in

Bolsonaro: um cavalo paraguaio, mas muito perigoso para a democracia

Por que a democracia, mais do que nunca, está na ordem do dia no Brasil

A foto que ilustra este artigo foi colhida na página de um jovem discípulo do Olavo de Carvalho. Ele, é claro, também faz a campanha de Bolsonaro (candidato recomendado pelo mestre), assim como tantos que acham que o sentido da política é a honestidade e não a liberdade.

Esta é a campanha que O Antagonista (agora abrigando em seu seio um olavista de carteirinha) está fazendo: ao dizer que toda corrupção tem a mesma consequência para a democracia, que Lula é a mesma coisa que Cabral, que Cunha é igual a Dirceu ou que Geddel e Vaccari praticam o mesmo tipo de crime, só restam duas alternativas, ambas no campo autocrático:

1) Lula (ou alguém apoiado pelo PT): porque, se todos roubam (e se todo roubo é igual), pelo menos o PT está do lado dos pobres; e

2) Bolsonaro: porque é o único honesto (e, supostamente, não tem nada a ver com tudo isso que está aí, embora tenha votado em Lula e se homiziado no PP durante anos).

O moralismo e a desvalorização da democracia, generalizados no país, são instrumentalizados por esse pessoal manipulador, que pratica a antipolítica robespierriana da pureza para vender a falsa ideia de que um presidente corajoso e honesto será capaz de colocar ordem na casa na base do grito, como se não houvesse parlamento e judiciário, como se um presidente pudesse mandar fazer tudo que lhe desse na telha, sem política. Ora, isso só é possível numa ditadura.

JOGANDO A HONESTIDADE CONTRA A DEMOCRACIA

Ontem, 18/09/2017, Raul Jungmann emitiu nota sobre as declarações do general Mourão, que pregou um golpe militar em palestra na maçonaria. O ministro, é claro, defendeu a Constituição, a democracia e o Estado de direito.

Vale a pena ler os comentários dos leitores no site da Rede TV, onde Reinaldo Azevedo publicou a nota.

Um deles, o mais recente, de um tal Luiz Felipe, diz:

“Estado democrático de direito só serviu e está servindo para políticos corruptos, bandidos e assemelhados”.

Os demais vão na mesma linha. Um(a) tal Raja Natureza escreveu:

“Imagina o Mourão batendo continência para o Temer… O exército está nas ruas do Rio de Janeiro para caçar os bandidos e ladrões, se o Mourão encontrar o Temer na rua vai jogar ele dentro de um caveirão”.

É incrível como, durante 8 anos de governo Lula, que montou o maior esquema de corrupção da nossa história (e, na verdade, de toda a história), esses patriotas não tenham se indignado e se manifestado.

Como as pessoas se inscrevem para comentar, em geral usando o login social do Facebook, não é necessário grande esforço para descobrir que esses comentadores são bolsonaristas.

Bolsonaro, o capitão boçal e oportunista eleitoreiro, que repete o discurso do prendo e arrebento de ditadores militares para se reeleger ou eleger um membro da sua família, embora tivesse ficado caladinho, homiziado no PP – um dos partidos fisiológicos mais corruptos que eram da base do PT -, durante grande parte dos governos petistas (de 2005 a 2016), manipula o moralismo e o analfabetismo democrático reinantes para se cacifar politicamente, jogando a honestidade contra a democracia.

Muitas pessoas dão por certo que Jair Bolsonaro será eleito, tal a indignação da população com a corrupção. Felizmente, não é bem assim. Bolsonaro é uma ameaça à democracia, mas nada indica que terá fôlego para sobreviver ao processo político. Embora muitas pessoas, individualmente, apostem em Bolsonaro, a opinião pública que se formará não tende a expressar tais opiniões caso haja um candidato competitivo no campo democrático.

A DIFERENÇA ENTRE OPINIÃO PRIVADA E OPINIÃO PÚBLICA

Uma conversa ontem no Facebook, com um amigo, ilustra bem a situação.

O amigo: “Tenho perguntado de forma sistemática para pessoas desconhecidas que vou encontrando sobre que qualidades gostariam de um candidato que merecesse o voto dela. A resposta quase invariavelmente é: que seja uma pessoa honesta e trabalhadora. O Maluf se dizia competente em suas campanhas. O Collor, Lula e PT se diziam a solução para a ética na política, cruzados contra a corrupção. Não creio que o povo irá mudar neste aspecto, de querer alguém honesto. E é este o risco, por querer alguém honesto tenhamos alguém que não nos ajude no caminho democrático, e que não venha a ser percebido pelos eleitores cansados de tanta corrupção.”

Eu: “Sim, é isso mesmo. Mas é bom prestar atenção no seguinte. Opinião dadas privadamente são opiniões privadas. A soma delas não perfaz a opinião pública. E a opinião pública é decisiva nos processos eleitorais. Então, estou certo de que um candidato competitivo no campo democrático é capaz de reduzir as chances de vitória de Bolsonaro. Para isso serve a campanha eleitoral. Se fosse apenas para saber o que cada um prefere e somar o resultado, não precisaria haver processo político. Bastaria fazer um censo de casa em casa. Ou contratar um bom instituto de pesquisa de opinião.”

ACRESCENTANDO AGORA

No processo político as opiniões privadas mudam. A opinião pública emerge das miríades de interações ocorridas (inclusive em função da propaganda de campanha, mas não só). Por isso há viradas eleitorais que surpreendem todo mundo. Por isso, candidatos como Russomanno saem na frente e vão caindo durante a campanha. Por isso os resultados eleitorais só podem ser previstos após a votação e as únicas pesquisas que valem mesmo (havendo liberdade para tanto, ou seja, segurança das pessoas entrevistadas de que não sofrerão retaliação pelo que disseram na pesquisa) são as de boca de urna.

Em janeiro de 1994 Lula tinha quase o dobro das intenções de voto que Bolsonaro tem hoje. E o que deu?  Em abril de 1994 as pesquisas de intenção de voto indicavam vitória de Lula (PT) com 40%, e pouco mais de 12% para Fernando Henrique. O resultado do pleito foi 54,24% para FHC (vencedor no primeiro turno) contra 27,07% de Lula. Eleição não é pesquisa de opinião.

Em setembro de 2016, Celso Russomanno tinha 26% das intenções de voto e Dória apenas 16%. O resultado do pleito foi 53,29% para Dória (vencedor no primeiro turno) enquanto que Russomanno ficou com 13,58%. Mais uma vez: eleição não é pesquisa de opinião.

Caso apareça um candidato novo, não atingido ainda por denúncias de corrupção, com potencial de crescimento, o mais provável é que Bolsonaro tenha uma performance de cavalo paraguaio, ficando atrás, inclusive, de Lula (ou de outro candidato apoiado pelo PT).

Sim, Lula e o PT ainda não estão mortos. Pelo contrário. A esquerda tem enraizamento social (plantado e cultivado durante mais de três décadas) e essa base popular é resiliente: resistiu ao escândalo do mensalão e está resistindo (parcialmente) ao escândalo do petrolão. Não, não é a maioria da população, mas conta com, pelo menos, 20% das preferências (de fato, não apenas nas pesquisas).

Bolsonaro não tem nada disso, apenas uma horda de fanáticos, que começaram a fazer política muito recentemente nas mídias sociais e nas manifestações pelo impeachment, depois de 2014. Ainda que conte com o apoio da chamada direita retrógrada (que nem conservadora é, mas retrógrada mesmo, orientada, em boa parte, por ocultistas autoritários como Olavo de Carvalho) e com a admiração de jacobinos e de um extenso contingente de moralistas e analfabetos democráticos, é improvável que essa massa despolitizada resista à campanha, se – atenção, se – surgir um candidato competitivo e não envolvido em corrupção no campo democrático, mais preparado para a disputa.

A Lava Jato, por mais importante que seja, não pode fornecer uma solução política para o Brasil. Não há solução para a política fora da política. Essa solução passará necessariamente, a despeito das pretensões dos jovens procuradores da sua força-tarefa (os nossos novos tenentes) de salvar o país da corrupção, pelas eleições de 2018.

O PT não será extinto nos próximos meses. A chamada esquerda, portanto, terá candidato (Lula ou alguém apoiado pelo PT). A chamada direita retrógrada já tem candidato (Bolsonaro). São, ambos, candidatos do campo autocrático. E são candidatos vulneráveis, seja, no caso da esquerda, pelo envolvimento com a corrupção com objetivos estratégicos, para bolivarianizar o nosso regime, seja, no caso da direita, pelo total despreparo de um capitão boçal, admirador de ditaduras, defensor da tortura e do desrespeito por direitos humanos e sociais, valores já consolidados no imaginário da sociedade civil brasileira. Quando a campanha começar, os chamados formadores de opinião farão picadinho desse candidato a ditador (que não conta, sequer, com o apoio das forças armadas, as quais permanecem fieis ao seu compromisso constitucional), se – atenção novamente, se – houver alternativa consistente no campo democrático.

O mais provável, portanto, é que Bolsonaro não passe de um cavalo paraguaio. Mas isso não quer dizer que ele não seja uma ameaça real à democracia. Mesmo que não vença o pleito, sua simples campanha fortalecerá forças obscuras e retrógradas da sociedade brasileira, ajudando a conformar uma vertente autocrática de opinião que ainda dará muito trabalho à nossa democracia. Sobretudo porque instruída, instrumentalmente, por cerca de três dezenas de intelectuais que agora estão presentes do debate público (a maioria dos quais sob a influência do malfeitor ideológico Olavo de Carvalho).

Por outro lado, mesmo derrotada, a esquerda petista e bolivarianista, também manterá mais ou menos coesa uma vertente autocrática, que continuará conspirando contra a democracia e tentando inviabilizar o novo governo saído das urnas de 2018, seja ele qual for.

A polarização entre essas duas vertentes, durante o processo eleitoral e depois dele, aprisionará o debate público no campo autocrático. A menos que surja uma forte corrente de opinião que, além de assegurar a vitória de um candidato do campo democrático, continue se manifestando publicamente em defesa da democracia a partir de 2019.

Ou seja, a democracia, mais do que nunca, está na ordem do dia no Brasil.

Deixe uma resposta

Loading…

Deixe seu comentário

O liberalismo-econômico não tem necessariamente compromisso com a democracia

Brasil Paralelo: produção de ideologia hierárquica e autocrática