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O movimento sofista 5 (8, 9, 10 e 11) Crítias, Eutidemo e Dionisodoro, o Dissoi Logoi e o Anônimo Jâmblico

Começamos a publicar os capítulos do livro de G. B. Kerferd (1980), O movimento sofista (tradução de Margarida Oliva de The Sophistic Movement, Cambridge: Cambridge University Press, 1981, publicada pelas Edições Loyola, São Paulo, 2003).

Os três primeiros capítulos estão disponíveis aqui. O quarto capítulo está disponível aqui. A primeira parte do quinto capítulo (relativa a Protágoras) está disponível aqui. O segundo, terceiro e quarto tópicos do quinto capítulo (relativos a Górgias, Pródicos e Hípias) estão disponíveis aqui. O quinto, sexto e sétimo tópicos do quinto capítulo (relativos a Antífon, Trasímaco e Cálicles) estão disponíveis aqui. Seguem abaixo o oitavo, nono, décimo e décimo-primeiro tópicos do quinto capítulo (relativos a Crítias, Eutidemo e Dionisodoro, o Dissoi Logoi e o Anônimo Jâmblico).

5 – Os sofistas individualmente

(Continuação)

(8) Crítias

Crítias era primo da mãe de Platão, e um implacável adversário da democracia em Atenas. Depois do fim da Guerra do Peloponeso, em 404 a. C., foi eleito para a comissão dos Trinta, familiarmente conhecida como os Trinta tiranos. Foi pessoalmente responsável pela morte de Teramenes, e ele mesmo foi morto na guerra civil de 403 a. C. Não foi pago para ensinar, nem ensinou; ficou, antes, à margem dos classificados como filósofos, segundo um comentador anônimo (DK 88A3). Mas escreveu, e foi mencionado como presente na reunião de sofistas na casa de Cálias, que serve de cenário para o diálogo Protágoras de Platão. Em certo sentido, foi aluno de Sócrates e de outros sofistas, mais do que propriamente um sofista. Mas foi incluído por Filóstrato no Vidas dos sofistas. Talvez fosse por essa razão que foi incluído por Diels em seu Fragmente der Vorsokratiker quando outros, com maior direito, foram excluídos. Desde então ele tem sido sempre discutido como parte do movimento sofista. Talvez agora seja tarde demais para que isso seja facilmente alterado.

Escreveu muito, tanto em prosa como em verso. Este último incluía elegias políticas e hexâmetros sobre temas politicos e literários. Mas seu interesse pela história dos sofistas está realmente restrito ao conteúdo de três peças satíricas: Tenes, Radamantis, Piritos e Sísifo, principalmente desta última. Todas foram geralmente atribuídas a Eurípides, na Antiguidade, mas uma Vida de Eurípides, de autor anônimo, diz que as três primeiras são espúrias (DK 88B10). E Ateneu diz do Finitos: “quer seja de Crítias ou de Eurípides”. O fragmento de Sísifo (Dk 88B25) é atribuído a Crítias por Sexto Empírico e a Eurípides por Aécio. Wilamowitz-Moellendorff investiu o peso de sua grande autoridade na opinião segundo a qual nenhuma delas era de Eurípides, mas está começando a parecer que ele estaria provavelmente errado [11]. O fragmento de Sísifo dá uma explicação naturalista das origens da religião que é de considerável interesse e de inspiração certamente sofista. Mas se não for da autoria de Crítias, não sobra muita coisa para justificar a sua classificação entre os sofistas.

(9) Eutidemo e Dionisodoro

Se Crítias talvez devesse ser excluído de uma lista padrão de sofistas, há duas outras pessoas que certamente deveriam ser incluídas [12]. São eles dois irmãos, Eutidemo e Dionisodoro, nativos de Quios, que se uniram à colônia de Turói, mas depois foram para o exílio, passando o seu tempo como sofistas no continente, na Grécia. No diálogo Eutidemo de Platão eles são apresentados como tendo chegado recentemente a Atenas como mestres profissionais de sabedoria e virtude. Sócrates os encontrou perambulando com um grande número de estudantes — já tinha se encontrado com eles em outras ocasiões antes desta— e assim a cena está armada para o diálogo que se segue. A data encenada não é clara, mas pode ter sido por volta de 420 a. C., ou mais tarde, porque Sócrates já é um homem idoso. Que ambos, Eutidemo e Dionisodoro, eram pessoas reais está bem atestado por referências a eles feitas por Xenofonte e Aristóteles. E sabemos, através de Crátilo, 386d3-7, que Eutidemo discordava de Protágoras na aplicação da doutrina do Homem-medida. O testemunho de Aristóteles sugere que ele tinha diante de si um escrito de Eutidemo contendo argumentos sofísticos que não se encontram no diálogo de Platão.

(10) O Dissoi Logoi

O Dissoi Logoi é um texto anônimo encontrado no fim dos manuscritos de Sexto Empírico. Escrito num tipo de dialeto clórico, começa com as palavras: “duplos argumentos são enunciados na Grécia por aqueles que filosofam, concernentes ao bom e ao mau”, e o título moderno é simplesmente tirado das primeiras palavras iniciais. Foi composto no final da Guerra do Peloponeso. A inferência de que deve ter sido escrito logo depois do seu término baseia-se meramente na incompreensão do que é dito em I, 8, onde as palavras “os acontecimentos recentes primeiro” simplesmente significam que ele se inicia com a Guerra do Peloponeso, indo de volta ao passado para as primeiras guerras. A natureza da obra é curiosa, e há quem pense que represente as anotações de um prelecionador ou, possivelmente, notas tomadas por um ouvinte. Sua estrutura básica consiste claramente em colocar lado a lado argumentos opostos a respeito da identidade, ou não-identidade, de termos morais ou filosóficos aparentemente opostos, como bom e mau, verdadeiro e falso. Como isso é uma aplicação do método de Protágoras, leva a pensar que esteja baseado no Antilogiai daquele sofista. Mas essa conclusão não é válida, porque — como será argumentado neste livro — o método de Sócrates era de fato o método do movimento sofista todo. Nem se pode atribuir o texto a qual¬quer determinada fonte de inspiração.

(11) O Anônimo Jâmblico

Sabe-se que o Protrepticus de Jâmblico contém muito material tirado, palavra por palavra, de autores mais antigos. Contém uma considerável porção do Protrepticus de Aristóteles, que se perdeu, e em 1889 Friedrich Blass demonstrou que umas dez páginas do texto grego impresso, de Jâmblico, foram tiradas virtualmente de um escrito, de outra forma desconhecido, do século V ou do século IV a. C. Que ele envolve discussão de um tema sofista, hoje se aceita sem discussão, visto que defende a causa do nomos, ou lei convencional, e moralidade, contra os que pretendiam depor nomos em favor da natureza. Mas todas as propostas de o atribuir a um determinado autor conhecido, ou mesmo à sua escola, têm fracassado por falta de qualquer tipo de testemunho sólido. A tentativa de identificar uma outra “peça” sofista em defesa de nomos tem, contudo, sido menos bem-sucedida do que a hipótese de Blass. Em 1924, Pohlenz afirmava que três seções distintas no Discurso contra Aristogiton, encontradas nos manuscritos de Demóstenes (Or. XXV), a saber, os parárafos 15-35, 85-91 e 93-96, constituíam o que ele chamou de um tratado anônimo, Peri Nomõn, ou Sobre as leis. Sua afirmação foi bem aceita e o texto foi acrescentado ao material disponível para o estudo dos sofistas. Em 1956, contudo, Gigante [13] contestou, com êxito, a existência de qualquer tratado distinto e agora parece que o próprio Peri Nomõn não passa de uma invenção de Pohlenz. Mas Gigante nunca negou que o discurso, que é de data provavelmente muito tardia para ter sido escrito por Demóstenes, de fato contenha considerável material “socrático” e “platônico”; como tal, ele pode certamente ser usado como fonte de informações para o debate nomos-physis. Na verdade, ele pode indicar o caminho para uma conclusão de grande valor, a saber, que havia amplos debates e argumentos, sobre a maior parte das questões levantadas pelos sofistas, que continuaram muito depois do fim do século V a. C.

Notas e referências

[11] Sobre a opinião segundo a qual o Piritos foi escrito por Eurípides, ver KUIPER, De Pirithoo Fabula Euripidea, Mnemosyne 35 (1907) 354¬85, e D. L. PAGE, Greek Literary Papyri I, Londres, 1942, 120-2; sobre a atribuição do Sísifo a ele, ver DIHLE, Das Satyrspiel Sysiphus’, Hermes 105 (1977) 28-42.

[12] Assim diz, com razão, R. K. SPRAGUE, The older Sophists, Columbia S.C., 1972, 294-301; o testemunho importante é dado em tradução.

[13] Em seu Nomos Basileus, Nápoles, 1956, 268-92.

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