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O imperativo ético e democrático hoje

O principal imperativo ético e democrático hoje é não permitir a volta do PT ao governo. Este é o foco e o ponto crítico. Todo o resto é lateral.

Tanto o governo de transição quanto a sociedade devem ter claro que nos aproximamos perigosamente de um ponto crítico: se o PT voltar ao governo, o país mergulhará na escuridão. As consequências são imprevisíveis, mas é quase certo que haverá um processo acelerado de bolivarianização à brasileira do regime se Dilma e sua troupe voltarem ao poder reinfectando as instituições. Recidivas costumam ser piores nesses casos.

O governo Temer e as “oposições” partidárias – que renunciaram a cumprir seu papel na última década, traindo a vontade das urnas – não estão à altura do desafio. Em parte porque são analfabetas democráticas e não percebem o perigo de encarar o PT como um player válido da democracia. Em parte porque são corruptas e estão também implicadas na derrocada moral que assolou o país.

O afastamento de Dilma da presidência não desativou o PT, que continua sendo uma força autocrática estatista, politicamente organizada segundo padrões hierárquicos (centralizados), socialmente enraizada, com narrativa ideológica estruturada, com projeto de poder estrategicamente formulado, com militância mobilizada e preparada para perverter a política como guerra e que vai prosseguir tentando percorrer a via neopopulista de usar taticamente as eleições contra a democracia, para voltar ao governo e retê-lo em suas mãos por tempo suficiente para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido. A incompreensão da natureza do PT por parte dos agentes políticos contribui desastrosamente para aumentar as chances da volta do PT, seja nos próximos meses, seja nas eleições de 2018.

O PT está, neste momento, organizando uma resistência autocrática ao novo governo. Isso está sendo possível porque, nos últimos 13 anos, as oposições foram incapazes de articular uma efetiva resistência democrática à ocupação do Estado pelo lulopetismo, preferindo apostar – e perder – todas as fichas na loteria do calculismo eleitoreiro. Existe hoje uma resistência democrática no Brasil, mas ela surgiu tardiamente, à margem dos partidos e das corporações, por iniciativa da oposição popular que emergiu da sociedade e se expressou nas ruas. E não tem desaguadouro institucional: a menos que o governo de transição queira expressá-la, as tremendas energias políticas dinamizadas pelas pessoas que pediram a saída de Dilma, a prisão de Lula e a extinção do registro partidário do PT, não poderão ter um efeito reformador do velho sistema político nos marcos das instituições e seguindo as regras do Estado democrático de direito.

Por outro lado, o governo Temer precisa urgentemente entender o seu papel de governo de transição democrática. Se quiser gastar seu curtíssimo tempo e suas poucas energias endógenas para “salvar o país”, tentando fazer, em poucos meses, reformas dificílimas, que o sistema político não foi capaz de fazer em décadas, perderá a sua única chance de cumprir um papel histórico positivo. É claro que medidas urgentes, emergenciais, para recuperar a economia, devem ser tomadas. Mas abraçar o mundo com as pernas será impossível. Alem do que, Temer não tem respaldo popular para fazer tudo que lhe der na telha, sobretudo se não conseguir concretizar a única coisa que o legitima perante as ruas: impedir a volta do PT ao governo e a redução do Brasil à uma espécie de “Grande Bahia”, sob o comando do senhor feudal Lula.

O mandato constitucional de Temer (que assumiu o governo porque era o vice e só por isso) não lhe dá força nem representatividade suficientes para ficar tentando resolver os seculares problemas do Brasil. Agora a sua principal tarefa é concluir a transição para o seu governo transição, criando condições favoráveis à conclusão do processo de impeachment de Dilma. Qualquer outro tipo de medida, mesmo acertada, não vai ganhar os apoiadores de Dilma e nem angariar a simpatia da população que está contra o lulopetismo. Em primeiro lugar porque, depois de mais de uma década, voltou a haver oposição no país e essa oposição vai sabotar a aprovação e a consecução de medidas complexas, que digam respeito a reformas estruturais. Em segundo lugar porque não dá tempo!

Não dá tempo! Ou o governo Temer coloca isso na cabeça ou vai naufragar. Os milhões que saíram às ruas não esperam que o novo governo transforme o Brasil num país desenvolvido em um passe de mágica. Eles se manifestaram pelo fim do governo do PT. Eles não vão admitir a volta do PT ao governo. E nem vão admitir que o novo governo reedite certas práticas que condenavam no governo anterior, como a corrupção desenfreada à serviço da autocratização do regime.

Sim, a nova oposição popular não é tola: ela sabe que os descalabros éticos do PT eram funcionais para a implantação de um projeto político autocratizante. Ela rejeita a bolivarianização (mesmo à brasileira) do regime. Ela reprova o aparelhamento do Estado e a política externa ideológica de aproximação com ditaduras e protoditaduras. Ela abomina as autocracias cubana e venezuelana e os regimes de transição autocrática que foram implantados pelos governos da Bolívia, do Equador, da Nicarágua, de El Salvador.

Fundamentalmente, porém, a sociedade brasileira hoje apoia a operação Lava Jato e não pode aceitar que Temer mantenha em seu governo – nem por uma semana, nem por um dia, nem por uma hora – pessoas que estão sendo investigadas por ela e por outras operações congêneres. É uma tolice, na verdade, um suicídio político, nomear ou manter no governo pessoas que estão nesta situação, seja no primeiro, no segundo, ou no terceiro escalões. Se o novo governo não entender isso, com medo de perder o apoio dos partidos fisiológicos no Congresso, perderá tudo: os anéis e os dedos!

A segunda coisa que a oposição popular espera do governo Temer é que ele promova uma devassa na administração pública e nas empresas estatais, expondo claramente os crimes que o PT cometeu na última década e, simultaneamente, desaparelhe o Estado exonerando os militantes que o ocuparam. Não adianta fazer isso em doses homeopáticas, substituindo um agente Smith aqui, outro acolá, um hoje, outro amanhã. Deve ser uma operação em massa em cada pasta e em cada empresa, para ter o efeito de um choque na opinião pública. O PT não pode voltar ao governo, mas também não pode continuar infiltrado no governo.

Se quiser estabelecer laços com a oposição popular e conquistar a simpatia das ruas (sem as quais Temer não estaria onde está, de vez que não chegou à presidência interina com suas próprias pernas), o novo governo deve fazer basicamente isto: 1) apoiar a Lava Jato (por palavras e atos), 2) se desvencilhar de pessoas investigadas ou mesmo recorrentemente citadas por ela e por operações assemelhadas, 3) mostrar o que o PT fez e 4) desaparelhar o Estado.

Tudo isso Temer tem que fazer agora, não amanhã. Amanhã será tarde. Pois se não fizer isso, o novo governo não contará com o apoio da sociedade, cessará a pressão das ruas sobre as instituições (notadamente sobre o Congresso, o STF e os grandes meios de comunicação) e o PT poderá voltar ao governo a partir da generalização da compreensão de que todos são corruptos, de que tudo é farinha do mesmo saco e de que não adiantou nada trocar seis por meia-dúzia.

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