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O movimento sofista 5 (5, 6 e 7) Antífon, Trasímaco e Cálicles

Começamos a publicar os capítulos do livro de G. B. Kerferd (1980), O movimento sofista (tradução de Margarida Oliva de The Sophistic Movement, Cambridge: Cambridge University Press, 1981, publicada pelas Edições Loyola, São Paulo, 2003).

Os três primeiros capítulos estão disponíveis aqui. O quarto capítulo está disponível aqui. A primeira parte do quinto capítulo (relativa a Protágoras) está disponível aqui. O segundo, terceiro e quarto tópicos do quinto capítulo (relativos a Górgias, Pródicos e Hípias) estão disponíveis aqui. Seguem abaixo o quinto, sexto e sétimo tópicos do quinto capítulo (relativos a Antífon, Trasímaco e Cálicles.

5 – Os sofistas individualmente

(Continuação)

(5) Antífon

Antífon como pensador, não suscitou muito interesse até 1915. Houve, então, uma mudança repentina com a publicação de dois fragmentos consideráveis da sua obra Sobre a Verdade, seguidos de mais um fragmento em 1922. Com isso, ficou claro que ele foi um pensador arguto e original. Mas o efeito imediato foi o de complicar ainda mais uma difícil questão, anteriormente colocada, com uma segunda.

A primeira questão era saber se Antífon, o Sofista, devia ser identificado com o Antífon de Ramnonte que nos é conhecido, por intermédio de Tucídides, como sendo membro da oligarquia conhecida como os Quatrocentos que deteve o poder em Atenas por uns quatro meses, em 411 a. C. Com a deposição dos Quatrocentos, Antífon foi executado juntamente com Arqueptolemo. Esse Antífon era orador e foi o autor de uma coleção subsistente de exercícios de oratória conhecida como as Tetralogias, às quais se juntam três discursos forenses. Ninguém parece ter separado os dois Antífons até que o filólogo Dídimo de Alexandria, de cognome Calcênteros, no século I a. C., sugeriu que eles deviam ter sido dois por causa da diferença na forma literária, ou gênero, entre Sobre a Verdade, Sobre a Concórdia e o Politico de um lado, e os outros escritos. O resultado disso é que os estudiosos modernos se dividem em dois grupos: os que creem em um Antífon e os que creem em dois. A fragilidade do chamado argumento estilístico foi, a meu ver, adequadamente exposta por J. S. Morrison [9]. Contento-me em citar a sua conclusão: “a distinção, da qual não há nenhum traço antes de Mimo, é totalmente arbitrária e parece ter sido já rejeitada (sc. por Her-mógenes) quando as obras sobre as quais estava baseada ainda sobreviviam. As razões para mantê-la agora são inteiramente insubstanciais”.

Mas isso não põe fim à questão. Nos fragmentos conhecidos antes da descoberta dos papiros, especialmente os citados de Sobre a Concórdia, por exemplo fr. 61: “Não há nada pior para os homens do que a falta de regra. Tendo isso em mente, os homens de antigamente acostumavam seus filhos a serem governados e a fazerem o que lhes era ordenado de modo que quando se tornassem homens não ficassem confusos com a grande mudança”, parecia que tínhamos um Antífon que falava como um conservador de direita. Contudo, nos fragmentos de papiro parece que vemos um pensador que rejeita as leis em favor da natureza e que está pregando um verdadeiro igualitarismo de esquerda. Isso levou a pensar que o Antífon com estas opiniões não poderia ser o mesmo oligarca radical que era particularmente forte na sua oposição à democracia.

A questão assim formulada é de importância e interesse consideráveis. Não se levanta simplesmente como uma diferença entre os dois supostos Antífons, mas se aplica ao único Antífon que tinha sido tradicionalmente aceito como Antífon, o Sofista. E será sugerido, mais adiante, que a questão talvez não envolva uma contradição tão aguda como se supõe, e que, de qualquer forma, ela surge fundamentalmente da tentativa de estabelecer duas categorias artificiais e estereotipadas, mutuamente exclusivas, as do pensador de esquerda e do pensador de direita. De qualquer modo, será conveniente tratar a questão como interna à interpretação de Antífon, o Sofista, visto que, mesmo que houvesse dois Antífon seria o primeiro o de maior importância para a história do pensamento político.

Finalmente, deve-se dizer que, um ou dois, ambos viveram na mesma época — nascidos talvez por volta de 470 e falecidos em 411, num caso com certeza, no outro, não muito depois, uma vez que o sofista era considerado contemporâneo de Sócrates e Protágoras. Além de Sobre a Verdade, em dois volumes, e Sobre a Concórdia, ainda atribuídos a ele, havia um Político e uma obra Sobre a interpretação dos sonhos. Vários fragmentos mostram que ele estava interessado no problema da quadratura do círculo pelo método da exaustão (DK 87B13) e também em problemas físicos e astronômicos (B8, 26, 28, 32). A Antífon de Ramnonte eram atribuídos manuais de retórica, talvez em três volumes, uma Invectiva contra Alcibíades, a composição de tragédias e uma curiosa Arte de evitar sofrimento (Technê Alupias). Consta que, paralelo ao tratamento dado pelos médicos aos doentes, ele teria estabelecido um tipo de consultório ou serviço de atendimento do estilo samaritano moderno, numa sala perto da praça do mercado em Corinto, anunciando-se capaz de tratar os que estavam sofrendo, fazendo-lhes perguntas e descobrindo as causas e, desta forma, encorajando com suas palavras os que estavam aflitos. Não sabemos que palavras eram usadas. Mas no Corpus Hipocrático a ansiedade é reconhecida como um estado patológico (De Morbis 2.72). Eurípides, num fragmento (964N2), faz um personagem dizer que aprendera com um sábio a contemplar de antemão as desgraças, tais como mortes extemporâneas, a fim de que não cheguem inesperadamente quando chegarem. A mesma coisa é citada como um preceito pitagórico, muito mais tarde, por Jâmblico (DK 58D6) e pode bem ter feito parte da terapia psicológica oferecida por Antífon. O interesse por problemas psicológicos é sugerido por sua obra sobre a interpretação de sonhos. Contrário à opinião segundo a qual os sonhos têm origem na percepção direta, como sustentavam os atomistas, ou têm um valor de predição direto e natural, ele seguiu a via mais tarde rotulada de divinatio artificiosa (DK 87B79). Nessa visão, os sonhos eram sinais que requeriam interpretação, não uma aplicação literal, e de fato muitas vezes poderiam significar o oposto do que pareciam dizer [10]. Essa racionalização dos sonhos era, sem dúvida, parte do movimento contra a superstição que, vimos, estava associado ao círculo de Péricles.

(6) Trasímaco

Trasímaco de Calcedônia, na Bitínia, tornou-se famoso para nós por um único motivo, seu encontro com Sócrates, no primeiro livro da República de Platão. Ele era muito conhecido como orador e mestre de retórica em Atenas, em 427 a. C., e fez um discurso A favor do povo de Larisa que deve ser posterior a 413 a. C. Fora isso, nada se sabe sobre a sua vida. Vários exercícios e tratados retóricos lhe são creditados, e sabemos, pela República, que ele viajou muito e recebeu honorários.

(7) Cálicles

Conhecemos um pouco Trasímaco por outras fontes além de Platão, ao passo que nada sabemos de Cálicles fora do vívido retrato dele no Górgias de Platão. Em conseqüência disso, sua existência como pessoa real foi posta em dúvida por Grote e alguns outros especialistas, embora a maioria esteja pronta a aceitá-lo como uma figura histórica. Segundo Platão, ele veio do demo de Acarnânia, na Ática, e é em sua casa que seu amigo Górgias está hospedado ao se iniciar o diálogo de Platão (447b2-8). Sócrates diz dele (520a1-b2) que prefere retórica a ensinar virtude aos jovens, e noutra parte, numa famosa passagem (484c4-486d1), que era desdenhoso da filosofia quando adotada como uma ocupação adulta. Mas ele sustenta suas preferências pela vida de ação bem-sucedida, com argumentos de modo geral comparáveis aos de Trasímaco, e isso faz dele, indiscutivelmente, uma importante figura na história do movimento sofista.

Notas e referências

[9] Ver seu sumário em R. K. SPRAGUE, The Older Sophists, Columbia S.C., 1972, 109-11

[10] Sobre esse assunto ver E. R. DODDS, The Greeks and the Irrational, Berkeley, 1951, 117-21, com referências.

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