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Manual do populismo

Ele sempre existiu, mas nos últimos anos ressurgiu com uma força potencializada pela internet e pelas frustrações de sociedades angustiadas com as mudanças, a precariedade econômica e uma ameaçadora insegurança

Moisés Naím, O Estado de São Paulo, 06 Fevereiro 2017 | 03h00

O populismo não é uma ideologia. É uma estratégia para alcançar e conservar o poder. Ele sempre existiu, mas nos últimos anos ressurgiu com uma força potencializada pela internet e pelas frustrações de sociedades angustiadas com as mudanças, a precariedade econômica e uma ameaçadora insegurança sobre o que o futuro lhes reserva. Uma das surpresas do populismo é como seus ingredientes são comuns apesar de os líderes que o praticam e os países onde se impõem serem muito diferentes. O populismo hoje reina na Rússia de Vladimir Putin e nos Estados Unidos de Donald Trump, na Turquia de Recep Tayyip Erdogan e na Hungria de Viktor Orban, entre muitos outros. Em todos, observamos quatro táticas principais:

Dividir para vencer. O líder e seu governo apresentam-se como os defensores do nobre povo – do populus – maltratado e abusado pelos que o governaram. Os populistas nutrem-se do “nós contra eles”: o povo contra a casta, a elite, a oligarquia, o 1% ou, na Europa, contra “Bruxelas” e nos Estados Unidos contra “Washington”. Os populistas mais bem-sucedidos são virtuosos na arte de exacerbar as divisões e o conflito social: entre classes, raças, religiões, regiões, nacionalidades e qualquer outra brecha que possa ser ampliada e convertida em indignação e fúria política. Os populistas não temem brincar com fogo e atiçar o conflito social; ao contrário, precisam dele.

Deslegitimar e criminalizar a oposição. Exagerar a má situação do país e magnificar os problemas é indispensável. A mensagem central do populista é que tudo o que os governos anteriores fizeram é ruim, corrupto e inaceitável. O país precisa urgentemente de mudanças drásticas e o líder populista promete fazê-las. E os que se opõem a suas mudanças não são tratados como compatriotas com ideias diferentes, mas como apátridas que é preciso apagar do mapa político do país. A criminalização dos rivais políticos é uma tática comum a populistas e autocratas. Um dos slogans mais populares nos comícios da campanha de Donald Trump foi “prendam-na” referindo-se ao encarceramento de Hillary Clinton. Na Rússia, na Turquia, no Egito ou na Venezuela essas ameaças contra líderes da oposição não param nos slogans.

Denunciar a conspiração internacional. O populismo requer inimigos externos. Este é um velho truque que, infelizmente, costuma render dividendos políticos no curto prazo, embora depois acabe em tragédia. O inimigo externo pode ser um país – para o presidente Trump é a China ou o México, por exemplo – ou um grupo humano. Viktor Orban, o primeiro-ministro húngaro, disse que “os imigrantes são violadores, ladrões de empregos e um veneno para a nação” e construiu um muro para mantê-los fora. Para Vladimir Putin, os Estados Unidos estiveram por trás das “revoluções coloridas” que sacudiram a Europa oriental e chegaram às ruas de Moscou em 2011. Putin também denuncia regularmente a Otan. Muitas vezes, esses inimigos estrangeiros são apresentados como aliados da oposição doméstica. Por exemplo, o presidente da Turquia explicou que o fracassado golpe de Estado contra ele no ano passado foi uma conspiração orquestrada por Fethullah Gulen, um clérigo muçulmano radicado nos Estados Unidos que tem uma ampla base de seguidores na Turquia. De acordo com Erdogan, o golpe também contou com o apoio de militares americanos.

Quando as coisas em casa começam a ir mal para os populistas, eles costumam recorrer a – ou provocar – conflitos internacionais que sirvam de distração. Este é o grande perigo da presença de Trump como chefe supremo das Forças Armadas mais poderosas que a humanidade conheceu.

Desprestigiar jornalistas e especialistas. “Este país está farto de especialistas!”. Assim reagiu Michael Grove, um dos líderes do Brexit, ante um relatório de economistas que documentaram os custos que o Reino Unido teria com a saída da União Europeia.

Para Trump pouco importa que o aquecimento global tenha sido confirmado por milhares de cientistas. Ele sustenta que se trata de uma conspiração da China. O presidente dos EUA também acha que o autismo é causado por vacinas e não lhe importa que essa teoria seja comprovadamente falsa.

Mas o desdém que os populistas têm pela ciência, pelos dados e pelos especialistas não é nada se comparado ao desprezo que sentem pelos jornalistas. Desprezo que, em alguns países, conduz à prisão, às agressões físicas e, em certos casos, ao assassinato de jornalistas.

O fato é que tanto os cientistas quanto os jornalistas produzem dados e documentam situações que costumam contrariar a narrativa que convém aos populistas. E quando isso ocorre nada melhor do que desqualificar o mensageiro.

Nenhuma dessas táticas é nova. O surpreendente é sua popularidade num mundo onde se esperava que democracia, educação, tecnologia, comunicações e progresso social dificultariam seu êxito.

Moisés Naím é escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment em Washington

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