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Não aprenderam nada e não esqueceram nada

O PT, fundado oficialmente em fevereiro de 1982, só foi fazer seu primeiro congresso em 1991 (acho que por minha sugestão, que fui o coordenador geral do evento), em São Bernardo do Campo. Na foto que ilustra este post apareço na mesa diretora dos trabalhos, à esquerda de Lula (discursando) e, do outro lado, o falecido Gushiken.

Exatamente dois anos depois eu abandonaria o partido (as razões são conhecidas: a luta perdida contra a corrente majoritária de Lula e Dirceu, que não aceitava a democracia como um valor). Ou seja, caí fora há mais de 20 anos. Quase ninguém, na minha posição, saiu do PT por razões democráticas. Na época em que saí, fomos apenas dois; ou seja, além de mim, só outro dirigente deixou o partido: Francisco Weffort. Muito tempo depois saíram Fernando Gabeira e Eduardo Jorge, mas eles não atuavam propriamente como dirigentes partidários. E há também o caso de pessoas que saíram do PT, mas o PT não saiu delas, como Luiza Erundina e Marina Silva.

Uma das disputas acirradas que ocorreram no I Congresso foi a de se o PT deveria manter nos seus documentos o dogma da ditadura do proletariado. Nós, que defendíamos que não, que tal monstruosidade autocrática deveria ser retirada do programa partidário, vencemos a disputa, mas isso de nada valeu.

A partir de 1994 o PT, já sob o comando de Falcão e, depois, de Dirceu, começou a se preparar “profissionalmente” para tomar o poder a partir da eleição de Lula (o que só veio a acontecer em 2002), aceitando fazer qualquer coisa para alcançar tal objetivo. O resultado de tudo isso vimos depois: assassinato de Celso Daniel, escândalo Valdomiro-Dirceu, aloprados, cartões corporativos, mensalão, petrolão, assalto aos fundos de pensão e ao BNDES, aparelhamento do Estado, violações dos processos eleitorais, associação com protoditaduras e ditaduras de esquerda mundo a fora, bolivarianismo etc.

Incrível nisso tudo é constatar a incapacidade do PT de mudar. Neste momento em que escrevo (início de junho de 2017) o PT realiza o seu sexto congresso, em Brasília. Quem for hoje lá no encontro petista, perceberá que a vibe militante continua mais ou menos a mesma: o muro caiu em 1989, a União Soviética acabou em 1991, mas o PT permaneceu com a cabeça (e o que restou de coração, se é que restou alguma coisa) na década de 1980. Como disse Charles Talleyrand sobre os Bourbon: “Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada” (referindo-se à situação na França em 1814, sob o comando de Luís XVIII). Se fosse só isso, entretanto, vá-lá: seria um caso patológico de resistência à mudança.

O pior é que eles, Lula e Dirceu, que erigiram um verdadeiro partido dentro do partido, resolveram – de caso pensado – enveredar pelo crime. De sorte que o partido interno virou uma organização criminosa, estruturada, porém, para cometer crimes políticos (contra a democracia) e não apenas uma organização de políticos que se associam para cometer crimes comuns (o que também passaram a fazer; ou que, pelo menos alguns, sempre fizeram).

A degeneração foi profunda. Dirceu, o “capitão do time”, condenado a mais de 30 anos por múltiplos crimes e João Vaccari, o tesoureiro da organização criminosa, também condenado a mais de 20 anos, estão sendo reverenciados no sexto congresso do PT como heróis do povo brasileiro. Ou seja, eles não apenas transgridem as leis e violam as normas do Estado de direito, mas escarnecem abertamente da democracia. Uma organização que faz isso não pode continuar autorizada legalmente a funcionar. É o óbvio, mas quem vê o óbvio?

Algumas pessoas perguntam como eu pude ficar durante tanto tempo (os primeiros 10 anos da vida partidária) na direção formal do PT (sim, porque nunca fui da direção real, aquela que comanda de facto o PT, dirigida por Lula, Dirceu e suas turmas). Minha resposta é simples. Não saí do PT porque descobri esquemas de corrupção no partido. Nem os filiados e militantes, nem a maioria dos dirigentes formais do PT, sabiam, no início dos anos 90, de quase nada disso. Saí em razão da democracia. E, como sabemos, ninguém nasce democrata. É uma escolha. Comecei a fazer essa escolha em 1989, quando o muro de Berlim caiu. Minhas convicções se consolidaram nos anos seguintes e tornaram impossível a permanência em um partido que – após a falência do socialismo real – fugiu para trás, aprofundando suas convicções, suas formas de organização e suas dinâmicas de atuação autocráticas. Depois vimos – a partir do início do governo Lula – no que deu tudo isso.

Outras pessoas perguntam se não foi um erro ter permanecido no PT até 1993. Ocorre que fundamos o PT na época da ditadura militar (fim dos anos 70 e início da década de 80). Organizamos o PT, a CUT e, antes, várias outras organizações políticas, sindicais e sociais, legais ou clandestinas, para derrubar o regime militar. Do ponto de vista da democracia, erro maior teria sido se associar à ditadura. O que se deve perguntar é por que, até hoje, grande parte das pessoas que combatem o PT e a esquerda nunca fez uma escolha clara pela democracia. Aqui entram vários conservadores, olavistas, bolsonaristas e militaristas (além de uma massa de moralistas, instrumentalizados por eles) que lutaram pelo impeachment de Dilma, mas que não têm a democracia como referencial (e sim o anticomunismo ao estilo da guerra-fria) e que, se vitoriosos em suas campanhas, implantariam no Brasil um regime autocrático. É claro que ficar no PT depois do fim da guerra fria, não teria feito o menor sentido. O PT – quer dizer, a direção do PT – sempre foi uma organização de militantes de esquerda, ou seja, de agentes da guerra fria.

Mas ocorreu que organizou-se no interior do PT uma facção que virou uma direção informal (criminosa) dentro da direção formal (de dirigentes militantes de esquerda). Essa organização política criminosa – comandada por Lula e Dirceu – é uma direção (um corpo dirigente) que não tem mais do que algumas dezenas de pessoas (que usam as diversas camadas do partido externo, o PT, como se fosse uma cebola).

O combate contra a corrupção capitaneado pela operação Lava Jato terá imensa dificuldade, não propriamente de identificar, mas de punir essas pessoas (que compõem a verdadeira organização política criminosa). A dificuldade é que essas pessoas (que são poucas) se diluirão entre milhares de corruptos comuns (cuja investigação e punição exigiriam dez forças tarefas e mais de uma década de trabalho). Não é possível pegar todo mundo que fez caixa 2, pediu dinheiro à Odebrecht, à JBS e a outras empresas investigadas para se eleger ou simplesmente se locupletar e colocar tudo no mesmo saco. Esse é o problema. Se todos são igualmente corruptos, então esvai-se a responsabilidade dos que montaram o maior esquema criminoso de poder da história universal. A evidência incontestável é que – a despeito de todo festival de acusações, delações, investigações, julgamentos, condenações e prisões – do núcleo duro dessa organização política criminosa só uma pessoa hoje permanece presa (em regime fechado): João Vaccari.

Esperamos que Sergio Moro e a força-tarefa da Lava jato consigam entender isso

O movimento sofista 6