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Aprendendo democracia com as ditaduras

A lista atualizada das 60 ditaduras que remanescem no mundo, em plena segunda década do século 21 e o que podemos aprender com ela

Espantoso é que mais da metade da população do planeta vive nesses países e que esse número já foi menor… Sim, as ditaduras não estão diminuindo, senão aumentando (ao contrário do que diziam os nefelibatas, crentes de que a expansão da economia de mercado acabaria levando, mais cedo ou mais tarde, todos os países para a democracia representativa, a democracia reinventada pelos modernos no século 17).

Também é curioso constatar que – em sua maioria – os países listados abaixo têm governos dirigidos por partidos de orientação islâmica ou de orientação marxista-leninista (ou marxista-qualquer-coisa).  Não pode ser por acaso!

Mas “tem carne nova na zona”. A Turquia de Erdogan e do AKP é a mais nova integrante da listinha macabra. O AKP – Partido da Justiça e Desenvolvimento – é um partido político fundado em 2001 por uma ala reformista do Partido da Virtude, um partido islâmico turco.

Examinemos a lista atualizada:

01. Afeganistão
02. Angola
03. Arábia Saudita
04. Argélia
05. Azerbaidjão
06. Barein
07. Belarus
08. Brunei
09. Burkina Faso
10. Burma (Mianmar)
11. Camarões
12. Camboja
13. Cazaquistão
14. Chade
15. China
16. Comoros
17. Congo (Kinshasa | Brazzaville)
18. Coréia do Norte
19. Costa do Marfim
20. Cuba
21. Djibuti
22. Egito
23. Emirados Árabes Unidos
24. Eritreia
25. Etiópia
26. Fiji
27. Gabão
28. Gâmbia
29. Guine
30. Guiné Equatorial
31. Guiné-Bissau
32. Irã
33. Jordan
34. Kuwait
35. Laos
36. Líbia
37. Madagascar
38. Marrocos
39. Nigéria
40. Omã
41. Palestina (Faixa de Gaza sob controle do Hamas)
42. Qatar
43. República Centro Africana
44. República Democrática do Congo
45. Ruanda
46. Rússia
47. Síria
48. Somália
49. Suazilândia
50. Sudão
51. Sudão do Sul
52. Tajiquistão
53. Togo
54. Turcomenistão
55. Turquia
56. Uzbequistão
57. Venezuela
58. Vietnam
59. Yemen
60. Zimbábue

É possível – embora agora não tão provável (depois da derrocada do lulopetismo e do kirchnerismo, se isso de fato se confirmar) – que protoditaduras como Bolívia, Equador, Nicarágua e, talvez, El Salvador, venham a integrar a lista do horror, aumentando o número de autocracias contemporâneas para 64.

Constitui um bom exercício de aprendizagem democrática estudar os regimes vigentes nos países da lista acima, analisar as circunstâncias em que foram erigidos e monitorar sua “evolução”. Como a democracia, no sentido forte do conceito, é um processo de desconstituição de autocracia, pode-se aprender mais democracia estudando as ditaduras e identificando a incidência dos mesmos padrões autocráticos em todas elas, do que lendo as teorias da chamada “ciência política” contemporânea sobre o tema.

O problema é grave. Pois a democracia continua ameaçada no plano global. Os perigos maiores para a humanidade são hoje o crescimento do jihadismo ofensivo islâmico e o projeto de reeditar a guerra fria e a política de blocos do governo de assassinos da FSB (ex-KGB) representado por Putin. Se o projeto de Putin vingasse,  boa parte dos países da lista acima poderia acabar se alinhando ao bloco do neo-expansionismo russo. Até agora fomos salvos desse perigo pela recusa da China a entrar na aventura regressiva do putinismo. Os chineses ponderaram que isso “não era bom para os negócios”. De qualquer modo, sobre o tema vale a pena ler um artigo do final de 2014, reproduzido abaixo.

 

NUNCA A HUMANIDADE DEPENDEU TANTO DA REDE SOCIAL

Publicado originalmente no Facebook em 15 de novembro de 2014

Não há saída para as grandes ameaças à liberdade e à paz no mundo senão uma mudança de época

As duas principais ameaças à liberdade e à paz no plano global são, hoje, as tentativas (capitaneadas por Putin) de reeditar a guerra fria e a política de blocos e o crescimento do jihadismo islâmico.

Em primeiro lugar temos o neo-expansionismo russo e as tentativas da FSB (ex-KGB) – via Putin – de reeditar a guerra fria e a política de blocos dos anos 1950-1990. Vladimir Putin, no poder desde meados de 1999, tem forte base social nos países da ex-URSS. As casas mais modestas, nos distantes rincões siberianos, têm sua foto na sala de jantar. Sua popularidade é altíssima na Rússia e seu governo talvez supere hoje os 80% de aprovação. Até as crianças brincam de guerra dizendo que Putin vai levar à vitória da Rússia contra o Ocidente. O governo de assassinos da FSB – erigido na Rússia no dealbar do século 21 para durar indefinidamente – não quer uma guerra contra os países ocidentais, que sabe que não pode vencer (inclusive porque não há qualquer indicação de que a China entraria em tal aventura, pelo contrário). O que ele quer é articular e consolidar uma espécie de novo bloco contra-hegemônico (contra os USA e União Europeia), capturando para sua esfera de influência alguns países da ex-URSS (notadamente a Ucrânia e outros Estados mais frágeis já anexados), alguns países do Oriente Médio onde ainda conta com governos aliados (como a Síria), e da Ásia e da África e os novos governos bolivarianos da América Latina, sob influência de Cuba e de seus aliados (incluindo, se possível, Brasil e Argentina). Nada indica que Putin vai abandonar suas tentativas de reeditar a guerra fria – ou de “construir um novo muro de Berlim”, como acusou recentemente Tenzin Giatso, o XIV Dalai Lama – de vez que elas são funcionais para autocratizar o regime e consolidar uma hegemonia de longa duração sobre a sociedade russa a partir do Estado controlado pela FSB.

Não há no horizonte solução fácil para conter o neo-expansionismo russo. As sanções econômicas impostas pelos USA e pela Europa não tiveram até agora o efeito previsto de retirar a base de apoio dos novos oligarcas – os bilionários russos – ao governo da FSB. A Rússia de Putin, que a partir de meados da década passada já era uma protoditadura, hoje já pode ser caracterizada, para todos os efeitos, como uma quase-ditadura ou uma ditadura de novo tipo (como é a Venezuela, por exemplo). Essas ditaduras de novo tipo revelaram a evidência terrível de que uma força autocrática organizada e socialmente enraizada que chega ao poder pelo voto, não sai do poder apenas pelo voto. Ainda que cerca de 10% da população russa, que vive em Moscou e nas grandes cidades, não concordem com as pretensões de Putin, não há indicações de que a situação atual possa ser revertida no curto prazo. Não há experiência democrática da sociedade russa suficiente para configurar uma resistência democrática eficaz.

Em segundo lugar temos a expansão do jihadismo islâmico. Conta-se, numa estimativa modesta, a existência de pelo menos 200 milhões de jihadistas (fundamentalistas islâmicos) no mundo atual. As organizações mais conhecidas são: Boko Haram (Nigéria), Al Shabab (Somália e redondezas), Lashkar-e-Taiba (Paquistão e Afeganistão), Al Qaeda (Oriente Médio, África, Ásia e alhures), Talibã (Afeganistão e Paquistão), Hezbollah (Líbano e Síria), Hamas (Irmandade Muçulmana na Palestina) e Estado Islâmico (Iraque, Síria etc.). Mas há também a Gama’at Islamiya (Egito), a Jamaat-e-Islami (Índia, Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka, Caxemira), a Jemaah Islamiyah (Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Brunei) e várias outras menores. E uma retaguarda de apoio e financiamento em muitos Estados do Oriente Médio e adjacências, destacando-se a Irmandade Muçulmana (no Egito), o Wahhabismo (na Arábia Saudita) e a teocracia dos Aiatolás (no Irã). Esses clusters resilientes, altamente hierarquizados e autocratizados, estão em expansão no momento. Não há qualquer evidência de que vão desaparecer, pelo contrário: poderemos ter em poucas décadas o dobro dos combatentes atuais (ou talvez mais). O islamismo – que não é, em sua ampla maioria, nem terrorista, nem jihadista, mas é o terreno sobre o qual florescem essas seitas guerreiras – é a religião que mais cresce no mundo, contando hoje com 1/5 da população mundial (1,3 a 1,5 bilhões de seguidores).

Isso não é algo que se possa resolver – como previram alguns ideólogos do liberalismo econômico – pela expansão “natural” do capitalismo. As forças do fundamentalismo islâmico também não são vulneráveis à democracia, como sonharam os crentes na inexorabilidade da adoção da fórmula universal da democracia representativa. Elas estão embasados numa cultura patriarcal em estado puro (ou quase). Nelas não há liberdade de opinião e, o que é pior, nem mesmo o conceito de opinião.

Uma aliança estratégica entre USA, União Europeia e China – carregando suas respectivas áreas de influência – poderia mudar esse quadro no que tange ao neo-expansionismo russo (não há evidências de que ela seria eficaz no que toca à expansão do jihadismo islâmico). Mas dificilmente ela acontecerá pois não atende aos interesses geopolíticos e geoeconômicos chineses de médio e longo prazos. Ou seja, a solução tradicional – a solução da guerra – não se aplica ao caso. Sem a China, nada feito e, mesmo com a China, tal solução só resolveria parte do problema, a menos que o mundo retrogradasse para sistemas de governança ultra-centralizados, para uma espécie de governo mundial autocrático, com a instituição de políticas globais, inclusive de uma polícia global, atuando de cima para baixo e de fora para dentro em todo lugar.

Mas o terrível quadro atual só pode ser modificado de baixo para cima e de dentro para fora. É claro que uma inesperada primavera russa, uma nova primavera árabe (ampliada para os países islâmicos não árabes) e, inclusive, uma inusitada primavera chinesa, poderiam alterar tudo (a China entra aqui não porque constitua uma ameça iminente à liberdade e à paz mundial e sim porque ela é capaz de bloquear qualquer solução democratizante). Essa seria a solução não-tradicional, a solução mais aderente aos novos mundos sociais altamente interativos que estão emergindo na sociedade-em-rede. Manifestações vigorosas da fenomenologia da interação poderiam desestabilizar os poderes que ameaçam a liberdade no mundo atual, mas ao eliminar essas principais ameaças (o neo-expansionismo russo e a expansão do jihadismo islâmico) inevitavelmente derruiriam também as bases das atuais unidades de governança que congelaram o mundo no sistema do equilíbrio competitivo (os menos de duzentos Estados-nações). Eis o dilema!

Para entender o dilema é preciso ver que as duas principais ameaças detectadas aqui são ameaças guerreiras e, como tais, são ameças fundamentalmente estatistas: o neo-expansionismo russo é uma expressão de estatismo (a política de blocos de uma nova guerra fria aponta para uma espécie de pan-Estado hemisférico ou mundial) e a expansão do jihadismo islâmico também é uma expressão de estatismo (as organizações do fundamentalismo islâmicos são proto-Estados ou Estados que também apontam para pan-Estados: califados regionais ou califado mundial).

Ora, não há saída para isso senão uma democratização radical da qual não poderá sair ileso o tronco gerador de programas verticalizadores que mantem e dissemina permanentemente inimizade no mundo: a forma atual Estado-nação (um fruto da guerra, como se sabe, da paz de Westfália). Se as sociedades começarem a se levantar contra os Estados e os proto-Estados que agora ameaçam a liberdade e a paz mundial, seu ímpeto democratizante não poderá ser contido. E em vez de termos apenas primaveras localizadas – russa, árabe (ampliada para os países islâmicos não árabes) e chinesa – poderemos ter uma verdadeira primavera das redes no plano global. Não por um processo centralizado e unificado e sim de modo fractal. Os USA e a Europa, as outras Américas, a África, a Ásia e a Oceania, não conseguirão se proteger das ondas de alta interatividade caso elas sejam provocadas em regiões suficientemente extensas do planeta. Primaveras, desse tipo, decorrentes da fenomenologia da interação, se espalharão por cloning, se articularão por clustering, se expressarão por swarmings e potencializarão o crunching já em curso. E então ocorrerá um brutal amassamento do tamanho social do mundo, com a drástica redução dos graus de separação, mudando a natureza daquilo que chamamos de sociedade humana. Tudo isso, parece óbvio, estilhaçará o velho mundo único que naufraga vítima de sua própria contradição fulcral: a paz não pode ser mantida e gerida por unidades de governança desenhadas para a guerra.

Mas não parece haver outra saída para esta época de mudanças (e de contra-mudanças) que estamos vivendo senão uma mudança de época. Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social.

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