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Não vai ter golpe

Os petistas deveriam se inspirar em um dos princípios do Open Space. Quando uma coisa termina, ela termina. Mas qual!
 
De qualquer ponto de vista, a renitência do PT em continuar não é razoável. Mesmo que conseguisse barrar o impeachment, como iria governar?
 
Mas, ao que tudo indica, as coisas não serão assim. Pois o PT avalia que não pode, simplesmente não pode, deixar o governo.
 
Por que o PT não pode entregar os pontos? Porque Lula e outros importantes dirigentes não querem ser presos. Eles avaliam que, fora do governo, não terão influência suficiente para barrar ou ao menos retardar a enxurrada de processos que virá. Além disso, existem milhares de petistas – com empregabilidade próxima de zero – que sabem que se perderem seus empregos no governo, nas estatais e nas empresas comparsas do esquema mafioso, não vão arranjar facilmente outra colocação. A sobrevivência de pelo menos 100 mil pessoas está ameaçada. E quando isso acontece os diretamente interessados costumam ir à luta.
 
Se as avaliações estiverem corretas, o PT sofrerá processo de impeachment. Na Câmara, ao que tudo indica, é provável que perca. Vai ainda tentar segurar a votação no Senado, contando para tanto com a ajuda de Renan e apelando ao Supremo Tribunal Federal. Renan é bandido, mas não é burro. Só vai realizar tal manobra (recorrer ao STF para saber como deve ser o rito no Senado e com isso retardar a votação inicial por maioria simples, dando uma sobrevida ao PT para tentar qualquer coisa desesperada) se avaliar que poderá continuar no posto. Se concluir que isso não é seguro, que o repúdio social que sofrerá será insuportável e que ficará impossível para ele continuar vivendo no Brasil, declinará da missão suicida.
 
Mas se não for via Renan ou de alguns indicados ou aliados no STF, onde ainda tem maioria, o PT vai procurar qualquer outra saída extraordinária para não sair do governo. Simplesmente porque sabe que não pode sair ileso. E aí vale a máxima: perdido, perdido e meio.
 
Se Renan ou o Supremo não se prestarem a esse papel, o PT encontrará alguma outra via. Fala-se que no Planalto já se discute a possibilidade de decretar Estado de Defesa. É uma loucura, mas não se espere deles qualquer comportamento equilibrado a esta altura. Podem até partir para a briga de rua, como as gangues de Nova York do filme de Scorsese (2002). Tocar o terror em algumas cidades, quebrando tudo, agredindo manifestantes pacíficos pró-impeachment e colocando a culpa neles, para justificar a intervenção da Força Nacional de Segurança (criada para isto mesmo em 2004 pelo falecido Consiglieri Thomaz Bastos, sob o olhar apatetado de uma oposição inerme). Em todo caso, não é tão difícil assim chamar de volta aqueles Black Blocs que, no segundo semestre de 2013, afastaram as pessoas pacíficas das ruas prestando um inestimável serviço ao governo.
 
Ou, quem sabe, se não conseguirem “adoecer” uns 23 deputados (ou impedir de algum modo que cheguem ao Congresso), vão tentar melar a votação no domingo. Partir para a agressão de parlamentares, colocar fogo na mesa da Câmara, qualquer coisa serve para gerar tumulto que justifique uma intervenção em nome da ordem. Ou, ainda, se perderem a votação na Câmara, vão tentar cercar o Senado, sequestrar senadores… Repita-se, qualquer coisa serve!
 
Como se pode afirmar essas coisas, tão pouco razoáveis e tão pouco prováveis ao juízo de qualquer pessoa inteligente? A razão é simples e não é ocioso frisá-la mais uma vez: o PT não pode, simplesmente não pode, sair do governo.
 
Claro que a melhor saída, concluído que tudo está perdido, seria negociar com Temer um pacto. O PT não incendiaria o Brasil (é mentira que eles tenham tal capacidade, mas serve como argumento – ou blefe – para a negociação) e, em troca, o novo governo se empenharia em tentar impedir que Lula e outros dirigentes fossem presos e não despediria alguns milhares de militantes que ocupam posições-chave na máquina administrativa federal e nas estatais. Não se sabe se Temer tem condições de fazer um pacto dessa natureza. E o problema é que o PT não sabe se ele cumpriria tal pacto. Rei morto, rei posto. Sob novo governo, sempre muda tudo.
 
A situação em que se encontra o PT é a consequência natural da sua história fenotípica, da sua trajetória de adaptações sucessivas, querendo mudar o meio para não se transformar realmente. A sua constituição como corpo separado do ambiente, que usa instrumentalmente os outros entes e os parasita para os seus propósitos, levou o PT a um deficit de alostase. É um organismo social homeostático, que – como não quer mutar – encara o meio como um ambiente desfavorável ao seu desenvolvimento e, assim, tem que intervir continuamente para alterá-lo a seu favor.
 
Por isso, o nós contra eles. Por isso, o clima adversarial e a dinâmica de guerra. Por isso a construção de inimigos. Por isso as duas morais (a nossa e a deles) e a impossibilidade da ética. Por isso o exílio da verdade e a repetição ad nauseam da mentira. Por isso a infecção da militância (ou a produção de zumbis): pessoas que não foram inoculadas com o malware da visão do mundo como uma guerra entre lados, não podem ser transmissores desse comportamento político: só uma legião de agentes Smith consegue dar conta do recado.
 
Foi a isso que levou essa fusão doentia de neomaquiavelismo (praticado pelos operadores políticos, como Lula) com gramcismo (que fica por conta da ajuda dos universitários). Mutatis mutandis tudo o que está acontecendo é uma realização – adaptada às condições concretas do Brasil de 2016 – dos objetivos do Partido Interno do romance 1984 de George Orwell (1949). Em síntese: quando a utopia (já autoritária em si) é refratada pela realpolitik exacerbada, resta apenas um desiderato: o poder pelo poder.
 
A construção da narrativa do golpe deixou os petistas meio sem saída. Eles agora, para se defender do golpe imaginário, são compelidos a dar um golpe real. É improvável que consigam, mas que vão tentar, ah!, isso vão.
 
Não deixa de ser uma ironia histórica, justo para quem acredita em imanência histórica, que depois de ter construído a falsa narrativa do golpe, só tenha restado ao PT tentar dar um golpe.
 
Os democratas temos que resistir e desmontar as condições do PT de cometer mais esse atentado ao Estado de direito. E isso só poderemos fazer com as pessoas nas ruas, dizendo que… não vai ter golpe!

A crise brasileira: um resumo

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