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Como os democratas devem apoiar a Lava Jato

O Brasil está passando por uma operação de combate à corrupção muito semelhante à operação Mãos Limpas (que ocorreu na Itália dos anos 1990). Operações como estas alteram o funcionamento institucional normal de qualquer país. E tendem a ter um desfecho frustrante (como ocorreu, aliás, com a Mani Pulite), sobretudo se os agentes da lei ou operadores da justiça, sem uma visão clara da democracia e adotando uma perspectiva moralista, se deixam pautar por objetivos políticos e passam a atuar corporativamente, distorcendo a interpretação das leis e sobrepondo-se aos poderes da República em nome da salvação nacional.

Nenhum regime aguenta viver muito tempo nesta situação, em que a política vai para as páginas policiais dos jornais e em que, rigorosamente, não há tranquilidade institucional para governar, legislar e julgar com isenção. São períodos extraordinários (que alguns chamam de revolucionários), onde destaca-se um conjunto de agentes que, animados de uma vibe justiceira, demonizam a política e passam a praticar, com o apoio da população (dos sans-culotte) uma espécie de antipolítica da pureza, como ocorreu na França com a ascensão de Maximilien Robespierre, dos jacobinos e de uma ditadura virtual imposta pelo Comitê de Salvação Pública, que estabeleceu o chamado Reino de Terror entre 1793 e 1794. Claro que tudo isso terminou tragicamente no Termidor, com a execução de Robespierre e a desgraça dos jacobinos e, depois, com a tomada do governo pelo autocrata Napoleão Bonaparte.

Ou seja, o resultado dessas cruzadas de limpeza não costuma ser muito bom do ponto de vista da democracia.

Cabe aos democratas impedir que a Lava Jato siga esse caminho e tenha um desfecho semelhante ao de outras experiências de limpeza da política. Os democratas devem apoiar, sim, a operação Lava Jato enquanto ela continuar respeitando as normas do Estado democrático de direito, mas também agir para que o resultado de todo esse esforço não acabe frustrando a população justamente indignada e enojada com a corrupção e, o que é pior, não termine entregando a chefia do Estado brasileiro nas mãos de um autocrata, seja de esquerda (como Lula ou alguém apoiado pelo PT) ou de direita (como Bolsonaro). Os democratas não podem levar o país para um encontro com o Napoleão que nos espera na próxima esquina.

Apoiar a Lava Jato, do ponto de vista da democracia, é impedir que ela tenha um desfecho semelhante ao de suas congêneres, inclusive para que ela não seja morta pelos desmandos, pelos erros, pelas violações da lei, pelos desejos de poder e pela arrogância de seus próprios promotores (como Janot e os procuradores que o apoiam).

Portanto, os democratas devem apoiar a Lava Jato se contrapondo ao jacobinismo de seus operadores, à injustiça e ao arbítrio.

CONTRA A INJUSTIÇA

Toda cruzada de limpeza da política, a pretexto de fazer justiça, provoca mais injustiça. Como todos que cometeram algum crime ou irregularidade não podem ser condenados e presos (pois, dada a generalização da corrupção endêmica, potencializada pela corrupção como método de governo introduzida pelo PT, não teríamos mais os poderes da República), alguns serão pegos (a título de exemplo) e muitos outros nem serão incomodados.

Ora, quem decide quem será punido e quem não será? As leis não são seres de vontade, mas precisam de operadores que as interpretem e apliquem. Quando quem decide quem será denunciado e quem não será é uma corporação enquistada no Estado e sem controle democrático sobre sua atuação, animada por uma pauta política (seja partidária, seja de reforma da política – não importa), então temos uma clara violação do espírito e das normas do Estado democrático de direito.

A justiça se fará seletivamente, a partir de critérios subjetivos dos seus operadores. Mas isso significa que a lei não valerá igualmente para todos e sim para todos os que foram escolhidos por alguns sujeitos para sofrer as consequências da sua aplicação. O nome disso é, rigorosamente falando, injustiça.

CONTRA O ARBÍTRIO

Para cada empresário ou político acusado, condenado ou preso, existem centenas – que cometeram crimes semelhantes ou até os mesmos crimes – não incomodados e soltos. A pergunta é: quem decide sobre quais vão cair nas garras da justiça (no máximo para servir de exemplo) e quais não vão?

Como – já vimos acima – a lei não se cumpre sozinha, alguém tem de tomar a iniciativa de aplicá-la. Se esse alguém é uma corporação que tem o poder soberano (sem qualquer controle externo democrático) de fazer tais escolhas, o nome disso é arbítrio. Ora, o arbítrio é incompatível com a democracia.

E não há saída fora da democracia. Mas a democracia é política (ex parte populis), não ação da polícia, de procuradores e juízes (ex parte principis).

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