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Christian Lynch: A utopia reacionária do governo Bolsonaro (2018-2020)

A utopia reacionária do governo Bolsonaro (2018-2020)

Christian Lynch, Cientista político e jurista, Insight Inteligência, Edição 89 (julho de 2020)

Escrito no calor dos acontecimentos, o presente ensaio sobre o governo Bolsonaro pretende interpretar os acontecimentos recentes da história brasileira, oferecendo alguns pontos de partida para pesquisas futuras. Ele dá sequência a outro, escrito há cerca de três anos, denominado “Ascensão, fastígio e declínio da ‘Revolução Judiciarista’” (1). Procedo à análise das forças políticas em disputa, examinadas por sua caracterização ideológica. Temos em primeiro lugar o socialismo que, tendo a igualdade como valor primordial, ocupa a esquerda do espectro político, podendo ser cosmopolita ou nacionalista; em segundo lugar, o liberalismo que, tendo a liberdade como valor supremo, é cosmopolita e ocupa o centro político, podendo ser moderado ou radical; e, em terceiro lugar, o conservadorismo que, tendo a autoridade como princípio, está à direita do espectro político e pode ser culturalista, se crente na origem extra-humana da ordem que quer preservar (de tipo reacionário, na sua franja mais extrema); ou estatista, se desejoso de um progresso orientado e controlado pela autoridade. Já o neoliberalismo ou liberalismo do mercado é um híbrido de liberalismo, porque individualista, e conservadorismo, eis que crente no mercado como supremo regulador da vida coletiva (2).

Os três gêneros ideológicos, com suas respectivas espécies, não são estáticos; eles se adaptam ao longo do tempo por reciclagem sucessiva, conforme a necessidade de reagir às seguidas mudanças ocorridas nos planos sociais e econômicos, que reconfiguram o modo de organização da vida coletiva. Todos são compatíveis com o Estado de direito democrático, desde que podados de seus extremos à direita e à esquerda. Essas ideologias têm por portadores atores de diversos tipos: jornalistas, políticos, juristas, sacerdotes, militares, acadêmicos, artísticas, economistas etc. Expressam pontos de vista e interesses de grupos mais amplos: órgãos de imprensa, partidos políticos, igrejas, forças armadas, universidades ou centros de pesquisa, movimentos sociais, organizações não governamentais, think tanks, emissoras de rádio e televisão etc.

Argumento neste ensaio que a crise de legitimidade do sistema político da Nova República coincidiu com a ressurgência do conservadorismo como força política, contra o liberalismo e o socialismo que haviam prevalecido até então. Ela resultaria, nas eleições de 2018, na vitória de uma candidatura de vocação autoritária, provavelmente de um outsider. Ele poderia reinjetar legitimidade no sistema para corrigir alguns de seus gargalos, fortalecendo e moralizando o Executivo federal dentro do regime democrático. Por circunstâncias muito particulares e singulares, embora houvesse outros candidatos ao posto de “Bonaparte”, as eleições elevaram ao poder Jair Bolsonaro, o candidato mais autoritário, mas também o mais reacionário, cuja carreira política se assinalava por uma completa esterilidade para tudo o que fosse construtivo.

Semelhante à de 1964, reunindo neoliberais e conservadores, tanto estatistas quanto culturalistas, a coalizão conservadora de 2018 poderia em tese produzir reformas como aquelas empreendidas pelo governo Castelo Branco. Entretanto, elas foram inviabilizadas pelo predomínio, na direção da referida coalizão, do tipo mais reacionário dos culturalistas, a que pertencem o presidente e seus filhos. Conforme demonstra a “radiografia” do governo Bolsonaro aqui esboçada, o núcleo dirigente de radicais reacionários é formado essencialmente por rapazes destituídos de experiência política e administrativa pretérita. Movidos por um espírito neointegralista, são animados pela utopia regressiva de reviver, ainda que em barris novos, o vinho de um passado colonial do tempo dos “bandeirantes”, cuja cultura era rural, agrária, religiosa e patriarcal. Para criar ambiente difusor dessas bandeiras, promovem uma “guerra cultural” que vive de prolongar artificialmente o estado de guerra civil latente no país, ao invés de pacificá-lo.

Encarregado da formulação das diretrizes do governo Bolsonaro, o culturalismo reacionário sempre foi residual na cultura política brasileira. Sua preeminência no governo atual, inédita em nossa história, se deve ao fato singular de a ele pertencerem os filhos do próprio presidente da República. Eles reivindicam para si e seus associados a vitória eleitoral, atribuindo-a à detença de técnicas populistas de propaganda empregadas pela atual direita radical em diversos outros países, especialmente nos Estados Unidos presididos por Donald Trump. Elas não pretendem usar o prestígio de um candidato “outsider” para remediar as falhas do sistema democrático. Pretendem, ao contrário, prolongar artificialmente o mal-estar público, a fim de apresentar o chefe de Estado como seu único ator verdadeiramente representativo. Ao invés de reformar a democracia liberal, o que se deseja é erodir suas bases ideológicas de sustentação para instaurar, em meio a seus escombros, um regime de caráter autoritário e personalista.

Daí porque a racionalidade administrativa e o êxito governativo foram colocados pela presidência Bolsonaro em segundo plano, propositadamente confundida com a política proativa e desconjuntada de reformas estruturais. O impasse só pode ser resolvido, ou por uma ruptura com a democracia de 1988, tal como desejado pelo núcleo reacionário, ou pela acomodação da onda conservadora aos marcos institucionais. Descartada a primeira hipótese, que mergulharia o país numa aventura de consequências imprevisíveis, resta a segunda. Ela passaria por transferir a direção governativa para a ala militar, cujo tradicional conservadorismo estatista poderia reformar o sistema, reforçando as capacidades do Executivo federal para imprimir direção ao país.

Enquanto a crise do próprio conservadorismo hegemônico não for resolvida, a instabilidade política e a esterilidade administrativa prosseguirão, e não haverá golpe de Estado que resolva essa incompatibilidade básica na coalizão conservadora. A solução menos traumática para cortar o nó passaria por substituir Bolsonaro por seu sucessor, o general Mourão, mais equipado para dar, às forças conservadoras emergentes, uma direção mais compatível com a Constituição.

Da “revolução judiciarista” à presidência Bolsonaro: a crise do sistema representativo da Nova República

A Nova República beneficiou-se de um ciclo longo de ideologia progressista e cosmopolita. Ele se iniciou na esteira da última onda de globalização que, principiada na segunda metade da década de 1970, encontrou seu ápice por volta de 1990. Findo o regime militar, seguiu-se a reorganização do sistema constitucional e a emergência de um modelo empírico de governabilidade denominado “presidencialismo de coalizão”, que padronizou as relações entre Executivo e Legislativo (3). O equilíbrio sistêmico permitiu a sucessão de duas situações políticas estáveis, a primeira liberal – os dois governos Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) –; e a segunda, socialista ou social-democrata – os dois governos Lula e Dilma Rousseff (2002-2016) (4). Mas a degeneração qualitativa do presidencialismo de coalizão, provocada pelos escândalos de corrupção, já era considerável por volta de 2010. Ao mesmo tempo, a longa situação política socialista ou social-democrata já estava “gasta” por volta de 2012. As jornadas de 2013 foram a expressão pública da sensação generalizada de insatisfação. O potencial deletério da crise poderia ter sido atenuado pela vitória liberal nas eleições presidenciais de 2014, o que por pouco não aconteceu. A insatisfação terminou de explodir com a crise econômica, cuja existência havia sido negada pela presidente Dilma ao longo de sua campanha.

Depois de 30 anos, o conservadorismo retornou com força, potencializado por dois motivos. Em primeiro lugar, no plano externo, devido à crise da globalização e ao fim do ciclo cosmopolita no plano internacional, que começou a decair desde os ataques às Torres Gêmeas (2001) e colapsou com as crises financeiras sucessivas desde 2008. A ressaca da globalização culminou na emergência de diversos tipos de particularismo, que abriram ciclos conservadores, inclusive de tipo autoritário, em diversos países. Em segundo lugar, no plano interno brasileiro, o conservadorismo despontou como alternativa a partir da sobreposição de duas crises: a do modelo de governabilidade, aprofundada pelos sucessivos escândalos de corrupção, e a da situação social-democrata, que ganhou sobrevida formal, apesar de exaurida. Os conservadores puderam se apresentar, portanto, como uma novidade de caráter antissistema, aproveitando a crise econômica para associar a degeneração do presidencialismo de coalizão pela corrupção à longa situação da política socialista.

Formou-se assim no início de 2015 uma vasta coalizão de oposição de liberais e conservadores. Diante da incapacidade de autorreforma do sistema político, emergiu, dentro do Poder Judiciário e do Ministério Público, uma “vanguarda” de juízes federais e procuradores disposta a derrubar a situação social-democrata, aproveitando a investigação contra a corrupção. Esse “judiciarismo” de índole liberal e retórica republicana (o “lavajatismo”) se legitimou como uma forma “democrática” de regenerar a República, pela mera aplicação destemida da lei por um grupo de patrióticos operadores jurídicos. A ideologia judiciarista – versão jurídica do liberalismo político –, materializada pela Operação Lava-Jato, deslocou definitivamente as expectativas políticas para a direita. O resultado foi a mudança da situação política para liberal conservadora, operada a fórceps pelo impeachment de 2016 que, embora não tenha sido formalmente um golpe, acabou funcionando como se o fosse.

Cercado de escândalos e intensamente impopular, Michel Temer se manteve graças à sua habilidade, que lhe permitiu equilibrar-se com um apoio parlamentar de caráter nitidamente oligárquico. A acumulação de fatores adversos agravou brutalmente a sensação de ilegitimidade, renitente desde 2013. Criou-se o ambiente de terra arrasada propício ao surgimento de uma candidatura presidencial antissistema (um “Bonaparte”), bem como a expectativa de que, com a reinjeção de uma dose violenta de legitimidade, o vitorioso viesse a liderar uma reforma política e reiniciar o regime em novos padrões. Como em momentos análogos de crise aguda, entremeando denúncias de corrupção e calamidade econômica – a exemplo de 1961 e 1990 –, foram muitos os acidentes e as particularidades da eleição de 2018. Entre elas, pode-se mencionar o bloqueio ou desidratação de candidatos com discurso antissistema, mas democráticos; a candidatura frustrada de Lula de sua recusa em apoiar um candidato de outro partido; a subestimação da candidatura Bolsonaro, deixando-o livre como opção antissistema; e, por fim, o atentado por ele sofrido, episódio explorado intensamente por seus apoiadores ao longo da campanha para apresentá-lo como um mártir.

As eleições levaram assim à Presidência da República um “falso Bonaparte”, ou seja, um político profissional de extrema-direita, habituado a arrebanhar sua clientela eleitoral entre os nostálgicos da ditadura militar. Seu governo, desprovido de consciência jurídica e incompatível com a Constituição, é dirigido por reacionários radicais coordenados pelos filhos do presidente. Embora tenha passado seu primeiro ano escondendo-se por trás de uma agenda reformista, Bolsonaro não deseja reformar o regime, mas explorar o sentimento antissistema para destruí-lo. Para tanto, seus radicais promovem uma “guerra cultural” amparada em diversas técnicas do populismo conservador contemporâneo, entre as quais uma propaganda clandestina voltada para a permanente intimidação dos críticos e contra o livre funcionamento das instituições.

O advento da pandemia revelou a incapacidade administrativa e a esterilidade política do reacionarismo. Bolsonaro tentou entregar-se a generais conservadores, tanto para dotar seu governo de maior racionalidade quanto para convencê-los a embarcar na aventura de um golpe de Estado. O pragmatismo militar, porém, sempre no sentido de normalizar o governo, o obrigou a formar base parlamentar com partidos identificados com o que havia de pior no “sistema”. Para agravar o quadro, Bolsonaro rompeu com as corporações judiciárias responsáveis pela Operação Lava Jato, ao pretender estender-lhes o aparelhamento a máquina pública, a fim de proteger sua família dos crimes que lhe são imputados. A tensão entre as alas reacionária e militar, de um lado, a incorporação do “centrão” à base do governo, de outro, e a defecção da ala lavajatista, por fim, resultaram em uma crise da “revolução conservadora” iniciada em 2014-2015. Surgiram então três cenários possíveis para o deslinde da crise, desde a “venezuelização” do país, com a instauração de uma ditadura disfarçada, até a remoção de Bolsonaro da Presidência da República antes do final de seu mandato. Este artigo terminará por discuti-los.

O governo Bolsonaro em seu primeiro ano: uma radiografia

O falso Bonaparte: a ideologia reacionária e seus aliados na coalizão governista

Para compreender a presidência Bolsonaro, é preciso lembrar que não se trata de um governo normal em tempos normais. Governos normais, eleitos em tempos de rotina republicana, são ancorados em maiorias parlamentares e balizados pelas instituições e valores constitucionais. Do ponto de vista político, tendem ao centro, sejam de direita ou esquerda; do ponto de vista administrativo, eles corrigem, expandem ou melhoram o existente, a fim de se manter no poder. Para isso lançam mão dos quadros de seus partidos, que presidem e aproveitam a burocracia técnica que serve ao Estado. Governos normais são compreendidos dentro dos modelos de ciência política, no qual o mote segundo o qual “as instituições estão funcionando” não é diagnóstico, é pressuposto. Ocorre que o governo Bolsonaro não é um governo normal, nem normais são os tempos que correm. Por isso ele se nos aparece tão singular ou insólito no seu cotidiano, e sua análise exige, portanto, mais criatividade e interpretação.

Bolsonaro assume depois da depressão econômica e da terra arrasada provocada pela “Revolução Judiciarista” que, na esteira da desmoralização do sistema político, liquidou a credibilidade da Nova República. Bolsonaro encontrou as instituições frágeis, vacilantes, conflagradas por dentro, diante de uma crise econômica imensa. Por isso, ele deseja se afastar das práticas governativas anteriores, sendo desrespeitoso ou deliberadamente ignorante de suas liturgias e práticas. Nesse sentido, o presidente se pretende abertamente “revolucionário”. A situação poderia abrir espaço a um governo bonapartista, no qual um chefe carismático reunificasse a nação com um discurso de autoridade e progresso, e tentasse resolver os gargalos do regime. Mas não foi o que aconteceu. Destituído de espírito construtivo, jurídico e político, Bolsonaro é animado, ao contrário, por um espírito de “revolução reacionária”. Por isso não desejou, nem pôde adotar um figurino bonapartista. Ele não quer operar sínteses superadoras, mas destruir o presente para restaurar um passado mítico. Deseja pôr abaixo o mundo que a Constituição criou. Aqui cumpre compreender melhor o tipo de ideologia conservadora que o orienta.

O conservadorismo é uma ideologia pautada por duas características maiores: em primeiro lugar, ele sustenta o caráter extra-humano da ordem social, cujos fundamentos remontariam a Deus, à natureza, à biologia, à nação ou ao mercado, opondo-se por isso a qualquer tentativa de alterá-lo ou modificá-lo. Em segundo lugar, ele apresenta um caráter especular, adaptando-se plasticamente ao inimigo. Assim, se o inimigo for o liberalismo, ele se torna estatista; se for o socialismo, ele se torna neoliberal. Os métodos, técnicas e argumentações do adversário são absorvidos e inoculados com valores contrários. Assim, a liberdade de expressão se torna um veículo para apregoar a censura; a defesa das minorias de gênero, para defender os brancos heterossexuais. Dentro do gênero conservador, a coalizão governista de Bolsonaro é presidida pela mais reacionária espécie de culturalismo. Seu ideal é o de retornar a um estado de natureza anterior à existência do Estado nacional. A apregoada “civilização judaico-cristã ocidental”, em cujo nome seus agentes ideológicos agem politicamente, nada tem aqui a ver com o que se entende desde o século XVIII por “civilização”: ela é aqui, anti-iluminista e até antirrenascentista, rechaçando valores como pluralismo, tolerância, Estado de direito e laicidade. Ele remete ao imaginário da “república cristã” medieval, época de nobres cavaleiros que, com suas milícias de servos, deixavam suas famílias nos castelos para lutar contra os mouros.

No caso brasileiro, essa utopia regressiva remete ao imaginário da sociedade colonial do século XVII, comandadas por chefes de família patriarcais descendentes de europeus. Enquanto os senhores de engenho levantavam igrejas e protegeriam o povo, viris “bandeirantes” chefiavam milícias de mestiços em expedições pelo sertão adentro para apresar índios e buscar riquezas naturais, extraindo da exuberante natureza o máximo que podiam, sem a presença incômoda de um Estado que, de resto, não existia. Daí a atração de Bolsonaro por tudo aquilo que a sociedade brasileira herdou de pior da colonização: o culto da morte e da violência, o autoritarismo, a exploração predatória da natureza, anti-intelectualismo, o personalismo, o patrimonialismo etc. Emissário da vontade providencial do povo, ele acreditava ter chegado ao poder para restaurar a velha e boa ordem, identificada imediatamente com o regime militar. No fundo, porém, seu radicalismo reacionário, baseado em uma leitura mítica do Brasil colonial, pode ser chamado neointegralista, porque combina elementos fascistas com outros francamente retrógrados, incluindo monarquistas de pendor patrianovista (5).

Esse ideal civilizatório de inspiração medievalista encontrou expressão brasileira na obra de Olavo de Carvalho, que repudiou a Nova República desde o seu início e apresentou seus intelectuais como impostores, responsáveis pela decadência da cultura nacional (6). Os representantes do reacionarismo na administração se recomendam, portanto, como seus discípulos e buscam observar as diretrizes de seu pensamento no campo intelectual. Assim, o ex-ministro da Educação ataca as universidades e seus professores, apostando em estudos de teologia ou colégios militares. O ministro das Relações Exteriores aposta, por sua vez, em uma nova ordem mundial, que reeditará na modernidade a “república cristã” da Idade Média, cuja nova Roma seria a Washington de Donald Trump. O “nacionalismo” dos reacionários só pode ser compreendido nesse contexto de uma operação de salvamento da “civilização judaico-cristão ocidental”, protagonizada pelos Estados Unidos. Para os bolsonaristas, uma política “nacionalista” significa manifestar independência e hostilidade a respeito do “globalismo” internacionalista, subordinando-se, porém, à nova Roma americana, coadjuvando-a em suas cruzadas contra os novos mouros, especialmente os chineses.

Esse “nacionalismo colonizado” dos reacionários, bem como seu desejo de libertar a sociedade brasileira de toda a regulação estatal que supostamente a impediria de dar vazão plena à sua verdadeira natureza, que seria conservadora, apresenta estreitas afinidades com a visão de mundo da ala neoliberal que compõe à coalizão governista. O bandeirantismo sertanista de Jair Bolsonaro é avô do darwinismo social de Paulo Guedes, para quem a função principal da economia brasileira é a de abastecer o mercado das metrópoles com commodities agrícolas, tal como ocorria no século XIX. Daí o ódio comum de ambos os grupos – o dos reacionários e o dos neoliberais – pelo Estado, às suas funções reguladoras, à proteção dos trabalhadores, do patrimônio histórico, do meio ambiente, da educação e da cultura, bem como aos seus servidores públicos, atacados como uma casta de aproveitadores comunistas. Assim, enquanto o reacionário presidente da Fundação Palmares nega a existência do racismo, o neoliberal ministro do Meio Ambiente esvazia os poderes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e incentiva o avanço da “livre iniciativa” sobre as florestas da Amazônia.

Se os reacionários radicais e os liberais de mercado são os sócios hegemônicos da coalizão conservadora vitoriosa em 2018, dois eram seus sócios menores: os militares, representados pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e os liberais saídos da “revolução judiciarista” (os “lavajatistas”), identificados com o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Ofendidos pelos ataques à memória do regime militar durante a situação petista, identificada com a corrupção e pautas identitárias divisivas e exóticas, os generais que aderiram ao bolsonarismo acreditavam que, diante da anarquia reinante desde 2013, o Brasil precisaria de um “freio de arrumação”. A despeito de seu conservadorismo, a ala militar apresenta importantes diferenças em relação aos reacionários e os neoliberais. O estatismo é herdeiro do absolutismo ilustrado de Pombal e José Bonifácio, focado em construir o Estado em torno de uma burocracia orientada pelo ideal do mérito e da ciência. O conservadorismo estatista encontrou seus sucessivos avatares no “saquaremismo” do Segundo Reinado, no positivismo da Primeira República, no tenentismo da Era Vargas e no desenvolvimentismo do regime militar (7).

Quase sempre aliadas em todas essas circunstâncias, as distintas alas da coalizão no passado resolviam suas diferenças com o predomínio dos estatistas. Os culturalistas exerciam um papel subordinado de legitimação intelectual na área de educação e cultura. Hoje ocorre o oposto: é o grupo neointegralista vinculado a Olavo de Carvalho quem dá as cartas estratégicas, ao passo que os militares se limitam ao apoio tático. A ascendência dos reacionários se justifica, aos olhos do presidente, na medida em que operam a máquina de propaganda que lhe asseguraria popularidade e triunfo eleitoral. Como o núcleo é formado pelos próprios filhos de Bolsonaro, ele representa a alma do governo, impondo-se sempre que os generais tentam imprimir rumo diverso à direção do governo. Como sabem que, das outras vezes, figuraram de sócios menores no consórcio do poder, os culturalistas encaram os militares com a maior desconfiança, atacando-os sempre que ameaçados, para mantê-los em situação de subalternidade.

O mesmo ocorreu com a ala lavajatista representada por Sérgio Moro. Os “tenentes togados” haviam sido os principais agentes da “revolução judiciarista” que derrubara do poder o consórcio PT-PMDB. Ideologicamente ligados ao liberalismo de retórica republicana, de que Rui Barbosa foi o grande expoente histórico, o “judiciarismo” dos lavajatistas transfere às corporações judiciárias o papel de salvar a República da oligarquia e do autoritarismo. Uma vez que a eleição de 2018 opunha um representante da situação derrubada (Haddad) a outro, que apoiava a “luta contra a corrupção” (Bolsonaro), os “tenentes togados” embarcaram no governo, com o apoio dos novos liberais conservadores do Movimento Brasil Livre (MBL). No Ministério da Justiça, imaginavam, os “tenentes togados” dariam sequência ao seu projeto de “purgar” o Brasil da degeneração, alçando depois Sergio Moro à condições de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

O “judiciarismo” se deixou assim capturar pelo reacionarismo autoritário. Não à toa, diversos juízes perderam os escrúpulos funcionais e passaram a fazer profissão de fé bolsonarista. O ganho publicitário da adesão do lavajatismo, para Bolsonaro, foi imenso, porque pôde apresentar sua chegada ao poder como o desfecho natural da “revolução” iniciada nas jornadas de 2013 contra o “sistema”. A verdade é que, encalacrada na Justiça, a família Bolsonaro nunca teve qualquer interesse na agenda de Moro, senão explorá-la para seguir associando a corrupção à esquerda. Os liberais da imprensa tradicional, do MBL e os “tenentes togados” esquentaram a cama para que os conservadores se deitassem. Manietado, o ex-juiz seguiu como o sócio minoritário da coalizão, mantido como troféu dos reacionários de “sua” bem-sucedida caça à “corrupção esquerdista”.

Embora a coalizão formada em torno de Bolsonaro seja semelhante à de 1964, reunindo militares estatistas, neoliberais e reacionários, a correlação de forças é diferente. Se, no passado, prevalecia o conservadorismo estatista de um Golbery do Couto e Silva, a ele subordinados o culturalismo de Gilberto Freyre e Miguel Reale e o neoliberalismo de Roberto Campos e Octávio Bulhões, hoje o núcleo presidencial orbita o culturalismo reacionário de Olavo de Carvalho, aliado ao neoliberalismo de Paulo Guedes. O elemento militar não passa de um adereço encarregado de conferir ilusão de ordem aos admiradores do golpismo e de fornecer pessoal técnico obediente a um governo carente de quadros partidários devotados. Também como em 1964, a coalizão comportava inicialmente liberais responsáveis pela desmoralização final do sistema, mas que desertaram Bolsonaro diante da escalada autoritária reacionária. Se outrora foram Carlos Lacerda e outros líderes udenistas que pularam do barco, desta vez foram Sérgio Moro e os novos liberais do MBL.

A inspiração populista do modelo de governabilidade da direita radical: o “lulismo às avessas” e a “demagogia trumpista”

Duas foram as fontes que orientaram o governo de Jair Bolsonaro. A primeira, autóctone, foi a situação política petista. O paradoxo se explica pela lógica especular do conservadorismo. Bolsonaro sempre admirou o ex-presidente como liderança. Lula estruturou o maior, mais organizado e disciplinado partido do país e consolidou-se como seu líder, tornando-se maior do que ele (o “lulismo”). Passou a gozar de uma posição tão consolidada, que lhe permitia partir sempre de um piso mínimo de 30% em qualquer eleição. Aos olhos bolsonaristas, Lula teria sabido empregar a retórica radical em situações delicadas, mobilizando seus apoiadores mais aguerridos para intimidar os adversários. Diante das críticas da imprensa, o ex-presidente a ameaçava com leis de “democratização” dos meios de comunicação e dirigia verbas de publicidade para uma mídia alternativa – os chamados “blogueiros sujos”. Além de garantir sua hegemonia ideológica, o PT teria aparelhado a administração pública, distribuindo cargos a seus apaniguados acadêmicos e sindicalistas; da mesma forma, a família de Lula teria se beneficiado de seu período na Presidência. Nas eleições de 2014, o PT também foi acusado de práticas desleais de propaganda, suscitando uma acusação de fraude eleitoral que por pouco não culminou com a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Uma vez que o novo conservadorismo medrou durante a hegemonia lulista, natural que nela espelhasse seu horizonte de expectativas, a partir da leitura acima esboçada, com a diferença do sinal invertido e da radicalidade redobrada. Daí que o primeiro impulso dos reacionários tenha sido fazer um lulismo às avessas: Bolsonaro haveria de ser um Lula de direita, gozando da mesma popularidade, constituindo um partido personalista, cercado de sua família, enfrentando a mídia pela ameaça, pela demagogia e pela trapaça digital. Dispensável lembrar que Lula era um moderado que dominava a linguagem radical, ao passo que Bolsonaro era radical incapaz de dominar a arte da moderação.

A segunda fonte de inspiração para o governo Bolsonaro, exógena, foi a administração do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, reputada em modelo de populista radical. Trump explora de modo sistemático e deliberado, no plano político, o mal-estar do homem branco de classe baixa, de origem europeia, com a crise econômica e as transformações sociais da última globalização. A “decadência americana” é atribuída a uma desnaturação cultural da “América tradicional e autêntica”, provocada pelo crescente contingente hispânico e afro-americano, e pelo predomínio de um establishment “globalista” de empresários, burocratas e intelectuais progressistas. A denúncia do tamanho do Estado se funda no imaginário de uma “boa e velha América”, formada pela inciativa de bravos pioneiros em uma terra onde prevaleciam os fortes. Essa “América original” seria o bastião da “civilização judaico-cristã ocidental”, de que Trump seria o cruzado supremo contra os novos mouros: os chineses, os muçulmanos, os mexicanos, os terroristas, os progressistas.

Do ponto de vista da estratégia política, a demagogia trumpista se apresenta como uma eterna cabeça de ponte do “povo” contra o “sistema”. Os mecanismos de produção de hegemonia passam por manusear as redes sociais para criar uma sensação de proximidade entre o líder e seus seguidores, intimidar os adversários e fraudar a expressão da vontade geral. A paranoia do inimigo interno enquadra todos os críticos como traidores, depravados, esquerdistas ou corruptos. Trump recruta apoiadores entre funcionários, empresários e intelectuais ressentidos por sua exclusão dos círculos de prestígio social, com a promessa de fazer deles um “novo establishment”. Devem ser preferencialmente medíocres e servis, a fim de não se tornarem competidores do presidente. Outra técnica da demagogia trumpista passa por envolver o presidente constantemente em polêmicas violentas de caráter moral ou político, ou criar factoides que o coloquem midiaticamente como exclusivo protagonista da vida nacional. A intimidação autoritária também faz parte do arsenal de guerra, na crença de que um “presidente normal” nunca poderia fazer frente ao “poderoso sistema político” e fazer prevalecer “a vontade do povo” (8).

O modelo demagógico trumpista, replicado no Brasil pelo reacionarismo radical, adota a mesma “guerra cultural” como meio de desmoralizar o prestígio das elites políticas e culturais, promovendo a confusão, a dissonância cognitiva e a inversão informacional (9). Seu negacionismo é um derivado da crítica do Iluminismo, que revaloriza o papel da religião e o ocultismo na definição da verdade. Para enfrentar as fontes produtoras da opinião pública, responsáveis pela validação de uma visão secular e objetiva do mundo e comprometidas com os valores democráticos, o negacionismo se vale da “liberdade de expressão” para refutar a realidade apresentada pela imprensa, pela ciência e pela academia. Tudo pode ser ressignificado conforme as exigências utilitárias da “narrativa”, que não tem compromisso com a coerência e pode mudar conforme as circunstâncias. A terra pode ser plana, o nazismo pode ser de esquerda, o liberalismo pode ser compatível com a ditadura, a democracia pode ser autoritária, um conservador moderado pode ser comunista. Na impossibilidade de disputarem em igualdade de condições, por um mecanismo de inversão, os reacionários desmoralizam a credibilidade de seus opositores, tratando-os invariavelmente como desqualificados ou simples agentes ideológicos – embora sejam justamente suas narrativas as menos suscetíveis de validação científica. Jornalistas, intelectuais e cientistas passam a ser tratados como inimigos. A estratégia de intimidação se completa no limite com recurso a técnicas fascistas de intimidação, como o grito, o xingamento, a violência física.

Um governo de ruptura reacionária, carente de raízes, precisa arranjar pessoal devotado, assustar os dissidentes e destruir os concorrentes. Mas, ao contrário do PSDB e do PT, Bolsonaro assumiu sem quadros administrativos. Então foi preciso organizar esse “partido” em torno da família presidencial, aproveitando o acossamento das instituições. A fidelidade a essa camarilha foi o critério a partir do qual o presidente organizou o seu pessoal de cima para baixo. Isso explica a subordinação permanente dos militares, cuja função é a serventia do “partido familiar”. Como o prestígio da família como instituição começa com a própria, tudo é personalizado. Valores constitucionais como republicanismo e impessoalidade são banidos como espectros de um tempo subversivo (10). Mas esse movimento de cima para baixo não basta. O governo precisa ampliar seu pessoal de baixo para cima. Nesse sentido, a perseguição à imprensa e os expurgos administrativos, acompanhados pela criminalização da oposição, servem para reafirmar a autoridade do governo, advertindo os subordinados para não alimentarem veleidades críticas e incentivar os oportunistas a aderirem, especialmente os ressentidos pela falta de prestígio social. A adesão ao extremismo ideológico se torna escada para os candidatos a cargos na administração (11). Devem manifestar periodicamente adesão incondicional ao chefe do Estado, com todos os salamaleques do servilismo. O resultado administrativo não importa, desde que a “lacração” no Twitter agrade ao presidente e à ala reacionária encarregados pela “guerra cultural”.

Em síntese: deslumbrados pelo maremoto conservador operado pela via digital, cruzando as técnicas da “demagogia trumpista” e do “lulismo às avessas”, os estrategistas do presidente acreditavam que ele poderia governar apenas para o seu público. Calculavam que, explorando o ódio antissistema e fidelizando cerca de 30% do eleitorado, consolidariam Bolsonaro como uma liderança equivalente à do Lula no campo da direita. O prolongamento do clima de terra arrasada favoreceria a submissão do Legislativo e do Judiciário pela intimidação. O repúdio ao “presidencialismo de coalizão” era peça mestra da exploração do “ódio ao sistema”. Acharam que, tendo ao seu lado “o povo”, poderiam prescindir de uma coalizão partidária, emparedando a esquerda e os moderados. Dois objetivos contraditórios seriam assim conciliados: satisfazer a indisposição do presidente a transigir, de um lado, e impor a agenda radical, de outro. Nesse meio tempo, o núcleo reacionário iria aparelhando a administração e, com o tempo, usariam as prerrogativas presidenciais para ocupar cargos-chave no Ministério Público Federal, no Supremo Tribunal Federal e nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Com a retomada da economia garantida por Paulo Guedes, a estratégia bastaria para angariar moderados em número suficiente para derrotar novamente a esquerda em 2022, explorando sempre o fantasma do “comunismo corrupto”. Evidentemente, o processo não sairia de graça, porque todos os procedimentos empregados para aguentar uma situação subversiva dos valores constitucionais resultaria forçosamente em um processo de erosão democrática. Erosão necessária, todavia, para aclimatar o ideário “neointegralista” na sociedade brasileira e institucionalizá-lo em um partido personalista, dirigido pelos filhos do presidente e seus assistentes. Ele contaria, entre seus quadros, com os ministros e secretários que melhor explorassem a exposição pública obtida por meio de seus cargos junto ao eleitorado de direita, pela “lacração” (12).

Atravessaram o samba: a pandemia e suas consequências políticas

Cabeça de leão, corpo de gato: a situação do governo antes da pandemia

Um governo se faz obedecer não só pela intimidação. Ele precisa de legitimidade. Na democracia, a “legitimidade eleitoral” é o pontapé inicial. Mas há também uma “legitimidade de exercício”. O eleitor não dá carta branca para o vencedor fazer o que quiser. Ele precisa desempenhar positivamente para continuar a ser obedecido (13). Depois de um ano de governo, no entanto, já era visível o fracasso da estratégia reacionária, resultado de vários motivos, desde o aparelhamento do Estado com pessoal desqualificado e inexperiente, até a ilusão de que o populismo digital emparedaria o Congresso.

Nove foras a nomeação de um simpatizante para a Procuradoria Geral da República, um ano depois de empossado, o governo Bolsonaro, pretensamente forte e popular na retórica, só rugia como leão no próprio quintal. A recusa do presidencialismo de coalizão elevou a autonomia do Poder Legislativo a um grau jamais visto em trinta anos. As aprovações de algumas reformas dizem pouco: o Legislativo aprovou o que quis e recusou o que não quis. Desidratou o Executivo em matéria orçamentária e derrubou um sem-número de vetos presidenciais, além de tocar as próprias propostas no lugar daquelas enviadas pelo governo. Para se proteger contra as tentativas de intimidação coordenadas pela família presidencial, o Congresso instaurou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar os responsáveis pelas chamadas “fake news”. Também o Supremo Tribunal Federal reagiu, instaurando um inquérito para apurar a campanha de difamação contra a Corte.

Perdendo “legitimidade de exercício”, Bolsonaro entrou em uma espiral descendente. Por volta de fevereiro de 2020, as instituições perceberam que poderiam resgatar sua popularidade, erodida desde 2013, se verberassem contra a inépcia governamental. Na medida em que o cruzamento de incompetência, impopularidade e posição minoritária no Congresso costuma resultar em renúncia ou deposição do chefe de Estado, desde o tempo de dom Pedro I – passando por Deodoro da Fonseca, Washington Luís, Jânio Quadros, Fernando Collor e Dilma Rousseff –, Bolsonaro fez dois ajustes na condução do governo. O primeiro, no plano da demagogia patrocinada pelos reacionários, foi redobrar a radicalização como método de intimidação institucional contra o “parlamentarismo branco”. A fim de eximir o presidente dos maus resultados, o fracasso seria apresentado como fruto de uma conspiração do “sistema” contra a “vontade do povo”. Posando como vítima, o presidente apareceu na televisão chorando, gritando e dando murro na mesa. Começaram as manifestações orquestradas contra o Congresso e o Supremo Tribunal na Praça dos Três Poderes, clamando por um golpe de Estado. O presidente passou a prestigiá-las com sua presença, sempre com estudada ambiguidade a respeito das demandas golpistas (14).

Por outro lado, Bolsonaro renovou o plantel de generais no Palácio e lhes confiou a coordenação do governo. Até então em posição subalterna dentro da coalizão, os militares prometiam empregar sua experiência para conferir maior racionalidade à administração e negociar com os demais poderes. Esse foi o significado da nomeação do general Braga Netto para a Casa Civil. Na cabeça dos militares palacianos, Braga Netto seria uma espécie de Palocci, que logrou com sua habilidade tocar a política e a administração do igualmente “tosco” Lula da Silva. Isso se faria conquistando a confiança do paranoico presidente, reduzindo a influência dos neoliberais e neutralizando os reacionários, limitados à fabricação dos truques necessários à preservação da popularidade de Bolsonaro. O perigo de deposição por impeachment seria afastado pelo estabelecimento de relações “razoáveis” com o Legislativo e o Judiciário, dotando-se o governo de uma base parlamentar (15).

Com a intimidação demagógica redobrada pelos radicais, de um lado, e a “razoabilidade” política dos militares, de outro, esperava-se reequilibrar a correlação de forças. Na pior das hipóteses, o impasse tenderia a se estender indefinidamente. Embora o presidente se sentisse sitiado pelo Estado de direito, não teria força para desfazê-lo. Nem as instituições teriam força para expeli-lo como um corpo estranho. Essa situação não era má para a estratégia eleitoral dos Bolsonaro, que sempre viveram de explorar o ódio antissistêmico. A responsabilidade sempre poderia ser imputada às maquinações do “sistema” para se pedir mais quatro anos. O importante é deixar o presidente continuar a animar sua plateia de programa policial, em uma eterna luta de telecatch contra a República.

Dr. Jekyll e Mr. Hyde: os dois corpos do presidente

O drama dos Bolsonaro é que a pandemia, com suas consequências sanitárias e econômicas catastróficas, atrapalhou os planos do governo. Eles tinham diante de si a perspectiva de uma queda brutal de sua popularidade, que abriria uma janela de oportunidade para que o nó do impasse institucional fosse resolvido contra o governo, fosse por impeachment do presidente; afastamento para ser julgado por crime comum ou cassação da chapa eleitoral. Diante do corredor polonês, Bolsonaro tinha duas possibilidades: a de moderar-se e pregar a união nacional contra a pandemia, aconselhada pelos militares, ou politizar a pandemia, conforme pregava a ala radical. Homem da morte, Bolsonaro apostou na minimização da doença, empregando técnicas de diversionismo (16). Sua forma deliberadamente negligente e insensível de cuidar da pandemia enfrentou resistências dentro do próprio governo, sobretudo dentro do Ministério da Saúde (17). Daí sua reclamação incessante na famosa reunião ministerial de 22 de abril, de que a maioria dos ministros não o acompanhava na “guerra” política, ideológica e cultural (18).

Diante da resistência da ala militar e do ministro da Saúde, Bolsonaro arriscou uma atitude dúplice. Ele passou a se comportar como se tivesse dois corpos: o de Dr. Jekyll, o médico, e o de Mr. Hyde, o monstro. Dr. Jekyll é um pai de família responsável, cristão, consequente, que age como um chefe de Estado conservador, estilo Castelo Branco. Tem como ministros gente como Tarcísio, Mandetta, Guedes, Moro etc. Respeita orientações administrativas e aceita conselhos dos generais. É o presidente do militares e dos empresários. Já Mr. Hyde é o demagogo reacionário e irresponsável, que age na Presidência como um animador de auditório de programa policial. Tem como ministros gente como Araújo, Weintraub, Camargo, Alvim etc. Posta aberrações no Twitter, mente sobre o coronavírus, muda a metodologia da contagem dos mortos, distribui bananas aos jornalistas e ameaça golpear as instituições. É o presidente do gabinete do ódio e das hordas ululantes de neointegralistas domingueiros. O método dúplice permite a Bolsonaro vender a “verdade” que lhe for conveniente conforme o público e as circunstâncias. Pode se fazer sempre de coerente ou vítima de falsas notícias, que ele mesmo alimenta, com suas deliberadas contradições. Não importa o que ele efetivamente faz ou pensa. Uma seleção posterior de declarações ou gestos permite aos estrategistas elaborar uma narrativa que o apresente como coerente. Basta saber, se como Dr. Jekyll, ou como Mr. Hyde.

A defecção da ala lavajatista: a reativação do judiciarismo, o flerte com o golpismo e o esboço de um constitucionalismo autoritário

A situação da ala lavajatista sempre foi a mais desconfortável dentro da coalizão. Porque sua defesa da lei e da ordem pressupunha a autonomia das corporações judiciárias, ela nunca pôde romper os vínculos primários com o liberalismo. De fato, o judiciarismo só pode existir em um Estado de direito altamente desenvolvido. Mas, na utopia regressista do consórcio reacionário-neoliberal, não há espaço para o Estado, quanto mais de direito. A viabilização do projeto autoritário exige o desmantelamento das instituições encarregadas de defender a Constituição, intimidando seu livre funcionamento e difundindo ideias antidemocráticas. Além disso, Bolsonaro nunca quis combater a corrupção, mas apenas explorar o assunto para demonizar os setores progressistas. Na medida em que seus filhos e associados vinham sendo investigados pela polícia e pelo Ministério Público, o aparelhamento daquelas instituições se tornava indispensável. A adesão do lavajatismo ao bolsonarismo, portanto, foi um ato equivalente a de uma galinha que entrega à raposa a guarda de seus ovos. Depois que o MBL desembarcou do governo, Moro ficou como Carlos Lacerda no começo do regime militar: percebeu que sua ação política, exercida a título de salvar a República, contribuíra para destruí-la.

Ao desembarcar do governo com estrépito, Moro desacoplou sua imagem do bolsonarismo, permitindo associar o governo à corrupção e ao crime. Mais: ao defender a autonomia da Polícia Federal, Moro deu a senha para a reativação do judiciarismo, alertando para o risco que todas as corporações judiciárias corriam, caso não reagissem a tempo para salvaguardar sua independência. A reação começou pelo Supremo Tribunal, que corria o risco de se converter em uma Corte semelhante à da Venezuela chavista, isto é, uma chancelaria de ditadores (19). A elite intelectual e jurídica da República não desejava acabar como o ministro Adauto Cardoso, que em 1969 jogou sua toga no chão diante do AI-5 (20). Esse despertar das instituições, na esteira da defecção da ala responsável pela “revolução judiciarista”, se materializou na forma de ações duras contra o núcleo radical próximo do presidente. Ele foi seguido pela sociedade civil, desembocando nas primeiras manifestações de rua contra o governo.

A resposta do Palácio foi redobrar o “truque do golpe” contra o Supremo Tribunal, ressuscitando a doutrina do “cidadão fardado” para apresentar as Forças Armadas como o verdadeiro “poder moderador” ou “guardião da Constituição”. Como se sabe, o Poder Moderador era um quarto poder definido no art. 98 da Constituição do Império, sendo exercido pelo monarca para que velasse pela “manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos”. Havia na época duas interpretações sobre sua natureza: uma liberal e outra conservadora. Para os liberais, o imperador atuava apenas como árbitro do sistema em ocasiões de crise entre os poderes, devolvendo o poder último de decisão a uma sociedade brasileira já percebida como madura (“o rei reina e não governa”). Para os conservadores, porém, o imperador deveria tutelar o sistema, supondo a sociedade fraca demais para gerir-se por si mesma (“o rei reina, governa e administra”).

Embora a República tenha extinguido o quarto poder, o Supremo Tribunal e o Clube Militar vieram desde então reivindicando a herança jacente do trono imperial. A doutrina do “cidadão togado”, que encarregava os bacharéis de defender e efetivar os valores da Constituição, sucedeu a interpretação liberal do poder moderador imperial, e desde Rui Barbosa foi mobilizada, para combater as veleidades oligárquicas e autoritárias do Poder Executivo. Uma vez que o novo regime entregou ao Supremo o exercício último da jurisdição constitucional, sempre houve quem lhe atribuísse a condição de sucedâneo do Poder Moderador. Isso pareceu ainda mais claro depois de 1988, já que o art. 102 da Carta determinou competir ao STF “precipuamente, a guarda da Constituição”.

Entretanto, o prestígio gozado pelo tribunal nos últimos tempos foi comprometido por três fatores: as decisões progressistas em matéria envolvendo costumes, como aborto e casamento gay; o aval conferido aos procedimentos marotos empregados pela Lava Jato para “salvar” a República; e, por fim, a confusão entre seus poderes arbitrais e o de corte criminal de última instância. Como resultado, desde pelo menos 2015 o STF passou a ter sua imparcialidade arbitral questionada à esquerda e à direita, ambos reclamando contra o “ativismo judiciário” (21).

Contra o “ativismo judiciário” em matéria política e de costumes, juristas reacionários desenterraram a doutrina golpista do “militarismo” baseados em uma bizarra interpretação do art. 142 da Constituição. Ela legitimaria o direito que teriam os militares de intervir na política para salvar a pátria abraçada pelos interesses mesquinhos da politicagem (22). Essa doutrina do soldado como “cidadão fardado”, que legitimou o golpe republicano e todos os que se lhe seguiram, é herdeira da interpretação conservadora do poder moderador. Ela parte do pressuposto de que o estado anárquico da sociedade carece da tutela da elite patriótica e disciplinada das Forças Armadas. Uma vez ressuscitado o cadáver do militarismo, os reacionários recorreram em seguida à autoridade de Carl Schmitt, jurista que aderiu ao nazismo, para lhe fazer um acréscimo inédito (23). Passaram a sustentar que, na qualidade de comandante supremo das Forças Armadas, seria o próprio presidente da República o titular do suposto poder moderador que permitiria golpear a autoridade judiciária, a pretexto de salvar a Constituição (a chamada “intervenção militar constitucional”).

Acrescida do adendo nazifascista do presidente como “guardião da Constituição”, a doutrina do militarismo serviu a reacionários radicais para o esboço de um constitucionalismo autoritário de pretensões mais amplas. Ele deveria revestir o processo de erosão da democracia promovida pela família Bolsonaro de uma legalidade alternativa, que lhe permitira se contrapor à autoridade do Supremo Tribunal, descumprindo suas decisões. Como o bolsonarismo sabe que não pode sobreviver caso as instituições funcionem livremente, buscou por esse meio justificar sua insubmissão aos mecanismos de controle previstos na Constituição e advertir as instituições de que poderia resistir pela força à abertura do processo de impeachment deflagrado pelo Congresso Nacional ou a cassação eleitoral de sua chapa eleitoral pelo Tribunal Eleitoral.

O esboço de constitucionalismo autoritário sustenta que o intérprete supremo da Constituição não seria o Supremo, mas o próprio presidente da República, na condição de chefe supremo das Forças Armadas; que “democracia” seria o direito que teria a minoria bolsonarista de se impor à maioria na qualidade de “verdadeiro povo”; que “liberdade” seria o direito que teria o homem branco, hétero, religioso e patriarcal de garantir seu predomínio contra as pretensões igualitárias de negros, gays, ateus, crianças e mulheres; que “liberdade de expressão” seria o direito que aquele cidadão teria de suprimir os outros direitos que colidissem com os seus. Por fim, “harmonia entre os poderes” significaria impossibilidade de exercício dos mecanismos de freios e contrapesos em relação ao governante, que encarnaria a vontade do “verdadeiro povo”, assegurando imunidade para si, sua família e seus apaniguados.

Crise política e erosão democrática: cenários possíveis e suas consequências

Cenários para o desfecho da crise (1): o cenário “Hugo Chávez” dos radicais

O presidente sugere todos os domingos, diante de manifestações em manifestações em frente do palácio do governo, que conta com o apoio das Forças Armadas para desfechar um golpe militar contra os poderes instituídos (24). Trata-se de um cenário “Hugo Chávez”. O presidente conseguiria usar o Exército como guarda pretoriana para impedir o livre funcionamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. Adviria a inevitável desmoralização e na sequência o aparelhamento daquelas instituições, com o advento a médio prazo de uma ditadura de estilo chavista, com a diferença da substituição do bolivarianismo pelo neointegralismo.

Mas esse cenário não parece provável. Embora golpes sejam urdidos no segredo e desfechados de forma violenta e súbita, ameaças vêm sendo feitas quase todas as semanas desde fevereiro. Também é difícil saber até que ponto os generais palacianos podem ser considerados representativos do conjunto da força, porque escolhidos a dedo pelo presidente. O Alto Comando jamais emitiu sinais de que acompanharia o clã Bolsonaro nessa aventura. Embora um número significativo de militares seja crítico da Nova República e dos excessos do judiciarismo, as Forças Armadas sempre nutriram um fetiche legalista que só pode ter se aprofundado depois de 30 anos de democracia. Os golpistas mais notórios já estão reformados e se formaram no tempo da ditadura, ao passo que a suboficialidade e a baixa oficialidade, dita simpatizante do bolsonarismo, se formou durante a recente crise de legitimidade do regime democrático.

Outras razões indicam a inviabilidade de um golpe de Estado clássico. Nenhum dos países ocidentais que, tendo experimentado a democracia, tornaram-se autocracias no tempo recente, sofreu golpes à antiga, com prisões de líderes oposicionistas e tanques na rua. Foram chefes de governo que empregaram sua popularidade para erodir a respeitabilidade das instituições, para torná-las meras chancelarias de sua vontade. Nenhum deles, igualmente, contava com a longa tradição liberal brasileira que, a despeito das lendas relativas à sua fraqueza, tem quase duzentos anos de idade. Olhado de perto, Bolsonaro se encontra na situação inversa à dos autocratas modernos, que empregaram sua popularidade para roer as instituições: tem uma minoria de apoiadores no Congresso, a franca antipatia do Supremo Tribunal e a oposição da maioria dos governadores. Não custa lembrar que o último autogolpe organizado pelo Alto Comando em tempos democráticos ocorreu há mais de oitenta anos (1937), pois o de 1964 resultou da ação unilateral de um general (Olímpio Mourão), que gerou reações em cascata. Ademais, ele foi desfechado não a favor, mas contra o presidente. Do ponto de vista da correlação de forças, também aqui a situação atual de Bolsonaro parece mais com a de Goulart em 1964 do que com a de Vargas em 1937.

Também fala-se hoje muito da simpatia das polícias militares estaduais pelo presidente, mas ainda não há qualquer sinal de articulação entre elas, e nem espaço para levantes, que certamente seriam reprimidos pelo Alto Comando. Um dos fantasmas da memória militar é a Revolução de 1930, quando as Forças Armadas se desmancharam diante de um levante das polícias estaduais, e a Junta Militar organizada às pressas para depor Washington Luís sofreu a humilhação de não ser reconhecida por Getúlio Vargas.

Por fim, não custa perguntar o óbvio: por que as Forças Armadas bancariam um golpe para sustentar Bolsonaro? No passado, em circunstâncias assemelhadas, não bancaram Jânio Quadros. Embora possa comungar certas premissas autoritárias, é difícil crer que o grosso da oficialidade acredite que a pacificação do país possa ser efetivada por Bolsonaro. Pode-se alegar, é certo, que os militares desejam continuar fruindo de privilégios corporativos. Mas também se pode responder que o vice-presidente, sucessor constitucional de Bolsonaro, é um general reformado de quatro estrelas. Bem conservador, ainda por cima. Em suma, não parece haver incentivos suficientes para que o Exército embarque na aventura do golpe, apenas para sustentar uma família impopular, encalacrada com a Justiça, com uma base orgânica que não chega a um décimo do Congresso Nacional e que conta com a oposição de quase todos os governadores. Em tais circunstâncias, os custos de um golpe seriam incalculavelmente altos para a corporação militar, e seus resultados, imprevisíveis.

Tudo bem pesado, a ameaça de um golpe de Estado como o de 1964, ou de um novo AI-5, provavelmente não passa de um truque, destinado a excitar a base bolsonarista e intimidar os adversários; uma técnica violenta de intimidação do populismo neointegralista, que se limita a explorar o imaginário do eterno retorno do autoritarismo na cultura brasileira para evitar a deposição de Bolsonaro. A exploração da imagem do Exército o facultaria aguentar-se até o fim da pandemia, promover a recuperação da economia, ganhar de volta alguma popularidade, fortalecer a propaganda, aliciar polícias e milícias, anestesiar as resistências militares e aparelhar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. O restabelecimento da correlação de forças pela intimidação permitiria, pelo menos, a organização de uma agremiação de direita radical, devotada ao clã Bolsonaro, rivalizando com o PT à esquerda. Mas isso tudo parece improvável, tendo em vista a incompetência crônica do pessoal civil por ele recrutado.

Cenários para o desfecho da crise (2): cenário “João Figueiredo” dos conservadores estatistas

O cenário “João Figueiredo” é aquele desejado pela ala militar. Nele, não é Bolsonaro que explora os generais para seu projeto neointegralista, e, sim, estes que o exploram para o seu projeto tradicional estatista. Diante do impasse criado pela resistência do Alto Comando, do Supremo Tribunal e do Congresso Nacional às sugestões de golpe de Estado, mas da impossibilidade, na outra ponta, de deposição constitucional do presidente da República, os generais palacianos assumiriam definitivamente a gerência do condomínio oligárquico, desbancando de vez os reacionários e os neoliberais. Bolsonaro seria o demagogo de que eles necessitariam para o “freio de arrumação” de que o país estaria precisando. Ele seria um “Lula da direita”, do qual o general Braga Netto seria o Palocci.

Crendo que Mourão teria menos condições de conter as “forças anárquicas” da sociedade, os generais palacianos ainda veriam o “Lula da direita” como a melhor garantia contra o verdadeiro. Eles não descartam, claro, a opção representada pelo vice, mas a guardam para o caso de a situação de Bolsonaro se tornar insustentável. Nem por isso admitem “desordem” das ruas ou pressão de juízes “ativistas”. O carisma do capitão lhes permitiria tocar a administração, sem a usura que a ocupação direta da Presidência traria à corporação militar. Os generais palacianos instaurariam um governo de “centro-direita”, apoiado residualmente pelos radicais. Essa versão bem-sucedida do governo Figueiredo dotaria a política de maior moderação, tornaria a administração mais racional e elevaria o grau de intervenção do Estado na economia. A ordem e a unidade seriam restabelecidas, tendo o Executivo federal como eixo organizador dos poderes políticos e da federação. Seriam costurados acordos passíveis de cumprimento, através de uma base parlamentar no Congresso e uma relação respeitosa com os tribunais.

Embora esse cenário não seja impossível, não é de fácil implantação. Ao contrário de Lula, um moderado que se fazia de radical, Bolsonaro é um radical que nunca aceitou, senão taticamente, conselhos de moderação. Está habituado a operar em um ambiente de conflito e a descartar todos os colaboradores, quando perdem sua utilidade. Sempre foi fiel à orientação dos filhos e de sua equipe de marqueteiros, formada sob a direção intelectual de Olavo de Carvalho. Na medida em que é impossível governar democraticamente nos extremos todo o tempo, seja da esquerda ou da direita, a normalização da administração Bolsonaro é uma quase impossibilidade. O mais provável é que, como das outras vezes, o presidente finja aceitar a sua tutela enquanto sabota os seus intuitos, com a cumplicidade da ala radical, retomando o roteiro dos “dois corpos do presidente”. A preservação de um ambiente heterogêneo e conflituoso dentro da coalizão permite Bolsonaro jogar as alas umas contra as outras e assegurar sua liberdade de movimentos, que em geral corresponde aos imperativos estratégicos do núcleo radical. O clã presidencial engabelaria os generais até que a tempestade passasse, fazendo bom uso de seus préstimos, a fim de garantir sua incolumidade e a de seus apadrinhados. Bolsonaro então se livraria de Braga Netto, como já se livrou de Santos Cruz, buscando generais mais dóceis para prosseguir a exploração da imagem do Exército.

Ademais, na utopia reacionária de Bolsonaro, não há lugar para o Exército como corporação independente. Ele sonha com um Brasil de “povo armado”, dominado por novos “bandeirantes” que exploram a terra de modo predatório, liderados por uma oligarquia de empresários inescrupulosos. Do ponto de vista da simbologia histórica, Bolsonaro não é um militar, mas uma reencarnação de Domingos Jorge Velho, o bandeirante sertanista cujas milícias foram contratadas pelos senhores de engenho do Nordeste para arrasar o quilombo dos Palmares. Esse conservadorismo reacionário e miliciano, para quem a “liberdade americana” consiste no direito de fazer o que bem entender, se choca com o conservadorismo dos militares, que exige a ordenação do caos socioeconômico pela agência racionalizadora do Estado. Caxias é patrono do Exército e reputado “pacificador”, por ter subordinado o espírito atomista e predatório do espírito bandeirante às exigências da ordem do Estado brasileiro. Daí a tensão latente, na coalizão governamental, entre, de um lado, o radicalismo reacionário e seus aliados neoliberais, com seu ideal colonial de liberdade como predação e destruição, e de outro, a tradição militar de unidade estatal e harmonia nacional. Caso o sonho neointegralista se realizasse, as Forças Armadas deixariam de ser instituições do Estado e passariam à condição de instância coordenadora das milícias bolsonaristas. A guerra contra as instituições, patrocinada pelo Exército a mando de Bolsonaro, terminaria com a sua própria destruição.

Enfim, a tentativa de se criar o “segundo cenário” provavelmente resultará na preservação de um governo estéril, ocupado simplesmente em criar continuada polêmica para se aguentar no poder. Os Bolsonaro voltariam a erodir os pilares do Estado de direito para tentar criar mais adiante uma chavismo neointegralista, na forma de uma “democracia iliberal”.

Cenários para o desfecho da crise (3): o cenário “Fernando Collor de Mello”

Aqui o cenário é de colapso definitivo da coalizão governamental, provocada pelas diferentes estratégias e objetivos dos reacionários e dos militares, em um contexto em que a família Bolsonaro se veja cercada pela Justiça e não veja alternativa, senão resistir à queda. O objetivo primário dos neointegralistas sempre foi utilizar o governo como plataforma eleitoral privilegiada, dotada de imensa visibilidade e inesgotáveis recursos, para a aclimatação de um conjunto de ideias antiliberais na cultura política brasileira. Só essa “guerra” travada com os recursos simbólicos, financeiros e hierárquicos do Estado aceleraria a acumulação das condições necessárias à organização de um grande partido de direita radical, obtendo a clientela de empresários “alternativos” em diversos segmentos econômicos, além de pessoal próprio, testado à frente de cargos de chefia do governo. É do partido que os reacionários radicais carecem para garantir influência e poder. Tudo o que fizeram ou fazem, portanto, visa a manter mobilizada sua base eleitoral. O essencial é travar a “guerra cultural”, e jamais demonstrar disposição para a conciliação ou a transigência.

Daí que a resistência a qualquer “normalização” proposta pelos generais palacianos. A “normalização” levaria à decepção do eleitorado entretido pelas expectativas disruptivas criadas pelo populismo, e à sua captura por outra liderança. O público reacionário acredita na capacidade do líder ungido por Deus de operar o milagre nos tempos de crise existencial do povo, como Moisés quando abriu o Mar Vermelho, para o povo de Israel escapar à perseguição dos egípcios. Na política reacionária moderna, desde Donoso Cortès, o “milagre” que confirma a origem providencial do líder é sua capacidade de desfechar o golpe de Estado, seguido da instauração de uma ditadura (25). A incapacidade de Bolsonaro cumprir a promessa que salvará “seu povo” o levará a ser visto como falso profeta ou traidor. Para o núcleo reacionário radical, seria preferível que o presidente fosse apeado do poder, o que permitiria ao grupo preservar o seu curral eleitoral. A deposição sempre poderia ser atribuída à conspiração e à traição de comunistas infiltrados, mancomunados com o imperialismo chinês.

Essa situação de permanente instabilidade política e a esterilidade administrativa pode resultar na destituição de Bolsonaro. A grande ameaça por ele enfrentada reside justamente no esforço desenvolvido pelo Supremo Tribunal no sentido de desbaratar a central de produção de propaganda e intimidação montada a pedido dos filhos do presidente (o “gabinete do ódio”). O núcleo reacionário radical recorre à emissão de notícias falsas (chamada pelos bolsonaristas de “mídia alternativa”) e fomenta o cerceamento do livre funcionamento dos poderes da República, com ameaças pelas redes sociais, infladas por robôs. Enquanto seus componentes ficam associados cada vez mais ao crime, por força das seguidas buscas e apreensões e prisões de seus integrantes, os elementos probatórios ou indiciários reunidos naquele inquérito alimentarão a Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional e as ações que, no Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo ministro Luis Roberto Barroso, pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

Ao deflagrar aquela operação, a Corte máxima do país pagou para ver a carta do golpe de Estado que Bolsonaro sugeria ter desde fevereiro. E a verdade é que era um blefe. Por isso, é possível que, assim que o “truque do golpe de Estado” deixe de surtir efeito, a reação das corporações judiciárias leve a um ataque generalizado ao núcleo reacionário, incluindo prisões de seus integrantes. No Rio de Janeiro, paralelamente, há investigações em curso para desvendar o envolvimento de um dos filhos em esquemas de corrupção e vinculações com as milícias, que provavelmente atingiriam também o próprio presidente. Ainda que os generais palacianos passassem a contar com a condescendência dos juízes do Supremo, simpáticos a seus esforços de tutelar Bolsonaro e dar rumo à sua presidência, todos sabem não haver como controlar o resultado de acontecimentos provocados pela ação difusa de centenas de policiais, jornalistas, promotores, procuradores, juízes em diferentes investigações e seu impacto sobre os membros do governo, do Congresso e da sociedade como um todo, em um contexto dramático de insatisfação generalizada como o atual.

O livre funcionamento das instituições acabaria se encarregando, naturalmente, de inviabilizar o esforço dos militares, conforme a situação de Bolsonaro se degradasse em meio a incontáveis escândalos. Ao mesmo tempo, para aumentar os custos da queda dada como iminente, os radicais retomariam a tática de radicalização para recuperar parte da base eleitoral perdida. A crise final entre a ala reacionária radical e a militar teria por desenlace o abandono de Bolsonaro pelos generais palacianos, cansados de enxugar gelo. A deposição constitucional do presidente, pelo impeachment, pela cassação da chapa eleitoral ou por notícia-crime, se tornaria então possível. A essa altura já haveria manifestações de rua expressivas a pedir a saída do presidente. A resistência de Bolsonaro, por sua vez, seria provavelmente de pouca monta. Trata-se de um cenário pior do que aquele enfrentado por todos os chefes de Estado que tiveram seus mandatos precocemente encerrados, de dom Pedro I a Dilma Rousseff. Bolsonaro é minoritário no Congresso; conta com a antipatia do Supremo e a oposição dos governadores. Durante a pandemia, conseguiu perder todo o apoio que tinha entre os moderados.

Qualquer que seja o meio escolhido para o afastamento de Bolsonaro, o cenário “Fernando Collor” deve concluir por sua substituição pelo vice-presidente, o general Hamilton Mourão. A expectativa de certos setores de esquerda, de que seja possível cassar toda a chapa e convocar novas eleições, provavelmente se frustrará. O bolsonarismo pode sair do Planalto, mas a onda conservadora continuará por alguns anos, e diante do contencioso entre os militares e o Judiciário, o mais prudente será entronizar Mourão, cassando apenas a cabeça da chapa, ou por impeachment, ou afastamento do presidente por notícia-crime. A solução facilitaria também a deposição de Bolsonaro por se operar dentro do mesmo espectro político, causando muito menos traumas do que em 2016, que forçou a passagem da esquerda para a direita. Por fim, Mourão poderia atender aos anseios políticos da ala militar de um governo, orientado por um conservadorismo estatista mais tradicional, subordinando os elementos culturalistas e admitindo os moderados.

Considerado no contexto do ciclo de ascensão conservadora iniciado em 2015, a remoção do clã Bolsonaro corrigiria o desvio representado pela deformação reacionária neointegralista. Ela recolocaria o movimento no seu caminho natural, com a subida de um general capaz de tentar as reformas julgadas indispensáveis, o tal “freio de arrumação”, mas dentro da Constituição. A consumação da “revolução conservadora” em ambiente democrático, por fim, apressaria a possibilidade de seu próprio refluxo na direção do centro político nos anos vindouros. Em outras palavras, caberia a Mourão provar ser o “verdadeiro” Bonaparte da situação conservadora.

Conclusão

Na medida em que o Brasil sempre se percebeu como um país atrasado, seu conservadorismo hegemônico foi obrigado com a entabular compromissos com a modernidade, conciliando seu ideal de autoridade com o de progresso. Daí a sua vertente principal, a estatista ou reformista, identificada historicamente com José Bonifácio, Bernardo de Vasconcelos, o visconde do Uruguai e Oliveira Vianna. A criatividade também não faltou a culturalistas moderados como Jose de Alencar, Eduardo Prado e Gilberto Freyre, que foram capazes de inventar uma identidade para a sociedade brasileira. Mas o conservadorismo reacionário tem imensa dificuldade em ser produtivo, por sua insistência em rejeitar o presente em bloco e pela utopia reacionária de restauração de um passado mitificado.

Essa característica negativa é agravada quando se lhe agrega o radicalismo, que o aproxima de perigosos arranjos de tintas totalitárias – no caso brasileiro, integralista e, hoje, neointegralista –, que só produz o paradoxo de uma violenta impotência. Daí seu papel naturalmente residual na história da cultura política brasileira. Um governo liderado por radicais, por sua crônica intransigência, é de uma esterilidade incapaz de promover reforma verdadeira, quanto mais em um país que necessita urgentemente resolver os gargalos de seu sistema político, herdados de uma longeva crise de legitimidade desde 2013. A crise atual do conservadorismo só pode ser resolvida dentro da Constituição, subordinando os reacionários aos estatistas, e levando-os a transitar para formas mais aceitáveis de culturalismo. Assim como o Estado de direito democrático brasileiro comprovou há 18 anos ser capaz de comportar um governo socialista de longo fôlego, precisa provar também sua capacidade de comportar governos conservadores, que renunciem a toda e qualquer veleidade golpista ou extremista, superando o complexo difuso do “eterno retorno de 1964”.

Embora possa haver condicionamentos causados por ciclos ideológicos e pelos padrões limitados da cultura política, não existe determinismo ou fatalidade na história. É para esse desfecho, que enquadre a atual onda conservadora nos marcos da Constituição, que devem concorrer todos os cidadãos em uma ampla frente democrática que, em um ambiente de tolerância, evite o descarrilamento da vida cívica brasileira. Se 2018 foi uma espécie de golpe de 1964 decretado pelas urnas, 2020 também pode ser, a despeito de todos os seus horrores, uma primavera de 1968 sem um AI-5 no fim da rua. Um 1968 com final feliz.

O autor é professor do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)

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NOTAS DE RODAPÉ

(1) LYNCH, Christian Edward Cyril. Ascensão, fastígio e declínio da “Revolução Judiciarista”. Insight Inteligência n. 79, Rio de Janeiro, 2017. In: http://insightinteligencia.com.br/ascensao-fastigio-e-declinio-da-revolucao-judiciarista/.
(2) FREEDEN, Michael. Ideology: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2003.
(3) ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro. vol. 31, n. 1, 1988, pp. 5 a J4.
(4) FIGUEIREDO, Argelina; SANTOS, Fabiano (2015). Estudos Legislativos no Brasil. In: AVRITZER; MILANI; BRAGA. A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV.
(5) TRINDADE, Hélio. Integralismo – o Fascismo Brasileiro na Década de 30. São Paulo, Editora Difel, 1979. Sobre os pendores ideológicos do governo Bolsonaro para a extrema-direita, vide: BALLOUSSIER, Anna Virginia. Alvim é parte de um governo que flerta com ideias fascistas, diz pesquisador. São Paulo, Folha de São Paulo, 23 de janeiro de 2020. In: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/01/alvim-e-parte-de-um-governo-que-flerta-com-ideias-fascistas-diz-pesquisador.shtml. Veja-se ainda a manifestação dos chamados 300 da ativista Sarah Winter em maio de 2020 em frente ao STF, inspirado em desfiles neonazistas: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/grupo-pro-bolsonaro-protesta-em-frente-ao-stf-com-tochas-e-mascaras.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb.
(6) CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições – De Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. Rio de Janeiro, Editora Vide.
(7) LYNCH, Christian Edward Cyril. Cultura política brasileira. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 36, p. 4-19, ago. 2017.
(8) LEVITSKY, Steven & ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro, Zahar, 2018.
(9) HUNTER, James Davison. Culture Wars: The StruggleToControl The Family, Art, Education, Law, And Politics In America. 1992. HARTMANN, Andrew. A war for the soul of America. Second edition. Chicago, Chicago University Press, 2019.
(10) AMADO, Guilherme. Marido da nova presidente do IPHAN foi segurança de Bolsonaro. Rio de Janeiro, Revista Época, edição de 12 de maio de 2020. In: https://epoca.globo.com/guilherme-amado/marido-da-nova-presidente-do-iphan-foi-seguranca-de-bolsonaro-24421921?%3Futm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=post&fbclid=IwAR2o3-aHJjHW_7xVXY3JL_JwS-t6nj94Dyo5BZRS8jkAMAnrm1BRU3WR5dI.
(11) MELLO FRANCO, Bernardo. Governo não tolera críticas a Bolsonaro, diz pesquisador vetado na Casa Rui. Rio de Janeiro, Jornal O Globo, dia 26 de janeiro de 2020. In: https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/governo-nao-tolera-criticas-bolsonaro-diz-pesquisador-vetado-na-casa-rui.html.
(12) COUTO, Cláudio Gonçalves. Macarthismo administrativo: controlar até a nomeação de pessoas para cargos de funções sem teor partidário, governo aparelha a máquina pública. São Paulo, Valor Econômico, 23 de janeiro de 2020. In: https://valor.globo.com/politica/coluna/macarthismo-administrativo.ghtml.
(13) ROSANVALLON, Pierre. La légitimité démocratique. Impartialité, réflexivité, proximité, Seuil: Paris, 2008.
(14) MEYERFELD, Bruno. La guerre est déclarée entre le président Bolsonaro et le Parlement brésilien. Paris, Le Monde, edição de 29 de fevereiro de 2020. In: https://www.lemonde.fr/international/article/2020/02/29/au-bresil-la-guerre-est-declaree-entre-bolsonaro-et-le-parlement_6031292_3210.html.
(15) FERNANDES, Talitta & URIBE, Gustavo. Erros em série da ala olavista levam Bolsonaro a apostar em militares para fortalecer governo. Saída de Onyx Lorenzoni da Casa Civil deixa presidente cercado de militares no Palácio do Planalto. São Paulo, Folha de São Paulo, 15 de fevereiro de 2020. In: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/erros-em-serie-da-ala-olavista-levam-bolsonaro-a-apostar-em-militares-para-fortalecer-governo.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb.
(16) OLIVEIRA, Eliane & TRINDADE, Nara. Atrito entre Eduardo Bolsonaro e embaixador chinês sobre coronavírus preocupa governo brasileiro. Rio de Janeiro, O Globo, edição de 19 de março de 2020. In: https://oglobo.globo.com/mundo/atrito-entre-eduardo-bolsonaro-embaixador-chines-sobre-coronavirus-preocupa-governo-brasileiro24314604?utm_source=aplicativoOGlobo&utm_medium=aplicativo&utm_campaign=compartilhar
(17) CHAIB, Júlia & CARVALHO, Daniel. ‘E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?’, diz Bolsonaro sobre recorde de mortos por coronavírus. In: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-recorde-de-mortos-por-coronavirus.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb.
(18) G1. Leia a transcrição do vídeo da reunião que Moro diz provar a interferência de Bolsonaro na PF. https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/leia-integra-da-transcricao-do-video-da-reuniao-ministerial-de-22-de-abril-entre-bolsonaro-e-ministros.ghtml
(19) FIGUEIREDO, Argelina Cheibub & LIMONGI, Figueiredo. Por seu intervencionismo imoderado, STF não terá como evitar confronto com Bolsonaro. São Paulo, Folha de São Paulo, edição de 30 de abril de 2020. In: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/por-seu-intervencionismo-imoderado-stf-nao-tera-como-evitar-confronto-com-bolsonaro.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb.
(20) RECONDO, Felipe. Tanques e togas: o STF durante a ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
(21) AVRITZER, Leonardo & MARONA, Marjorie. A Tensão entre Soberania e Instituições de Controle na Democracia Brasileira. Dados [online]. 2017, vol.60, n.2, pp.359-393. NUNES, Jorge Amaury & Nóbrega, Guilherme Pupe (2017). Separação de poderes: o Judiciário fala por último? In: http://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI268246,31047-Separacao+de+Poderes+O+Judiciario+fala+por+ultimo.
(22) MARTINS, Ives Gandra. Harmonia e independência entre os poderes? Consultor Jurídico, Edição de 2 de maio de 2020. https://www.conjur.com.br/2020-mai-02/ives-gandra-harmonia-independencia-poderes
(23) SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. Belo Horizonte, Del Rey, 2001.
(24) FERNANDES, Talita & PUPO, Fábio. Bolsonaro volta a apoiar ato contra STF e Congresso e diz que Forças Armadas estão ‘ao lado do povo’. São Paulo, Folha de São Paulo, edição de 3 de maio de 2020. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/ato-pro-bolsonaro-em-brasilia-tem-carreata-e-xingamentos-a-moro-stf-e-congresso.shtml?utm_source=mail&utm_medium=social&utm_campaign=compmail
(25) Donoso Cortés, Juan. Ensayo sobre el catolicismo, el liberalismo y el socialismo[1851]. Comares, Granada, 2006. Donoso faz a transição da linhagem de reacionários tradicionais como De Bonald para o nazifascismo de Carl Schmitt, que muito o admirava, tendo-lhe dedicado diversos ensaios.

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