem a abertura de novos caminhos. Para tudo: projetos, empreendimentos, negócios, relacionamentos… Porque, no fundo, capital social nada mais é do que confiança ampliada socialmente. Na crise, o sistema entra no modo-sobrevivência (ou no modo-bote-salva-vida).Tudo que não for estritamente repetição de passado, tem que avançar no contra-fluxo.

Situações assim, com a gravidade da atual, são raras na história e, quando acontecem, se manifestam predominantemente, às vezes, na esfera política, às vezes, na esfera econômica, mas suas raízes são bem mais profundas.

Para haver uma mudança radical desta situação é preciso desativar alguns troncos geradores de bloqueios de fluxos. Eles podem estar em qualquer lugar. No caso do Brasil atual, ele está, inegavelmente, num governo central que foi capturado por uma força agressiva e muito perigosa, que destrói continuamente capital social ao tentar instalar uma dinâmica de guerra com o fito de continuar agarrada ao poder.

Como sabemos há muito tempo, os grandes exterminadores de capital social são a centralização, o clientelismo ou o paternalismo e o clima adversarial. Todas estas são características do que chamamos de populismo. Ora, a força de que falamos é, basicamente, populista. Portanto, enquanto essa força continuar no poder, haverá dilapidação do nosso capital social e a crise social que está na raiz das crises política, ética e econômica que percebemos, só se agravará.

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