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A mega-operação da Odebrecht

Ao que tudo indica, uma mega-operação de despistamento

No dia 23 de agosto de 2016 publiquei em Dagobah um artigo intitulado Leo e Marcelo: uma confusão para esconder o fundamental, que começava assim:

“Não há como negar. As confissões industriadas de Leo e Marcelo já eram uma fraude para melar a Lava Jato. Eles queriam colocar todo mundo no mesmo bolo: quem apenas recebeu doações de campanha (sem questionar a origem dos recursos, como é de praxe) e quem estava no esquema criminoso do PT, usando as doações para financiar a “revolução pela corrupção” que o partido operava antes do impeachment. Isso tem nome: chama-se “Golpe Thomaz Bastos” (que consiste em nos empulhar com o seguinte truque: tudo não passou de caixa 2, que todo mundo faz).”

Há quem diga que o verdadeiro inventor da tese “tudo não passa de caixa 2” foi o recém-falecido advogado Arnaldo Malheiros Filho, que defendia Delúbio e Bumlai. A tese existe e foi adotada por Lula na famosa entrevista de contra-informação concedida em Paris, no final de 2005, no auge das apurações do mensalão. Não importa. Passemos ao último parágrafo do artigo:

“A confusão proposital serve para esconder o fundamental:

1) Lula e Dilma foram eleitos e reeleitos com o dinheiro do crime (roubado da Petrobrás e de outras estatais e de vários órgãos públicos).

2) A organização chefiada por Lula e Dirceu recebeu esse dinheiro e usou-o somente em parte para fins eleitorais (e nem mesmo isso foi bem caixa 2 e sim, muitas vezes, dinheiro lavado via caixa 1).

3) Essa parte do dinheiro do crime recolhida pela organização criminosa chefiada por Lula e Dirceu teve usos bem diversos (dos eleitorais): além de locupletar alguns membros dessa organização com benesses pessoais de toda ordem, o dinheiro foi para o caixa 3, usado para comprar representantes eleitos, falsificando a correlação de forças emanada das urnas e para montar estruturas ilegais de poder (que podem então – por hipótese – praticar espionagem, fabricar dossiês contra adversários, patrocinar veículos de comunicação para difundir e replicar falsas versões, alugar pessoas para escrever a favor do governo e detratar as oposições, pagar agentes para ganhar ou recrutar e treinar militantes para os círculos do “Partido Interno” e ameaçar ou neutralizar pessoas que se tornam obstáculos à consecução dos planos criminosos ou antidemocráticos). E essa parte do dinheiro que sobrou, ao que tudo indica, ainda está escondida em contas bancárias no exterior em nome de laranjas ou nas offshores que foram abertas, inclusive, pela própria Odebrecht.”

Agora, afinal, vem a público a primeira peça da operação: a delação de Cláudio Melo Filho, vazada na íntegra (o que é uma novidade) para vários jornalistas simultaneamente (o Merval disse ontem que recebeu tudo pelo WhatsApp), citando 51 políticos de 11 partidos. Imagine-se o que virá em seguida. E atenção para o timing: várias dezenas de delações podem ser vazadas à conta-gotas, servindo de motivo para chantagens da organização criminosa aos poderes, inclusive, talvez, até mesmo contra o STF (para, eventualmente, fornecer decisões favoráveis à Lula e aos chefes do Partido Interno).

O vazamento corrobora a hipótese de que a delação da Odebrecht é uma armação. Joga matéria fecal no ventilador, confunde propositadamente caixa 2 com propina e, o que é pior, não esclarece nada – antes confunde – sobre o caixa 3, que a Odebrecht operava não como mera corruptora e sim como organizadora do braço empresarial do esquema de poder do PT.

Só se poderá acreditar que a delação de Emílio, Marcelo e quase uma centena de seus comandados, é para valer, quando:

1) Aparecer a planilha “Amigo” e a identificação de que “Amigo” é Lula.

2) For revelado o verdadeiro papel da Odebrecht como co-organizadora do esquema (e forem identificadas as contas no exterior, inclusive em nome de offshores, abertas por Marcelo e seus asseclas para esconder dinheiro petista).

3) Houver confissão dos dirigentes da Odebrecht sobre as conexões do esquema todo com ditaduras marxistas-leninistas (como Angola, Cuba, Venezuela e outras) e sobre o papel desse esquema na eleição e na manutenção de ditadores corruptos nesses países.

Se nada disso acontecer, em tempo hábil, ficará claro que a mega-delação da Odebrecht é, na verdade, uma mega-operação de despistamento.

É improvável que a manobra dê certo. Nem todo mundo é idiota.

Reinaldo Azevedo – tão criticado neste site pelo seu legalismo, baseado numa visão excelsa e abstrata do império da lei que acaba levando, na prática, à violação das leis (como no caso Marco Aurélio x Renan) – , acertou em cheio quando disse, em artigo de ontem no seu blog, o seguinte:

“O ideal seria que a delação da Odebrecht, por mais escalafobética, fosse conhecida de uma vez só, tornada pública na Internet, para que os marcianos soubessem com quem ainda podem conversar.

Acho que estou sendo claro. Essa tática de conta-gotas — e ainda faltam 68 ou 69 delatores, não? — impede qualquer planejamento; destrói as chances de investimento; eleva o pessimismo; assusta os agentes econômicos, que, então, preferem se proteger.

E notem que não estou propondo acordão, conversa, conciliábulo, nada disso. Estou só reivindicando que se cumpra a lei para que os órgãos de polícia sigam, sem qualquer interferência indevida, fazendo o seu trabalho, mas que se recupere algum espaço de ação para o domínio da política — tanto a política entendida como exercício legítimo de pressões como a política econômica.

Poucos se dão conta — e os dias futuros, nos primeiros meses de 2017, deixarão claro ser assim — que as esquerdas, e o PT em particular, está prestes a assumir um lugar privilegiado na narrativa. A esta altura, resta bastante arranhada a tese, QUE É A CORRETA, de que a corrupção e a propina eram instrumentos a que recorria o PT para fazer algo mais do que roubar: era um assalto ao estado, inclusive ao estado de direito.

Essa constatação foi perdendo força, sendo substituída pela evidência factual de que, afinal, todos os partidos fazem a mesma coisa. Ocorre que essa obviedade toma os meios como se fosse um fim. Roubar e trapacear como meio será ruim em qualquer tempo, e seus protagonistas devem ser punidos. Mas perder de vista a natureza da tramoia petista é falsear a história e abrir uma vereda para o PT se igualar a outras legendas entre os escombros. Se é assim, o partido é apenas um entre seus pares.”

Pois é. Isto seria a vitória da tese Thomaz Bastos – Arnaldo Malheiros, urdida para nos engabelar. É preciso denunciar o truque. O truque é esconder o que o PT queria. O que o PT queria? Ser apenas mais um partido de corruptos? Parece que não! Queria também usar a corrupção para tomar o poder, bolivarianizar o regime e nunca mais sair do governo.

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