in

Financiamento de campanhas: um debate no reino da hipocrisia

Não deveria haver financiamento público de campanhas partidárias. Partidos não são organizações públicas e sim privadas. Ponto.

A alegação de que se não houver financiamento estatal somente os ricos vão se eleger, é verossímil. Mas isso porque há limitação de financiamento privado.

A proibição de financiamento empresarial com o argumento de que isso seria pagamento adiantado de propina não é correta. Se fosse assim não existiria em boa parte dos países democráticos do mundo. Se todos os doadores empresariais são, em princípio, corruptores, por que também não seriam os donos de empresas que doam como pessoas físicas? Não faz sentido.

Correto teria sido aperfeiçoar a lei que autorizava o financiamento privado, individual e empresarial, não proibir este último. O STF não deveria ter se metido a legislar sobre o assunto (aliás, não deveria legislar sobre nada). As empresas poderiam doar, por exemplo, como acontece nos Estados Unidos, para fundações ou comitês, devidamente fiscalizados.

Ademais, a proibição de financiamento empresarial aumenta, em vez de diminuir, o caixa 2. Os empresários continuam de algum modo financiando seus candidatos, usando toda sorte de artifícios. Eles podem, por exemplo, estimular seus funcionários a contribuir com campanhas de uma lista de candidatos escolhidos (como fez o Veio da Havan). Eles podem dar dinheiro a candidatos de sua preferência muito antes do período eleitoral – o que não é ilegal, nem incorreto. E podem fazer mil outras coisas, corretas ou não.

E os sindicatos e associações profissionais, as igrejas e os meios de comunicação sob controle das igrejas, as diversas maçonarias e outras entidades da sociedade, religiosas ou laicas, continuam financiando seus candidatos. Para não falar do crime organizado e das milícias. Ademais, governos, dos três níveis, podem até coagir e reprimir eleitores de candidatos considerados inimigos.

O argumento de que, na época de mídias sociais, um candidato não precisa de dinheiro e pode se eleger sem programa de TV e propaganda paga, como teria feito Bolsonaro, é falso e solerte. Foi a campanha mais longa de nossa história: começou em 2014. E os gastos declarados de Bolsonaro não correspondem a uma ínfima parcela dos gastos reais com fazendas de bots, pagamento mensal de jihadistas digitais e outras coisas, feitos por empresários amigos por baixo do pano. Além disso, houve investimento pesado de corporações policiais, de juízes, de procuradores, de militares e de milicianos.

Tudo isso é uma grande hipocrisia.

Hélio Schwartsman, em artigo de hoje (21/09/2019) publicado na Folha de São Paulo, intitulado Lugar óbvio para cortar, argumenta que “campanha eleitoral é o lugar em que podemos cortar custos sem dor de consciência”. Ele está falando, é claro, do financiamento público. Apenas constata que, já que “o STF proibiu as doações empresariais para campanhas políticas, e nós, brasileiros, ainda não desenvolvemos uma cultura de dar como pessoas físicas dinheiro a candidatos, não parece haver muita alternativa que não assegurar algum tipo de financiamento público para o processo eleitoral, que, de resto, sempre ocorreu. A democracia tem custos, e a eleição é só um deles”.

Conclui então que “precisamos pôr dinheiro público nas campanhas para garantir a realização de pleitos competitivos, mas esse também é o lugar em que podemos cortar sem dor de consciência”. Isso depois de afirmar que “quer destinemos às campanhas do próximo ano R$ 4 bilhões, quer R$ 500 milhões, o mesmíssimo número de prefeitos e vereadores será eleito. Não há relação conhecida entre o volume de recursos investido e a qualidade dos políticos eleitos”.

Schwartsman não se preocupa com o que poderia acontecer se fizéssemos isso. Provavelmente, elevaríamos à alta potência os financiamentos ilegais de todo tipo. Aumentaria, sobretudo, o número de candidatos bancados por bandidos. E isso reduziria, certamente, a qualidade dos políticos eleitos. Como negar?

O pior de tudo, entretanto, é usar esse debate hipócrita para desqualificar a chamada “classe” política, que seria composta apenas por aproveitadores, ladrões do suado dinheiro de nossos impostos.

Essa gritaria é antidemocrática. Imagina que estaríamos em melhor situação se não houvesse não apenas financiamento público de campanhas (o que é indevido mesmo, mas pelas razões aqui apontadas e não pelas por eles alegadas), mas não houvesse políticos. Como se pudesse haver solução sem política e saída fora da democracia, deveríamos gastar apenas não com parlamentares e sim com chefes executivos que ditariam o que devemos ou não devemos fazer.

Ou seja, ditadura! Como se não houvesse corrupção onde só o ditador – chame-se Fidel ou Pinochet, Maduro ou Putin, Kim Jong-un ou Médici – pode roubar.

O Brasil não pode esquecer da pobreza

Tempestade perfeita: 10 fatores que, constelados, levaram à eleição de Bolsonaro