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A possível corrupção dos Bolsonaro é o que menos importa

Sempre disse que se Lula fosse 100% honesto seria 1.000 vezes pior. Se ele fosse inteiramente honesto, não teria sido pego. Pois o problema principal, para a democracia, não é a corrupção e sim a autocratização. O problema principal de Lula não foi ter roubado para encher os bolsos, comprar um triplex no Guarujá ou um sítio em Atibaia e sim ter usado a corrupção para financiar um esquema criminoso de poder que tinha como objetivo alterar o DNA da nossa democracia. Ele queria conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para nunca mais sair do governo. Isso exigia vencer eleições sucessivamente, o que demandava recursos que não podiam ser captados apenas legalmente. Daí mensalão e petrolão: como disse o saudoso poeta Ferreira Gullar, o PT queria fazer “a revolução pela corrupção”. O que os petistas roubaram para si, era apenas uma pequena parcela, aquela parte do grão que não se pode negar ao boi que debulha.

Agora é o mesmo, mutatis mutandis, com a família Bolsonaro. É claro que montar uma quadrilha familiar de parlamentares para sequestrar e embolsar parte dos salários de assessores (pagos com dinheiro público) é corrupção. Quem faz isso é criminoso. Se, para disfarçar, ainda faz marketing – pessoal e familiar – denunciando a corrupção dos outros, é hipócrita e manipulador. Mas isso não é o mais preocupante. Os que devem estar super-preocupados com isso são os moralistas, que fizeram campanha dizendo que Bolsonaro era o único honesto.

O mais preocupante é que Bolsonaro representa um projeto que, após sua passagem pelo governo, muito provavelmente deixará nossa democracia menos liberal.

Vamos então começar a coletar sinais de populismo-autoritário, de majoritarismo, de postura i-liberal em termos políticos (não apenas econômicos) de Bolsonaro (evidenciados depois que ele foi eleito, esquecendo todas suas declarações autocráticas do passado distante ou recente, como as que elogiavam os torturadores Brilhante Ustra, Augusto Pinochet e as ditaduras anticomunistas, afirmando que seu principal erro foi ter matado pouco).

Começo com dez itens e depois acrescento novos sinais detectados por quem quem quiser acrescentá-los no Facebook:

1) No discurso durante a diplomação no TSE, Bolsonaro afirmou que o poder popular “não precisa mais de intermediação”. Sem a mediação das instituições democráticas (inclusive a imprensa e o parlamento) o poder – mesmo conferido pelas urnas – é ilegítimo. Como Lula, Bolsonaro dá a entender que quer fazer uma ligação direta entre o líder e o povo, bypassando as instituições.

2) Bolsonaro indicou um militante de extrema direita, Ricardo de Aquino Salles, criador do movimento Endireita Brasil, para o Meio Ambiente (comprovadamente contra a posição dos ambientalistas) e ainda por cima enrolado em numerosas denuncias e investigações.

3) Bolsonaro indicou a pastora Damares, ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, que declarou recentemente (numa pregação em 2016): “As instituições piraram nesta nação. Mas há uma instituição que não pirou. E esta nação só pode contar com essa instituição agora. É a igreja de Jesus (…). Chegou a nossa hora. É o momento de a igreja ocupar a nação. É o momento de a igreja dizer à nação a que viemos. É o momento de a igreja governar”.

4) Bolsonaro indicou para o Ministério das Relações Exteriores o olavista e militante antiglobalização Ernesto Araújo, guerreiro cultural alinhado ao trumpismo e ao bannonismo, contra os acordos climáticos, contra o pacto de imigração e a favor de uma guerra santa (inspirada pelo “Deus de Trump”) contra os inimigos da civilização ocidental cristã.

5) Bolsonaro indicou para o Ministério da Educação o olavista e militante antiglobalização Vélez-Rodrigues, a favor da intervenção estatal no conteúdo do ensino escolar e igualmente a favor da guerra cultural da nova cristandade contra o comunismo em nome da Deus, da pátria, da família.

6) Bolsonaro indicou pouco menos de uma dezena de oficiais militares para cargos de primeiro escalão do governo (ministros), praticamente ocupando o Palácio com generais linha-dura que defendem, em sua maioria, a ditadura militar e justificam a tortura em nome de uma guerra civil (que nunca houve no Brasil). Temos o capitão Bolsonaro na presidência, o general Hamilton Mourão na vice-presidência (com atribuições de governo), o general Azevedo e Silva no ministério da Defesa, o general Augusto Heleno no gabinete da Segurança Institucional, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz na Secretaria de Governo, o capitão Wagner Rosário na Controladoria Geral da União, o capitão Tarcísio Freiras no ministério da Infraestrutura, o almirante Bento Albuquerque, no ministério das Minas e Energia, o tenente-coronel Marcos Pontes no ministério da Ciência e Tecnologia. Essa quantidade exagerada de militares no topo do governo nunca foi vista em nenhuma democracia. Restaram no Planalto, praticamente, apenas dois civis. O número de militares em cargos de segundo escalão ainda está sendo levantado (mas já temos importantes nomes: o do major Padro Nunes na chefia do Gabinete da Presidência, o general Guilherme Teophilo na Secretaria Nacional de Segurança Pública, o general Maynard Santa Rosa, no Programa de Parceria de Investimento).

7) Bolsonaro fez questão de conversar, depois de eleito, com o populista-autoritário, i-liberal e majoritarista, Viktor Orbán, que está autocratizando o regime político da Hungria.

8) Bolsonaro recebeu em sua casa (e até bateu continência para) o falcão trumpista John Bolton.

9) O filho de Bolsonaro, como delegado plenipotenciário do pai, foi aos Estados Unidos para se encontrar com Steve Bannon, o pior ideólogo neocon trumpista existente e com o enroladíssimo genro de Trump, Jared Kushner.

10) Bolsonaro e sua família estimularam e organizaram a Cúpula Conservadora (na verdade reacionária e antidemocrática) da América Latina para ser uma espécie de Foro de São Paulo com o sinal trocado.

São muitos sinais recentes. Que indicam que o Bolsonaro eleito e o Bolsonaro candidato não são duas pessoas diferentes, como quer nos fazer crer o jornalismo-pollyanna. E vêm muitos mais sinais por aí. Vamos anotar.

A nova guerra bolsonarista: os corruptos do bem (anticomunistas) x os corruptos do mal (comunistas)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos no século 21