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A fake news da hora: construindo o Foro de São Paulo como o inimigo perfeito

O fato do delinquente Maduro ter citado o Foro de São Paulo não significa que o tal foro seja um centro conspirativo de ações terroristas, como estão dizendo os produtores olavobolsonaristas de fake news.

Ele – o ditador Maduro, agora isolado, inclusive por alguns partidos de esquerda mais moderados – implora, desesperadamente, pelo apoio dos seus antigos aliados (que algum dia se reuniram no Foro). Só isso.

Outra questão é que existe e continua vivo, embora avariado, um populismo de esquerda, o neopopulismo com todas as suas versões, mais hards, como o chavismo-bolivarianismo e o sandinismo de segunda geração, ou mais softs, como o lulopetismo. Isso, porém, não avaliza a hipótese pirada de que existe um partido internacional de comunistas, situado acima dos partidos de esquerda nacionais, com comando efetivo sobre o que cada um deles fará ou não fará.

O Foro de São Paulo é um inimigo construído como pretexto para estimular o crescimento da extrema-direita igualmente populista e ainda mais autoritária do que a esquerda neopopulista.

Em 21 de março de 2017 publiquei no Facebook o artigo abaixo:

SOBRE O FORO DE SÃO PAULO: OLAVISMO, DESINFORMAÇÃO E BURRICE

Olavo plantou a ideia e os fanáticos olavistas se encarregaram de torná-la verdade pela repetição. Uma pessoa fez ontem o seguinte comentário no meu mural:

“É, Augusto, diga o que quiser, mas o fato é que Olavo matou a cobra e mostrou o pau, tanto com relação ao PT como com relação ao Foro. Qual o seu primeiro texto datado com relação a esses assuntos que trata essas questões e faz prognósticos de maneira explicita? Me deixa saber.”

Minha resposta foi a seguinte:

“Você deveria procurar se informar melhor sobre as pessoas com as quais conversa. Olavo não sabe nada do Foro de São Paulo, a não ser de segunda mão (colheu tudo que tem pela internet ou por relatos de terceiros na imprensa). Eu estava fisicamente presente na reunião de fundação do Foro de São Paulo, em 1990, no Hotel Danúbio, na Brigadeiro Luis Antonio, em São Paulo. E critiquei a iniciativa desde aquela época.”

Vários outros também o fizeram. Aliás, aconteceram coisas na reunião que são inexplicáveis por quem tem um pensamento tosco, conspiracionista, baseado na luta eterna de um lado contra o outro lado, como os anticomunistas temporãos (que ainda estão na vibe da guerra fria). Só para dar uma informação (para aplacar a ignorância dos militantes da chamada direita), a presença de gente do aparato de segurança da ditadura cubana incomodou muita gente. Até o Zé Dirceu abriu uma polêmica com os castristas, dizendo que eles erraram por terem ficado dependentes da URSS (que só seria desfeita um ano depois). Houve bate-boca: os cubanos reagiram dizendo que nunca foram dependentes e coisa e tal – tudo mentira, é claro. O clima esquentou bastante.

Em seguida, em minhas longas conversas reservadas com Carlos Aldana Escalante, herói da revolução cubana e combatente em Angola, com assento no Comitê Central do PCC, cogitado àquela altura para ser o sucessor de Fidel, pude entender melhor o drama da ditadura cubana às vésperas da queda da União Soviética. Escalante tinha uma visão mais clara dos erros cometidos no passado e dos desafios do futuro próximo. Tanto é assim que caiu em desgraça em razão da luta interna movida contra ele por Raul Castro. Raul queria aproveitar para, ao mesmo tempo, eliminar o concorrente e exterminar suas ideias (sobre as ideias, Fidel concordava) e tramou contra ele, que foi exilado em um local secreto (onde vive preso e vigiado, juntamente com a família). Acho que foi o próprio Fidel que impediu que ele fosse morto. A última notícia que tenho dele é antiga e não sei se ainda continua vivo.

Não vou contar agora em detalhes o caso de Escalante (já o fiz em outro post, aqui mesmo no Facebook). Cito-o apenas para mostrar a complexidade da situação que levou à criação do Foro de São Paulo.

A fundação do Foro de São Paulo foi, na verdade, uma iniciativa de Fidel, que combinou o jogo antes com Lula e foi articulada, entre outros, pelo Marco Aurélio Garcia (que na ocasião fazia críticas ácidas ao regime de Cuba). Era preciso procurar uma resposta para a queda do muro de Berlim e tentar articular a esquerda latino-americana, que ficou sem referências com a bancarrota do socialismo real. O caminho escolhido – em vez da refundação – foi o da reafirmação. O Foro foi, originalmente, uma organização de resistência às mudanças da década de 90 e ao fim da guerra fria, que simplificava tudo ao alinhar as pessoas a partir dos blocos em confronto. Depois tomou outros rumos, articulando dezenas de organizações de esquerda em torno da via neopopulista de usar as eleições contra a democracia (que acabou predominando na Venezuela, na Nicarágua, na Bolívia, no Equador, no Brasil, e em menor intensidade em El Salvador e agora tenta vingar na Colômbia com a transformação das FARC em uma espécie de PT). Mas no início, para quem não sabe, nem Chávez era aceito na articulação. Chávez, um coronel golpista – e por isso não era aceito pelos outros membros – foi depois catequizado (sempre com a desconfiança de Fidel, que via no caudilho bolivariano uma ameaça à sua precedência e autoridade perante o conjunto da esquerda revolucionária do continente). Foi o próprio Fidel – com a ajuda de Lula – que reinventou o primitivo chavismo como um bolivarianismo revolucionário para ser uma linha auxiliar da ditadura cubana: a engenharia ideológica foi uma replicação do que foi feito com José Marti – usando-se agora Simón Bolívar).

Anticomunistas, em geral – além de desinformados – são muito burros para entender essas coisas. Depois continuo este post em Dagobah.

Não fiz o prometido na época. Faço agora.

A URDIDURA CONSPIRACIONISTA

O Foro de São Paulo vem a calhar para dar ares de verossimilhança às urdiduras conspiracionistas de Olavo de Carvalho e dos bolsonaristas. Seria ele o grande comando revolucionário por trás das manifestações de rua no Chile e no Equador, do óleo derramado criminosamente pelos comunistas no mar no Brasil, da reeleição de Evo na Bolívia (violando a rotatividade democrática), da capitulação do presidente do México diante do narcotráfico et coetera. Enfim, de tudo que não presta.

Até o monarquista reacionário Luiz Philippe de Orleans e Bragança veio hoje ao Twitter dizer:

“No Ecuador foi o aumento nos combustíveis que serviu de “estopim” para o caos nas ruas. No Chile foi o aumento na tarifa do metro. O Foro de São Paulo só precisa de um fato para torná-lo relevante através do terrorismo”.

A fake news da hora é esta: existe um comando terrorista por trás de todas as ações, disruptivas ou não, da esquerda. Esse comando vem de uma organização terrorista chamada Foro de São Paulo. Dela participam não apenas neopopulistas bolivarianistas que não respeitam a democracia (como Nicolás Maduro, Rafael Correa, Evo Morales, Daniel Ortega) e outros neopopulistas (como Lula, Kirchner, Lugo, Funes, Zelaya etc.) e até democratas como Michelle Bachelet (só falta incluir como terroristas do Foro também o Emmanuel Macron e o Fernando Henrique Cardoso). É o inimigo perfeito! O inimigo perfeito é aquele que sintetiza todo o mal que nos assola.

Aliás, segundo outra fake news divulgada hoje, alguns dos acima citados teriam imensas fortunas depositadas no banco do Vaticano e usadas para promover o quebra-quebra no Chile e outras ações terroristas.

Seguindo à risca a receita de Steve Bannon, a verdade está sendo abolida pelo populismo-autoritário olavobolsonarista. Vale tudo.

Por que é tão difícil promover um debate esclarecido nas mídias sociais?

O pretexto chileno