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A falsificação da opinião pública pela ‘opinião fabricada’

Sobre a opinião fabricada: observações do ponto de vista da nova ciência das redes

Penso que as análises de pesquisas de intenção de voto consideram e entendem mais ou menos o chamado recall, mas ainda não entendem muito bem a chamada rejeição. Estamos tratando aqui de lembrança positiva e de lembrança negativa.

O recall é mais fácil de desvendar. Por exemplo, parte das intenções de voto em Marina (e até em Lula, em volume claramente bem menor) é recall. O recall pode ser a base para o voto efetivo, ou seja, a lembrança positiva pode ser transformada em voto, mas nem sempre em quantidade ponderável (depende do desempenho do candidato, dos seus concorrentes e, sobretudo, da sua posição numa dada configuração de forças).

No caso da rejeição o peso da lembrança negativa pode ser menor do que o da opinião fabricada. Chamamos de opinião fabricada aquela que não se forma, predominantemente, por emergência, com a combinação aleatória de múltiplos inputs, mas por retroalimentação de reforço e looping de recursão, pela repetição ou iteração de certas mensagens pelos grandes meios de comunicação. Por exemplo, parte da rejeição a Alckmin (por ser do mesmo partido de Aécio e por ter se aliado ao chamado centrão) e a Meirelles (herdada de Temer) é opinião fabricada.

O caso de Temer é exemplar. Meses seguidos de repetição das mesmas notícias (verossimilhantes, não importa se verdadeiras) pelos grandes meios de comunicação foram capazes de fabricar uma opinião. Depois de uma disseminação (massificante) inicial, tipo broadcasting, as pessoas começaram a repetir, elas próprias, as mesmas notícias, já numa dinâmica de rede, criando laços de retroalimentação de reforço (feedback positivo) que amplificaram a mensagem inicial. Em certos casos isso pode se tornar resiliente, quando há a formação de núcleos imunes à mudança de opinião em razão do looping de recursão (as mesmas notícias dão tantas voltas sobre si mesmas em determinados clusters que viram verdades inquestionáveis, como que evidentes por si mesmas). As evidências se espalham rapidamente de alguns clusters para outros, percorrendo múltiplos atalhos. É assim que uma mentira, plantada durante alguns meses, pode virar verdade durante vários anos.

A gravação de Joesley com o presidente da República, supostamente revelando que Temer queria comprar o silêncio de Cunha, foi tão impiedosa e sistematicamente repetida, que virou verdade (ainda que jamais isso tenha ficado claro e tanto é assim que não houve condenação, nem afastamento do presidente). O governo foi injustamente destruído, as reformas paralisadas e a confusão política se instalou a partir daí. O golpe de misericórdia na falsificação da opinião pública foi a entrevista de Joesley à Época, em meados de 2017, dizendo que Temer e Aécio eram os chefes – o número 1 e o número 2 – da quadrilha mais perigosa do Brasil. Isso não saiu da cabeça do açougueiro freeboy. É claríssimo que houve uma armação. Resultado: em meados de 2017 a maioria da população, segundo pesquisa CNI-Ibope, já avaliava que o governo Temer estava sendo pior do que o governo Dilma. Como se explica isso? Não tem explicação, considerando tudo que o governo fez em pouquíssimo tempo. É opinião fabricada. Ou seja, um caso de falsificação da opinião pública.

Se Serge Tchakhotine (1938), quando escreveu A Mistificação das Massas pela Propaganda Política, tivesse algum conhecimento da nova ciência das redes, teria conseguido equacionar alguns problemas que ficaram insolúveis em seu livro pioneiro. Hoje já temos mais elementos para analisar o fenômeno da falsificação da opinião pública.

As mídias sociais, pelo que estamos vendo, não podem desmontar a falsificação que também as usa. Em recente artigo, publicado na MIT Technology Review, em 14 de agosto de 2018, intitulado How social media took us from Tahrir Square to Donald Trump, Zeynep Tufekci procurou mostrar como as tecnologias digitais passaram de instrumentos para disseminar a democracia a armas para atacá-la. Estudos mais profundos estão sendo realizados neste momento. Por exemplo, o artigo de Joshua A. Tucker, Yannis Theocharis, Margaret E. Roberts e Pablo Barberá (2017), intitulado From Liberation to Turmoil: Social Media and Democracy, publicado no Journal of Democracy (Volume 28, Number 4 October 2017) e já traduzido para o português.

A solução, necessariamente de longo prazo, passa – ao que tudo indica – pela formação de clusters democráticos, sempre temporários, altamente interativos (intensamente tramados por dentro) e abertos, com muitos atalhos (ou ligações para fora). Os democratas, como agentes fermentadores da formação da opinião pública, continuarão sendo minoria (como sempre foram, desde que surgiram na Atenas do século 5, por obra sofista), mas sua influência pode ser mais decisiva para corrigir deformações a que as diversas tecnologias, mesmo as mais avançadas, estão sujeitas. Só a inteligência tipicamente humana pode fazer isso. Mas este é assunto para um próximo artigo.

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