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Capital social: um conceito político

O conceito de capital social, com o sentido que hoje lhe atribuímos, foi cunhado por Jane Jacobs (1961) em Morte e vida de grandes cidades. No artigo de 2001 O conceito de capital social em Jane Jacobs já expus as razões dessa atribuição de autoria. As raízes da ideia devem ser buscadas, entretanto, em Alexis de Tocqueville (1835-1840) no seu A democracia na América: Livro I e Livro II. Mostrei, também em 2001, porque se trata de um conceito político no artigo O conceito de governo civil em Alexis de Tocqueville.

Todavia, o conceito de capital social foi usado e ficou mais conhecido como uma noção metafórica, formulada em linguagem utilizada em teorias do desenvolvimento, para fazer referência a uma variável sistêmica que não é facilmente medida (ou sequer percebida) nas equações que tentam relacionar os diversos tipos de “capitais” tomados como fatores do desenvolvimento: os propriamente econômicos, como a renda e a riqueza (os capitais propriamente ditos: capital financeiro e capital físico ou empresarial) e os demais “capitais” (lato sensu) tomados como externalidades e que se referem aos fatores humanos, ambientais e sociais (como o capital humano, o chamado capital natural e, finalmente, o capital social – que seria a tal variável sistêmica, que tem a ver com os índices de confiança e cooperação presentes em uma sociedade).

No entanto, esse tipo de abordagem, que tornou-se corrente quando o assunto passou a ser considerado no âmbito das teorias do desenvolvimento (ainda sob forte viés economicista e produtivista) a partir do célebre artigo de James Coleman (1988), Social Capital in the Creation of Human Capital – e em seguida no seu tratado Foundations of Social Theory (1990) – está defasado em relação às recentes descobertas da fenomenologia da interação (sobretudo nos Highly Connected Worlds em que já vivemos no dealbar do terceiro milênio).

O ponto fundamental aqui é que – além de estarem defasadas – as noções de capital social de Coleman (1988; 1990), bem como suas adaptações, aplicações em casos concretos e inclusive as inevitáveis simplificações, como as realizadas por Robert Putnam (1993) em Making Democracy Works (para examinar as tradições cívicas na Itália moderna), não são adequadas à inferência de ações práticas que podem ser tomadas para incrementar o capital social (e, assim, não ajudam muito a formulação de estratégias baseadas no investimento em capital social).

A questão é que as estruturas sociais que se relacionam à noção de capital social – já abordadas de um novo ponto de vista no tratado de Coleman (1990) – não são nada se não foram redes (cf. FRANCO, Augusto (2009): O poder nas redes sociais). Operar sobre estruturas sociais não é possível se não se conhecer quais são as modificações que devem ser feitas nas topologias das redes (vale dizer, nos seus graus de distribuição; ou, inversamente, de centralização) e quais os fenômenos interativos implicados nessas mudanças. Todas as investigações recentes (ou seja, frutos de trabalhos realizados no presente século) sugerem que o que chamávamos de capital social se relaciona diretamente aos graus de distribuição, de conectividade e de interatividade das redes sociais. Em outras palavras, o capital social cresce com a distribuição (assim como a conectividade e a interatividade). Mas distribuição não é o mesmo que descentralização, como mostrou pioneiramente Paul Baran (1964) no famoso paper On distributed communications.

 

Descobriu-se, ademais, que a interatividade aumenta com a conectividade e que a conectividade aumenta com a distribuição. A interatividade, entretanto, revelou-se o conceito mais importante do ponto de vista do que se pode fazer para aumentar os graus de distribuição da rede (e, obviamente, de conectividade). Mas a interatividade (que não significa “quantidade” de interação e sim vulnerabilidade à interação fortuita) só pode ser modificada se conhecermos a fenomenologia da interação, vale dizer, os fenômenos interativos que ocorrem nas redes, como o clustering, o swarming, o cloning, o crunching, os múltiplos laços de retroalimentação de reforço (ou feedback positivo), o looping de recursão, a reverberação et coetera, como já tratei resumidamente em FRANCO, Augusto (2011): É o social, estúpido!

O capital social, portanto, só se torna um conceito operativo (ou seja, um conceito aplicável para realizar modificações no sentido de desencadear as mudanças sociais que interpretamos como desenvolvimento) a partir do conhecimento da fenomenologia da interação que está vindo à luz com as investigações da Nova Ciência das Redes. De nada adiantam os discursos pios sobre a necessidade de aumentar a confiança e a cooperação e, nem mesmo, as tentativas de celebrar pactos de reciprocidade (tal como o conceito de reciprocidade foi apropriado – e deformado – por teóricos que trabalham com Economics) como se costuma fazer nas iniciativas de organizar Arranjos Produtivos Locais. Se quisermos incrementar o capital social (aumentar o seu estoque ou adensar o seu fluxo) é necessário fazer coisas – até há pouco insuspeitadas – que não apareciam como relacionadas ao tema, como estimular a clusterização em torno de desejos congruentes, incentivar o cloning (ou o imitamento como processo de aprendizagem), ensejar condições para a manifestação de enxameamentos (flocking mesmo, sem coordenação centralizada) e, fundamentalmente, reduzir o tamanho social do mundo (crunching) ou diminuir os graus de separação (pela realização de atividades que proporcionem a multiplicação dos laços fracos: cf. GRANOVETTER, Mark (1973): The Strength of Weak Ties).

O QUE LER SOBRE ISSO

Toda a bibliografia essencial sobre o tema está não apenas sugerida, mas disponível para download free, nos textos linkados acima. Adicionalmente, sugere-se os seguintes textos básicos (ou introdutórios):

BARABASI, Albert (2002): Linked
WATTS, Duncan (2003): Six Degrees
CHRISTAKIS, Nicholas & FOWLER, James (2009): Connected
FRANCO, Augusto (2008): A rede
PISANI, Francis (entrevista com Fritjof Capra) (2007): Redes como padrão unificador da vida
MIEMIS, Venessa (2010): O futuro é a rede

Para estudos mais avançados convém consultar as seguintes bibliotecas autorais da Escola-de-Redes (onde os papers – em sua maioria – também estão disponíveis para download):

Biblioteca ARS (Social Network Analysis)
Albert-László Barabási
Duncan Watts
Jure Leskovec
Manuel Castells
Steven Strogatz
Fernando Vega-Redondo
Pierre Levy
Augusto de Franco

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