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Aos democratas cabe evitar que se configure o cenário do horror

Uma pessoa fez um comentário sincero a um post de 13/10/2017, no meu mural do Face:

“É trágico. No Brasil, não há nem de longe um candidato liberal com perfil popular mas não populista e que seja pragmático, tecnicamente preparado e democrata ao mesmo tempo. Estamos entre o Lula, que dispensa apresentações em termos de mau caratismo e incompetência, e o Bolsonaro. Desesperador.”

Sim, o candidato perfeito não existe. As pessoas realmente existentes (e isso inclui os políticos) não são perfeitas.

Não há tempo para o luxo da escolha do melhor (ou para esperar o candidato dos nossos sonhos, portanto imaginário, aparecer).

Qualquer candidato do campo democrático é melhor do que qualquer candidato do campo autocrático (Lula ou alguém apoiado pelo PT e Bolsonaro ou algum militar intervencionista). Qualquer um.

E quando dizemos, qualquer um, é qualquer um mesmo. É desejável que seja alguém novo, desvinculado da velha política e da corrupção que é endêmica nos meios políticos, mas se não aparecer este, ainda assim é melhor qualquer um do campo democrático do que alguém do campo autocrático.

É desejável que seja um candidato competitivo, com facilidade de discurso, mas na falta deste, vale qualquer outro, desde que do campo democrático.

As pessoas ainda não entenderam o drama que vivemos, em toda sua extensão e profundidade. Não é hora para brincar de escolher o melhor. Não é um joguinho. Não se pode fazer pirraça: “ah, se não for o melhor, não terá o meu voto”. O melhor não existe. E se existisse não teria força para acabar com a corrupção por decreto, para moralizar de uma vez nossos costumes políticos, para construir o regime ideal da noite para o dia e para dar continuidade ao processo de democratização do país.

É preciso acordar. O sistema político, por mais apodrecido que esteja, não será abolido, nem pelos jacobinos que fazem política com a Lava Jato, nem pelo Supremo Tribunal Federal com seu juridicismo oligárquico, nem pelas urnas de 2018. Qualquer presidente eleito terá de governar com os parlamentares que serão eleitos juntos com ele. A menos que dê um golpe de Estado, terá de obedecer a Constituição e fazer política, negociar com o Congresso, recuar de muitas de suas ideias (mesmo que sejam as melhores do mundo).

É hora de realismo democrático, não do realismo político (a velha realpolitik) que é autocrático. Esse realismo indica hoje o seguinte: se não surgir um movimento no campo democrático, mesmo que seja eleitoral, em torno de uma candidatura para 2018, estamos perdidos. Se a disputa ficar polarizada entre esquerda e direita (ambas autocráticas), estamos ferrados, independentemente do resultado do pleito. Uma campanha capturada pelo campo autocrático, opondo Lula (ou outro candidato apoiado pelo PT) a Bolsonaro, destruirá aceleradamente nosso capital social e enfreará o processo de democratização do Brasil. Pior, mergulhará o país numa guerra civil fria de longa duração.

O problema, portanto, não é se Bolsonaro vai ganhar (é quase certo que não), mas sim o seguinte: o que fazer com essa gente boçal – os fanáticos bolsonaristas – durante a campanha, rivalizando em intolerância com os militantes petistas (e aprisionando a disputa no campo autocrático)?

E depois da campanha, se esse pessoal – tendo perdido o pleito – continuar mobilizado?

Claro que essas opiniões autocráticas e esse emocionar anti-humano dos bolsonaristas sempre estiveram presentes no fundo do poço (não só no Brasil, mas em qualquer lugar, depois de cinco a seis milênios de cultura autocrática patriarcal), mas a diferença é que eles não se expressavam como força política, a não ser marginalmente. Agora não!

E há uma nova geração de idiotas, de pessoas na faixa dos 20 a 30 anos, relativamente letradas, com acesso a meios interativos de comunicação (coisa que nunca tiveram), sem qualquer experiência política e vivência democrática, sem memória do que é uma ditadura, que aposta em saídas de força, no jacobinismo e na antipolítica da pureza, no moralismo e no punitivismo.

Os novos “sans-coullote” das mídias sociais, ainda que minoritários na sociedade, serão uma ameaça permanente à democracia e empestearão o novo espaço público da sociedade-em-rede. Serão uma fonte permanente de desestabilização de qualquer novo governo saído das urnas de 2018.

Isso se não der Lula ou alguém de esquerda apoiado pelo PT. Se der, a tragédia será muito pior, pois uma oposição antidemocrática se fortalecerá, tendo como base a turbamulta vil de fanáticos bolsonaristas frustrados, aliada a pessoas descontentes, analfabetas democráticas, homofóbicas, armamentistas, intervencionistas, que acharão que só um golpe de Estado poderá resolver o problema.

Se o PT vencer a disputa eleitoral e tentar retomar o seu projeto de bolivarianização do regime, os apelos à intervenção militar se intensificarão e haverá uma escalada da guerra fria, com a eclosão pontual de ações disruptivas, manifestações de intolerância e até confrontos físicos. A sociedade brasileira ficará esgarçada, vincada de cima a baixo, polarizada por dois projetos autocráticos, à esquerda e à direita.

Este é o problema que foi gerado pelo hegemonismo petista: criou uma face monstruosa de si mesmo (como se a face do PT já não fosse suficientemente monstruosa). Foi assim que o PT feriu a democracia brasileira: pelas ações que cometeu e por ter ensejado a criação de um alter sombrio, uma sombra macabra que reproduz o mesmo comportamento pelo avesso.

Nunca foi tão importante, como agora, articular iniciativas democráticas que possam convergir, logo adiante, numa candidatura democrática de centro (se é que se quer tomar como referência as classificações inadequadas de esquerda e direita), evitando o cenário de uma polarização entre  petistas (e assemelhados) e bolsonaristas – que seria o cenário do horror.

Cabe aos que têm apreço pela democracia, antes de qualquer coisa, evitar que se configure no Brasil o cenário do horror.

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