in

A decaída de O Antagonista

A falta de experiência política costuma ser letal para a análise política. Se somarmos a isso o analfabetismo democrático, então o resultado é mais o menos o que estamos assistindo na decaída do site O Antagonista.

O Antagonista foi um site informativo – de pequenas notinhas e furos sobre escândalos (repassados por fontes da Polícia Federal e do Ministério Público, além de frutos do louvável esforço investigativo de pessoas como Diogo Mainardi) – que cumpriu um importante papel no processo de impeachment de Dilma Rousseff. Foi. Depois do impeachment, passou a atuar, progressivamente, como braço de comunicação de uma espécie de “partido da Lava Jato”, açulando a pulsão moralista de amplos setores da população contra todos os políticos.

Quase todos. Nota-se, nas publicações do site, a ausência de crítica, por exemplo, ao autocrata e oportunista eleitoreiro Jair Bolsonaro. Até recende, ultimamente, um certo odor bolsonarista em muitas notas publicadas por ele. Isso pode ter coincidido com a contratação de um conhecido seguidor do autocrata religioso Olavo de Carvalho. Sim, trata-se de Felipe Moura Brasil, que era blogueiro da Veja e agora é mais um antagonista. Durante as manifestações de 2015, Felipe estava entre os que espalhavam aqueles cartazes ridículos com os dizeres “Olavo tem razão”. Não é uma opinião caluniosa. Ele mesmo se define. No seu perfil no Twitter assim se descreve:

Felipe Moura Brasil Conta verificada

@BlogDoPim

ANTAGONISTA. Ex-colunista de VEJA. Maior influenciador político do Brasil no Twitter. Organizador: O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota.

O livro citado acima, do qual Felipe Moura Brasil foi o organizador, reúne 193 artigos e ensaios de Olavo de Carvalho, assinados pelo filósofo em diversos veículos da imprensa brasileira entre 1997 e 2013.

Mas assistam o vídeo:

Ora, quem Olavo apoiaria numa eleição presidencial? A julgar pelos seus próprios posts no Facebook (e são inúmeros para reproduzir aqui), Jair Bolsonaro, é claro.

Tenha isso ou não relação com a contratação do seguidor olavista Moura Brasil, o grau de analfabetismo democrático de O Antagonista aumentou consideravelmente nos últimos meses, quando passou também a adotar uma espécie de  macartismo contra os corruptos, sob o pretexto de que eles não teriam corruptos de estimação, não teriam lado, não teriam partido (a não ser o da Lava Jato). Curioso que eles nem mesmo criticam – antes apoiam vigorosamente e de olhos fechados – os atropelos de Rodrigo Janot (que nem da força tarefa da Lava Jato de Curitiba é) ao Estado de direito, defendendo-o contra todos as críticas, inclusive contra as mais razoáveis.

O macartismo, porém, é um perigo para a democracia, mesmo que no lugar dos comunistas coloquemos os judeus, os ciganos, os homossexuais ou… os corruptos. Não tem nem muito a ver com conteúdo e sim com um certo emocionar adversarial e destrutivo.

Os antagonistas avaliam que o sistema político apodreceu. Nisso têm razão. Mas a questão é o que fazer diante desse fato. Investir na destruição, apostar que uma explosão atômica ou uma enchente amazônica purificarão a política, imaginando que da terra arrasada renascerá milagrosamente uma Fênix? Ou construir uma transição – imperfeita, suja e curva – com o que temos?

A primeira perspectiva é a apocalíptica, própria do jacobinismo (e do bolchevismo, seu descendente em linha direta). A segunda perspectiva é a democrática. Ao adotarem a primeira perspectiva, os antagonistas revelam seu caráter autocrático.

Mas no fundo talvez seja despreparo político e analfabetismo democrático puro e simples. Eles não se deram conta de que a democracia nunca foi o regime dos puros, mas dos impuros mesmo. Códigos de pureza são próprios da autocracia. Jacobinos são estatistas: acham que é o Estado que vai reformar o Estado, restaurando a pureza a partir de um conjunto de medidas justas e impactantes tomadas por algum Poder. Os democratas sabem que o Estado é o problema, não a solução. E que o Estado só pode ser reformado pela sociedade, num processo continuado, longo e errático, com idas e vindas, de incremento do capital social ou de aumento dos graus de distribuição, conectividade e interatividade da rede social.

Eles não perceberam que a democracia nunca nasce da guerra dos bons contra os maus, dos honestos contra os desonestos, dos puros contra os impuros, em algum tipo de Armagedon após o qual surgiriam, de chofre, novo céu e nova terra: toda vez que alguma coisa parecida com isso aconteceu o resultado foi menos democracia e não mais democracia. O assalto ao Palácio de Inverno da corrupção ou um macartismo contra os corruptos terão um efeito restritivo das liberdades. É preciso muito cuidado aqui.

Para não perder a audiência do grande público tomado pela pulsão moralista de limpar o mundo e pelo desejo de vingança, os antagonistas estão caindo, não há dúvida, no macartismo contra os corruptos. Além dos problemas éticos de adotar o discurso falso de que todos são farinha do mesmo saco, há aqui um problema grave para a democracia. Confunde-se os que praticam a corrupção comum, que é endêmica no sistema político, sobretudo num sistema que apodreceu, como o nosso, com aqueles que planejaram e executaram a corrupção com motivos estratégicos, para financiar o maior esquema criminoso de poder da história universal, para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido, alterar o DNA da nossa democracia, bolivarianizar (ou lulopetizar) o regime visando nunca mais sair do governo.

Quando chamamos a atenção para esse ponto, eles – todos os que adotam essa perspectiva, não apenas os antagonistas – se defendem dizendo que o povo não será capaz de entender essa distinção sutil e vai pensar que estamos a favor dos corruptos, que temos corruptos de estimação ou que temos partido. Mas esta não é uma razão aceitável. Estão pensando em não fazer o que é certo para não perder seguidores, cliques, votos, popularidade? E para que serve popularidade neste caso? Para quem não pensa nos próprios interesses egotistas, popularidade e bosta são mais ou menos a mesma coisa. Kim Jong-un tem alta popularidade na Coréia do Norte. A maioria dos 60 ditadores que remanescem no século 21 tem alta popularidade nos seus países. Fujimori, no auge das patifarias que cometeu no Peru, tinha perto de 80% de popularidade. Lula sempre teve alta popularidade, assim como o goleiro Bruno…

Não acho, como insinuou Reinaldo Azevedo na polêmica com Diogo Mainardi (aquela em que o segundo mandou o primeiro dar a bunda), que O Antagonista faça isso apenas pensando em cliques para ganhar mais dinheiro. Acho que há um problema de concepção mesmo. Eles não entendem (ou não se dão muito bem com) a democracia.

Recentemente O Antagonista deixou até de fornecer tantas informações de primeira mão (o que foi o seu forte no passado) para se engajar no anti-temerismo militante e criticar todos – todos mesmo, de FHC ao Estadão – que fazem algum reparo a essa postura.

Ora, Temer – como sabemos – era uma espécie de administrador fisiológico de grande parte da base parlamentar petista. Essa base não era imune à corrupção endêmica na política tradicional (pelo contrário, era useira e vezeira nos truques e malandragens para burlar a lei). Mas é investir na confusão atribuir a ele, Temer, qualquer protagonismo especial na montagem do maior esquema criminoso – com objetivos estratégicos de poder – já visto na história. Pior. Isso é claramente uma falsificação. Esse esquema (que O Antagonista batizou de Orcrim) foi estruturado e dirigido pelo PT. Temer não é, nem nunca foi, chefe de nada nesta matéria: só é presidente porque era o vice. Mas quem escolheu Temer para vice e quem votou em Temer jamais permitiu ou pensou que ele tivesse algum papel estratégico no projeto neopopulista de poder do PT. A escolha de Temer foi um movimento tático, para garantir a base de apoio parlamentar ao governo petista. E só isso.

O Antagonista passou então a criticar todos que denunciaram o ataque orquestrado ao governo a partir da armação da dupla Janot-Fachin, validando a mais genial operação de mistificação que foi realizada no Brasil recente. Sim, quem bolou a armadilha Janot-Fachin é gênio. Numa tacada só desestabilizou o governo, inculpou os tucanos e tirou Lula (o chefe) do foco. Ora, mesmo que Temer fosse o maior bandido da galáxia, o que esse pessoal fez foi errado do ponto de vista do Estado democrático de direito.

Os jacobinos e outros analfabetos democráticos dizem que isso é defesa de Temer. Mas não é. É defesa das regras sem as quais a justiça vira vingança ou pode ser manipulada por interesses políticos.

Para os democratas, tudo isso é muito triste.

A ficha que ainda não caiu

O que está acontecendo com os jornalistas?