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O combate à corrupção como antipolítica

Ministério Público investiga e oferece denúncia, sendo sempre parte em um processo. Judiciário, supostamente acima das partes, julga de acordo com as leis feitas pelos representantes eleitos. Ambos carecem de mandato popular para representar a vontade política coletiva e não podem liderar os cidadãos em movimentos políticos.

Quem quer fazer uma revolução ou um movimento para reformar o sistema político que apodreceu deve ir para a sociedade e, a partir daí, mobilizar e organizar os cidadãos, tanto para pressionar democraticamente as instituições quanto para oferecer ao eleitorado novas candidaturas. Não pode fazê-lo a partir do Estado, com estabilidade, aposentadoria especial, auxílio moradia, foro privilegiado e todos os demais privilégios corporativos, recebendo mensalmente mais de 20 salários mínimos, pagos por nós.

Aliás, um detalhe que pouca gente percebe no seu afã de condenar á fogueira a chamada “classe política”: as pessoas com foro privilegiado no Brasil não são, em sua imensa maioria, parlamentares ou governantes e sim membros do judiciário e do ministério público. Confira aqui quem tem foro privilegiado.

Era previsível que, num clima de bagunça institucional, o judiciário quisesse legislar, o ministério público quisesse julgar e que, um parlamento e um governo, desmoralizados pela corrupção e pelas cruzadas de limpeza ética, aprovassem matérias importantes e ninguém lhes desse o menor crédito (se Temer mantivesse a política econômica desastrosa de Dilma e continuasse saqueando a Petrobrás, seria a mesma coisa). O que não era previsível é que o PT continuasse com tanta influência em todos os poderes e nos grandes meios de comunicação e que as chamadas esquerda e direita se comportassem de modo tão parecido para avançar no butim.

Não critico o combate à corrupção. Critico a criação de um movimento político, sem povo – uma espécie de milícia estatal – que legitima um judiciário que legisla e um ministério público que julga, demonizando as instituições da democracia que têm mandato popular.

Não critico o combate à corrupção. Critico a confusão proposital entre a corrupção tradicional da política com a corrupção com motivos estratégicos de poder, diluindo a culpa dos que querem violar a democracia no mar de lama onde chafurdam os batedores de carteira da política.

Não critico o combate à corrupção. Critico a instrumentalização do combate à corrupção com objetivos políticos, para reformar a política de cima para baixo, a partir de corporações estatais sem mandato para tanto e desacreditando os mecanismos da democracia, sobretudo o principal deles: os parlamentos.

Parlamentos, por apodrecidos que estejam, são as instituições originárias da democracia que não podem ser violadas ou corrigidas por outros poderes estatais. Se um parlamento não é bom qual a saída da democracia? Pressioná-lo a partir da sociedade e eleger outro melhor.

Se os moralistas que hoje fazem coro nas mídias sociais pedindo punição de todos os corruptos (confundindo a corrupção endêmica com a corrupção com motivos estratégicos de poder), vivessem na Grécia do século 5 a. C., certamente prefeririam o regime de Esparta, dirigido por varões honestos, do que o regime de Atenas, onde o número de políticos corruptos – entre os hoi politeuomenoi – era muito maior.

Por isso, nós, os democratas, não nos impressionamos com o alarido da turbamulta. Entendemos a revolta das pessoas, mas não compactuamos com a instrumentalização política – feita pelos jacobinos, praticantes da antipolítica da pureza – do desejo de vingança, da vontade de revanche e do ressentimento social. Sabemos que isso leva sempre a governos mais autoritários e à sociedades menos livres e menos abertas.

Portanto, podem gritar o quanto quiserem: não nos abalamos. E podem ser maioria. A maioria das opiniões privadas da população brasileira, na primeira metade da década de 1970, também era favorável à ditadura militar. Se você não tem coragem para ser minoria, pode desistir da democracia.

Por mais apoio popular que tenha a operação Lava Jato, não adianta terceirizar as nossas responsabilidades, esperando que Moro e a força-tarefa resolvam os nossos problemas políticos (sobretudo quando alguns membros dessa força-tarefa querem fazer cruzadas de limpeza ética, praticando a antipolítica robespierriana da pureza).

Corporações enquistadas no Estado não podem reformar a política. Não há solução sem política e não há saída fora da democracia.

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