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A visão de democracia da força-tarefa da Lava Jato (2)

No dia 4 de junho de 2017, Deltan Dallagnol publicou, na Folha de São Paulo, o artigo As ilusões da corrupção. O artigo revela uma visão de democracia que comentei no post A visão de democracia da força-tarefa da Lava Jato.

Ontem (15/06/2017), outro membro da força-tarefa da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, publicou no seu Facebook – a propósito de matéria da revista IstoÉ, que levanta suspeitas sobre o comportamento do Procurador Geral da República – o seguinte depoimento em defesa de Rodrigo Janot.

Amigos

A operação lava jato começou ostensivamente em março de 2014. Fui convidado a participar das investigações pelo Dr. Deltan Dallagnol, com o respaldo do Procurador Geral da República Dr. Rodrigo Janot.

Nesses mais de três anos desvendamos com o apoio da Polícia Federal e da Receita Federal diversas organizações criminosas, tanto empresariais, quanto político-partidárias, que vêm sugando a vitalidade dos cidadãos brasileiros.

Esses esquemas criminosos nos vampirizam, por um lado, pela corrupção, que corrói nossa economia e irriga os cofres de partidos políticos, políticos e funcionários públicos, e por outro lado, pelo benefício ilegal a empresas, seus proprietários e executivos em contratos públicos.

Apesar do sucesso das investigações até o momento, sempre soubemos o tamanho das forças contrárias que enfrentaríamos. Nunca fomos ingênuos a esse respeito. Por sorte pudemos contar com o apoio de pessoas de bem.

Infelizmente, entretanto, algumas das pessoas que nos apoiavam o fizeram por motivos mesquinhos ou ingênuos. Os primeiros queriam apenas substituir um partido pelo seu próprio partido, sem qualquer pretensão de buscar o bem comum. Já os segundos acreditavam que todo mal estava no governo do PT. Ledo engano.

A verdade é que estamos mergulhados em uma crise de um sistema político – partidário corrupto, que usa, independentemente do partido, de todos os meios ilícitos para sobreviver.

Esse sistema corrupto continua no atual governo. Não sejamos ingênuos ou, pior, cegos por não desejarmos ver a verdade. A atual luta não é esquerda contra direita, nem ricos contra pobres. É aqueles que desejam um país honesto com seu povo, limpo de toda essa abominável sujeira, contra aqueles que se beneficiaram da corrupção para alcançarem poder e dinheiro à custa do trabalho duro de todos os brasileiros.

Dessa forma, quero reiterar a todos a confiança que tenho nos trabalhos da equipe do Procurador Geral da República Dr. Rodrigo Janot, pois sei da seriedade de todos os seus esforços para que seja alcançado o mesmo objetivo de termos um país melhor.

Esse é o meu testemunho. E o faço livremente na esperança que as pessoas que o leiam possam acreditar nas minhas palavras. Não tenho compromisso algum com quem quer que seja, salvo com meu compromisso , que também foi o de meu pai e é de meus irmãos, de sermos servidores públicos e promotores de justiça.

Carlos Fernando dos Santos Lima, cidadão.

Tudo bem que Carlos Fernando queira defender seu chefe. Entende-se. Mas no post acima fica claro que a ficha ainda não caiu na cabeça dos membros da força-tarefa da Lava Jato.

Deixando de lado a defesa de Janot, que se explica, na melhor das hipóteses, pela solidariedade corporativa dos procuradores, há dois pontos na nota de Carlos Fernando, que chamam a atenção. O primeiro deles é o seguinte:

Infelizmente, entretanto, algumas das pessoas que nos apoiavam o fizeram por motivos mesquinhos ou ingênuos. Os primeiros queriam apenas substituir um partido pelo seu próprio partido, sem qualquer pretensão de buscar o bem comum. Já os segundos acreditavam que todo mal estava no governo do PT. Ledo engano.

A verdade é que estamos mergulhados em uma crise de um sistema político – partidário corrupto, que usa, independentemente do partido, de todos os meios ilícitos para sobreviver.

No primeiro parágrafo do trecho reproduzido acima, Carlos Fernando chama de ingênuos os que acham que todo mal estava no governo do PT. Revela, com isso, não ter entendido nada das diferenças entre a corrupção tradicional, endêmica em nossos meios políticos, e a corrupção com motivos estratégicos de poder, praticada pelo PT para alterar o DNA da nossa democracia, quer dizer, bolivarianizar (ou lulopetizar) o regime político vigente no Brasil. Para ele é tudo a mesma coisa. Lula é como Sergio Cabral, Dirceu é como Cunha. Como se disséssemos que Mussolini é como Berlusconi, Salazar é como José Sócrates. Ora, se não for ingenuidade, neste caso do procurador – não de nós que vemos as diferenças e avaliamos diferentemente os perigos que os dois tipos de corrupção representam para nossa democracia (basta ver o que está acontecendo na Venezuela: é como dizer que Chávez é a mesma coisa que Rafael Caldera, seu antecessor) – nem de má-fé ou cegueira voluntária (o que não acredito), trata-se mesmo de uma (falta de) visão de democracia.

Outro parágrafo do post de Carlos Fernando, confirma o que estamos dizendo:

Esse sistema corrupto continua no atual governo. Não sejamos ingênuos ou, pior, cegos por não desejarmos ver a verdade. A atual luta não é esquerda contra direita, nem ricos contra pobres. É aqueles que desejam um país honesto com seu povo, limpo de toda essa abominável sujeira, contra aqueles que se beneficiaram da corrupção para alcançarem poder e dinheiro à custa do trabalho duro de todos os brasileiros.

Sim, o sistema corrupto (o velho sistema político como um todo, que apodreceu) continua existindo, até porque está no governo a mesma base congressual que apoiou o PT durante mais de uma década. Mas a corrupção que continua no governo Temer é a endêmica, não a corrupção com motivos estratégicos de poder que foi urdida, operada e chefiada pela verdadeira organização política criminosa chefiada por Lula, Dirceu e seus sequazes. Carlos Fernando menciona diversas organizações criminosas, tanto empresariais, quanto político-partidárias”, mas parece não ter se dado conta de que há uma organização criminosa estruturada para cometer crimes políticos (contra a democracia) e não apenas crimes comuns. Não viu que, a despeito do festival de acusações, investigações, delações, condenações e prisões da Lava Jato, apenas um membro do núcleo duro da organização política criminosa continua preso (em regime fechado): João Vaccari.

O mais grave, porém, é o espírito de cruzada para limpar a política que fica claro no último parágrafo destacado e reproduzido acima: “a atual luta… é aqueles que desejam um país honesto com seu povo, limpo de toda essa abominável sujeira, contra aqueles que se beneficiaram da corrupção”.

Ora, os democratas queremos que todos os crimes – sejam comuns ou políticos – sejam punidos. Mas não podemos colocar as coisas nesses termos. Em primeiro lugar porque não é possível ter um país “limpo de toda… sujeira”. Os seres humanos realmente existentes não podem ser limpos. Quem gosta de limpeza é a autocracia, não a democracia. Em segundo lugar, esta limpeza não pode ser promovida pelo Estado (e a Lava Jato é uma operação do Estado). A função do Estado não pode ser limpar a sociedade, purificar o país, reformar as pessoas. O velho sistema político que apodreceu é Estado, não sociedade. Só a sociedade pode reformar o Estado, não o contrário (do contrário, teremos menos democracia, não mais democracia).

O post de Carlos Fernando, assim como o artigo de Deltan Dallagnol (mencionado e linkado acima), revelam uma concepção pedestre de democracia, muito próxima, infelizmente, do analfabetismo democrático.

Se a força-tarefa da Lava Jato tem esse tipo de concepção (e parece que tem), corremos o sério risco do PT escapar no meio da pilantragem geral dos batedores de carteira da política. A organização política criminosa (chefiada por Lula e Dirceu), que não foi desbaratada, continuará livre e solta para atuar, ameaçando nossa democracia.

Carlos Fernando parece ser incapaz de entender a sentença de que se o PT fosse 100% honesto seria 1.000 vezes pior.

A Lava Jato não pode ser uma réplica da operação Mani Pulite (e não deve, se não quiser ter o mesmo destino da sua congênere: quem quer limpar o mundo acaba fora do mundo), mas sobretudo porque na Itália dos anos 90 não havia uma organização política criminosa – com enraizamento social suficiente – querendo alterar a natureza do regime político.

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