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Defender hoje o Estado laico virou imperativo democrático, quem diria?

Quando alguns (sobretudo os analistas políticos do tipo pollyanna), acharam que Bolsonaro ia ser desasnado pela institucionalidade democrática, o capitão continua fazendo besteira: uma atrás da outra. Agora nomeou ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, a pastora Damares, aquela que declarou: “É o momento de a igreja [evangélica] governar”.

É claro que nomear uma pastora evangélica, Damares Alves, militante da cristandade, para cuidar, entre outras coisas, dos Direitos Humanos, não foi uma boa escolha de Bolsonaro. A área de Direitos Humanos foi colonizada pela esquerda, isso é fato. Mas então que se colocasse alguém mais distanciado da guerra cultural.

Ouvindo os sermões da nova ministra de Bolsonaro, pastora Damares (tem no Youtube, veja link no artigo abaixo), só podemos concluir que, mutatis mutandis (não esqueçam: mutatis mutandis), estamos no romance O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale), a obra distópica de 1985 da autora canadense Margaret Atwood que virou série de TV. Vocês não percebem os isomorfismos?

Leiam o artigo publicado hoje (07/12/2018) pelo Bernardo de Mello Franco, no jornal O Globo. Faço um comentário ao final.

O mundo da pastora que virou ministra

Bernardo Mello Franco, O Globo (07/12/2018)

A pastora Damares Alves considera que ‘as instituições piraram’ e que ‘chegou o momento’ de as igrejas evangélicas governarem o Brasil. Ela será ministra no governo Bolsonaro

A futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, pastora Damares Alves, considera que “as instituições piraram” e que “chegou o momento” de as igrejas evangélicas governarem o Brasil.

A nova integrante do governo Jair Bolsonaro expôs suas ideias a fiéis da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte. A fala foi gravada em maio de 2016 e já teve mais de 160 mil exibições no YouTube.

“As instituições piraram nesta nação. Mas há uma instituição que não pirou. E esta nação só pode contar com esta instituição agora: é a igreja de Jesus”, disse.

“Chegou a nossa hora”, prosseguiu. “É o momento de a igreja ocupar a nação. É o momento de a igreja governar. Se a gente não ocupar este espaço, Deus vai cobrar.”

Damares criticou o Supremo Tribunal Federal por discutir temas como a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. “Onze homens que não foram nem eleitos pelo povo brasileiro vão decidir se a gente libera ou não o consumo de drogas”, disse.

Ela se referiu ao debate entre os ministros da Corte como uma “palhaçada”. “Será que podemos confiar no Judiciário? Não sei mais”, afirmou.

A futura ministra descreveu o Congresso, onde trabalha ao lado do senador Magno Malta (PR-ES), como outra “instituição pirada”. Disse que as disputas na Câmara e no Senado não seriam ideológicas, entre direita e esquerda .“A luta lá é espiritual ”, teorizou.

Na sequência, ela disse que a escola deixou de ser o local apropriado para educar as crianças. “Só há um lugar seguro em que o seu filho está protegido nesta nação. É o templo, é a igreja, é ao lado do seu sacerdote”, defendeu.

A exemplo do presidente eleito, Damares revelou a intenção de banir livros didáticos que não se encaixem em sua visão de mundo. Ela disse que “as Bíblias vão ter que voltar para as escolas do Brasil ”. “O T nas escolas não é mais de tatu, é de tridente do diabo. Queiram ou não queiram os satanistas, esta é uma nação cristã”, afirmou.

No púlpito, a futura ministra indicou que seus planos ultrapassam fronteiras. “A melhor forma de a gente conquistar os muçulmanos para Jesus é mostrar que o cristianismo deu certo nesta nação”, disse.

Mais de trezentos anos depois da reinvenção da democracia pelos modernos, quem diria que ia virar imperativo democrático defender o Estado laico?

Uma amiga me disse agora no Facebook (inbox):

“Aqui em São Paulo, como no Rio, você entra no Uber e o cara te deseja A Benção”.

É Gileade puro:

“Blessed Be the Fruit” – A saudação padrão entre os moradores de Gileade. A resposta tradicional é “May the Lord open”.

“Under His Eye” – O equivalente de “Aloha” em Gileade, funciona como um oi ou um adeus.

Não é brincadeira. Chegou a hora de levar a sério o reconhecimento de padrões autocráticos.

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