Há tantos assuntos inovadores sobre os quais conversar, mas a galera insiste em fugir para trás e se refugiar em algum lugar do passado…
Liberais são, por definição, anti-estatistas. Além de estar discutindo e questionando os pré-candidatos sobre temas óbvios como:
Livre mercado;
Redução da participação do Estado na economia;
Reformas;
Responsabilidade fiscal;
Corte de impostos; e
Privatização.
Os liberais deveriam estar preocupados sobretudo com:
A defesa da democracia.
E com temas inovadores como, por exemplo:
Crise e limites da democracia representativa e experimentação de novas formas mais interativas de democracia numa emergente sociedade-em-rede;
Federalismo e crise do Estado-nação;
Superação da contraposição localismo não-cosmopolita (tipo “America First”) x globalismo e a realidade emergente da glocalização;
Superação da contraposição estiolante monoculturalismo versus multiculturalismo: rumo à inevitável (e desejável) miscigenação cultural;
Inadequação da classificação e da divisão das forças políticas em esquerda x direita;
Envelhecimento da divisão entre visões mercadocêntricas e estadocêntricas do mundo: a sociedade como forma autônoma (subsistente por si mesma) de agenciamento, além do mercado e do Estado.
Poderiam até mesmo retomar alguns debates já pautados:
Contra políticas de cotas;
Contra a ditadura do politicamente correto.
Mas, ao contrário disso, eles – os que se dizem liberais, mas não o são (em termos políticos) – estão mais preocupados com os seguintes pontos do que poderíamos chamar de PAUTA ENFERMA (enferma no sentido junguiano do termo, porque não criativa) da chamada “nova direita”:
Defesa dos valores da civilização ocidental cristã (ou judaico-cristã) | Ora, isso, rigorosamente falando, não existe. É uma invenção regressiva.
Contra a conspiração globalista bancada por capitalistas como Soros, os Clinton e outros membros do Clube de Bilderberg em aliança (ou convergência) com o comunismo internacional | O tal globalismo é um fantasma criado, pelos autocratas de direita, das duas primeiras décadas dos anos 2000, com os mesmos propósitos guerreiros do fantasma do neoliberalismo, que foi criado pelos autocratas de esquerda dos anos 90 do século 20.
Posse de armas (ou estímulo ao armamentismo popular) | Que não se confunde com o direito das pessoas de portar armas, o que seria correto, mas tenta criar um emocionar guerreiro, no mínimo de desconfiança do outro, na população.
Escola Sem Partido: intervenção estatal no ensino escolar (para coibir a doutrinação comunista e o proselitismo partidário da esquerda em sala de aula) | Quando talvez devessem pensar em outro lema: “Sem Escola e Sem Partido”, de vez que a escola – seja qual for o regime ou o modo-de-produção em que se instala – é sempre doutrinadora, em geral programando as mentes dos alunos com as noções de ordem, hierarquia, disciplina, obediência, comando-e-controle e fidelidade impostas top down.
Controle estatal da expressão artística (pelo menos em alguns casos, como os que retratam casos de zoofilia, pedofilia e outros comportamentos desviantes) para crianças | Mas não cabe ao Estado fazer isso (a não ser para estatistas, quer dizer, iliberais).
Endurecimento da lei penal | Que de quase nada adianta, na medida em que será o mesmo poder judiciário que não aplica adequadamente as velhas leis, a interpretar e aplicar as novas leis.
Redução da maioridade penal | Por que isso agora?
Anticomunismo (na vibe da guerra fria) | Ou seja, produção de militância, falsificação da verdade (qualquer verdade), guerra e, inevitavelmente, autocracia.
Fala sério! É de chorar.
Eles retrucam dizendo que esses temas coincidem com a opinião da maioria da população. É mesmo?
Liberais em termos políticos são democratas. E democratas são agentes fermentadores da formação da opinião pública. Não podem ter medo de confrontar as opiniões privadas da maioria da população. Se fosse assim, jamais teríamos ouvido a palavra democracia.
O afastamento da ideia de democracia tem a ver com o fato da tal “nova direita” ter se deixado pautar pela ideia de guerra cultural. Sim essa ideia de guerra cultural é pernóstica e prejudicial à democracia. Guerra cultural é guerra (ainda quando seja não-violenta), quer dizer, construção (às vezes invenção) e manutenção de inimigos (que é o que, ao fim e ao cabo, constitui qualquer ideia de guerra).
As pessoas não serão vencidas, não abandonarão suas convicções mais profundas, antes as reforçarão, criando superavits de inimizade. Por isso, nenhuma guerra produz sincera conversão. O resultado mais desumanizante de toda guerra não é a morte de indivíduos (tomados como inimigos ou demonizados) e sim a morte da rede social (quer dizer, das pessoas): a redução dos seus graus de distribuição, conectividade e interatividade e, consequentemente, o aumento dos graus de separação na sociedade.
Toda guerra (quente, fria, militar, civil, política, religiosa ou cultural) lança uma sombra de morte sobre os mundos. Isso é doentio. Uma pauta baseada, fundamentalmente, em guerra, é uma pauta enferma, que destrói a criatividade e a possibilidade de inovação.
É triste constatar que tantos jovens estejam caindo nessa armadilha autocrática.
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