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O voto dos democratas em João Amoedo

Por que – e em que condições – os democratas devem apoiar o candidato Amoedo

Segundo o Estadão de hoje (28/08/2018), Amoedo teria declarado o seguinte:

“Buscamos o eleitor desencantado com o PSDB e fazemos um esforço grande para atrair o eleitor indeciso. Do Bolsonaro, tem vindo gente também.”

Tudo bem, é do jogo. Amoedo é um candidato do campo democrático (juntamente com Alvaro, Alckmin, Meirelles e Marina).

Claro que todos os candidatos do campo democrático têm seus problemas. Eles estão no campo democrático não pelas suas fortes convicções pessoais democráticas (alguns nem entendem bem o que seja isso) e sim pela posição que ocupam numa determinada configuração de forças. Significa apenas que, nesta configuração que se conformou, eles não estão no campo autocrático (onde perfilam Haddad, Bolsonaro, Ciro, Boulos, Manuela, Goulart e Vera).

O que interessa aos democratas – ou seja, aos que tomam a democracia como um valor – e evitar os cenários do horror:

1) Bolsonaro ganhar no primeiro turno.

2) Bolsonaro passar, junto com Haddad, para o segundo turno.

Tudo que for possível fazer para evitar esses dois desastres (sendo legal) tá valendo.

Em outras palavras, o fundamental para a democracia (ou seja, para a continuidade do processo de democratização) não é eleger o candidato dos nossos sonhos e sim evitar os candidatos que nos trarão pesadelos. Sim, para quem ainda não sabe, democracia é sempre resistência, resistência à autocratização. Ela nasceu assim e assim continua. Não é um modelo de sociedade ideal, não é um regime puro e perfeito, sem corrupção e sim o regime sem um senhor (mesmo que este senhor seja bom, puro, honesto).

Se João Amoedo crescer durante as próximas quatro semanas, com chances de evitar os cenários do horror descritos acima, os democratas devem apoiá-lo. Assim como deverão apoiar qualquer outro candidato do campo democrático capaz de cumprir tal função.

Uma empolgada militância amoedista, que se avolumou recentemente nas mídias sociais, deve tomar muito cuidado com o seguinte. Crescer tirando votos de outros candidatos do campo democrático é do jogo, mas isso tem um limite. Imaginemos que Amoedo tire votos, como se está dizendo, de Alckmin ou de Marina ou de Álvaro Dias e que isso acabe retirando qualquer um desses do segundo turno e não seja suficiente para levá-lo, a ele, Amoedo, ao segundo turno. Pensem, pensem, pensem. Isso configurará um cenário do horror (que é um segundo turno Haddad x Bolsonaro). Ou, pior, pode fazer com que a pulverização de votos do campo democrático enseje a vitória de Bolsonaro ou Haddad no primeiro turno (o que é menos provável, mas não impossível).

Eu apoio sem pestanejar Amoedo caso ele seja o candidato com mais chances de evitar os cenários do horror descritos acima. Não o apoio porque ele é um outsider (a política democrática é feita pelos políticos realmente existentes que prezam a democracia e a experiência de empresários na política dificilmente é muito bem-sucedida). Não o apoio porque ele é honesto (não sou da polícia, não quero separar os bons dos maus, não quero limpar o mundo – meu negócio é a democracia). Não o apoio porque ele tenha uma grande compreensão da democracia (posto que ele não tem mesmo: liberalismo-econômico não significa necessariamente liberalismo-político – Paulo Guedes também se diz liberal). Apoio-o por razões políticas, se ele for o candidato que tiver mais chances de quebrar a polarização entre dois candidatos do campo autocrático ou de evitar a vitória de qualquer um deles no primeiro turno.

Já vivi o suficiente – depois de mais de meio século de atividade política – para desconfiar de discursos do tipo “fulano é o único isso ou aquilo”. Já investiguei e teorizei o suficiente para saber que novo é o que inova e não quem se declara novo (e não há nada de muita inovação política no partido chamado Novo, cujos membros, em sua maioria, não entenderam ainda o be-a-bá da democracia, como demonstra a repetição tola de que o partido não faz coligação, como se as alianças não estivessem no cerne da vida política). Vou continuar alertando que há sempre um perigoso embrião de autoritarismo nos exclusivismos que dizem que só há um, que todos os demais não prestam.

Nada disso, porém, importa no momento. O que importa agora é evitar o cenário do horror.

Mas a militância cria também um certo clima de horror. Se você diz que pode apoiar Marina, os militantes marinistas ficam contrariados: querem que você diga que só se pode apoiar Marina porque ela é a única capaz de inaugurar uma nova política e blá-blá-blá. Se você diz que pode apoiar Amoedo, os militantes amoedistas fecham a cara: querem que você diga que só se pode apoiar Amoedo porque ele é o único novo e coisa e tal. Ora… dá vontade de dizer: vão lamber sabão.

A DEMOCRACIA NÃO É UM REGIME DE MILITANTES

Disse hoje (28/08/2018) para uma amiga, que reclamou dos ataques sórdidos que vem sofrendo João Amoedo (o que é verdade), que isso é uma reação esperada. Se você aumenta a militância, aumenta a adversariedade.

Fazer campanha é uma coisa. Militar é outra. A democracia não é o regime de militantes (que tem a mesma raiz da palavra militans, de miles, soldado). Então quanto mais aparecer gente militando, dizendo que só a sua proposta é válida e antagonizando com todos os outros (como é próprio da militância) esta reação aumentará.

Isso, na verdade, nada tem a ver com Amoedo e sim com a dinâmica, com o campo criado (ou deformado) pela militância. O mesmo aconteceria com qualquer um.

Ontem encontrei (surpreso, porque nem sabia que existiam) uma militante alvarista (apoiadora de Álvaro Dias) me antagonizando. Para não falar dos marinistas, cujo contencioso comigo é já longo e conhecido (embora eu declare sempre que votarei em Marina, se ela for a que tiver mais chances de quebrar a polarização entre dois candidatos do campo autocrático). E para não falar, é claro, dos militantes do campo autocrático, como os petistas e bolsonaristas.

Diz-se que se você quer lutar com um urso tem de criar garras de urso. O problema é que, assim, todo mundo que faz isso fica um pouco menos gente e um pouco mais urso.

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