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Os casos da Odebrecht e da Oi: reflexões sobre a natureza das empresas

Os recentes casos da Odebrecht e da Oi fornecem muitos elementos para uma nova investigação sobre a natureza das grandes empresas. Antes de ser entes de mercado, elas são estruturas de poder e isso em mais de um sentido: quer pela sua estrutura e pela sua dinâmica de funcionamento, quer pelos resultados concretos da sua atuação nas sociedades, subordinando-as – tal como faz o Estado – para convertê-las em seus domínios (no sentido feudal mesmo do termo). Nesse último sentido poder-se-ia afirmar – meio epigramaticamente – que todas as grandes empresas (no capitalismo ou no chamado socialismo) são estatais.

Há pouco mais de sete anos publiquei um artigo na Escola-de-Redes intitulado O empresário e a política na sociedade hierárquica e na nova sociedade em rede. Reproduzo abaixo trechos desse artigo para depois fazer algumas considerações sobre os casos da Odebrecht e da Oi.

“… os grandes empresários tradicionais, que estão sempre, em alguma medida, associados aos governos, parecem não gostar muito de livre mercado. A impressão que se tem é que eles querem mais Estado mesmo – a seu favor, é claro. Isso é assim desde que surgiu o capitalismo como resultado de um bem-sucedido conúbio entre empresa monárquica e Estado hobbesiano. O resto é conversa de economistas e de filósofos do liberalismo econômico.

No último século alguma coisa mudou, é certo: o Estado-nação se democratizou um pouco, o grande capital se pulverizou nas mãos de múltiplos acionistas (conquanto as empresas tenham permanecido monárquicas do ponto de vista dos seus sistemas de governança ou modelos de gestão), mas a tendência inercial do empresariado de buscar vantagens e privilégios no Estado (como se o Estado tivesse a eterna obrigação de proteger e promover os seus negócios) permaneceu insuflando um comportamento retrógrado e regressivo dos grandes empresários do ponto de vista político. Não foi exatamente esse tipo de comportamento que vimos agora (em 2008) – na crise desencadeada pela descoberta dos créditos podres do sistema habitacional americano – da parte de seguradoras, bancos e montadoras de automóveis?

Um problema de concepção

Não é por acaso que os grandes empresários são sempre a favor dos governos. E não apenas por medo de retaliação fiscal, mas também por visão, por concepção. Eles pensam mais ou menos assim: pagamos escorchantes impostos, criamos empregos, dinamizamos a atividade econômica, geramos praticamente todo o produto interno bruto do país: logo, temos o direito de obter dos governos condições especialmente favoráveis de gerar cada vez mais valor para nossos acionistas. Para tanto, não podemos antagonizar qualquer governo e sim manter com os governantes (sejam eles quais forem) aquela secular sociedade que até aqui foi tão bem-sucedida. É a regra do jogo. Uma regra que empresas como Ig Farben (Agfa, Casella, Basf, Bayer, Hoeschst, Huels, Kalle), Krupp (ver foto) e Siemens não ousaram quebrar (mesmo quando o governante atendia pelo nome de Hitler).

Não é de espantar, portanto, que os empresários apoiem governos que praticam corrupção e banditismo (são fartos os exemplos de empreiteiras que têm levado essa prática ao paroxismo – atenção: isto foi escrito em maio de 2009 –, mas não só elas: da siderurgia à intermediação financeira, quem é grande, por ação ou omissão, acaba compactuando de alguma forma com a bandalheira dos governos fora-da-lei ou carentes de legitimidade democrática). Não estão nem aí se isso acaba corroendo sua capacidade de inovar para se desenvolver. E que, como conseqüência, em vez de investirem em pesquisa e desenvolvimento para enfrentar saudavelmente a concorrência, as empresas fiquem seduzidas pelo ganho fácil que pode advir da sua associação com os poderosos. Ou fiquem tentando influir para reduzir seus riscos, obter garantias, concessional loans, às vezes, privilégios, reservas e outras proteções estatais que falsificam as regras de mercado.

Por que deveriam arriscar dinheiro com dispendiosas explorações prospectivas se já têm o mapa do tesouro nas mãos? Na sua visão torta, dinheiro público é sinônimo de dinheiro sem dono. No Brasil e em vários países com índices semelhantes de desenvolvimento humano e social, boa parte da engenhosidade empresarial se esgota na urdidura de meios para se apropriar desses recursos. As folhas corridas dos negócios de nossas grandes empresas revelarão, em algum momento, aquela mãozinha enrugada – nesse caso, nem sempre tão invisível – de uma decrépita, porém generosa, Viúva.

Como já se disse aqui, quem gosta de exalçar as capacidades autoreguladoras do mercado são os economistas (uma parte deles, pelo menos). Empresários tradicionais já estabelecidos, que têm como preocupação central garantir a qualquer custo a sua posição no mercado para galgar posições cada vez mais altas, não caem nessa conversa. Eles não são – nunca foram – ideólogos do capitalismo dos livros, quer dizer, adeptos das ideologias construídas sobre o capitalismo, como o liberalismo econômico ou neoliberalismo.

Há quem goste, realmente, de livre mercado: os empreendedores emergentes. Mas eles gostam do livre mercado não em razão de alguma conversão ao credo econômico liberal e sim porque precisam de fato da liberdade do mercado para poder entrar no mercado. Quem já está dentro, em geral, não gosta dessa liberdade porque encara a concorrência como uma ameaça às posições que conquistou.

Políticas estatais no campo econômico voltadas ao empresariado, como as chamadas políticas industrial, agrícola, comercial ou bancária, envolvem quase sempre uma dose de oferta estatal de subsídios (direta ou indiretamente, por meio de regulação favorável e quase sempre casuística, incentivos e renúncia fiscal), quer dizer, de valor que não foi gerado diretamente pela atividade econômica empresarial, mas adveio da transferência de recursos fiscais. Em outras palavras, o modelo transfere recursos públicos (da sociedade) para a atividade privada (dos empresários). Tudo é sempre uma variação do protecionismo, algumas vezes de caráter nacional, outras vezes de caráter setorial. Os burocratas estatais escolhem então alguns setores que deverão ser protegidos do livre mercado, seja em nome de um suposto interesse estratégico nacional, seja em nome da segurança nacional, seja em nome da necessidade de distribuir renda ou de gerar mais empregos ou mais superávits para financiar direta ou indiretamente algum sistema de proteção social.

O fato é que os assim chamados “grandes capitalistas” tradicionais conquanto não gostem muito do capitalismo tal como está nos livros, com toda aquela conversa de igualdade de oportunidades e da liberdade do indivíduo de empreender, até aceitam as inovações incorporadas pelo capitalismo hodierno, como as políticas governamentais de distribuição de renda, mas ficam com um pé atrás quando se trata da distribuição de riqueza (ou democratização do acesso à propriedade produtiva). Querem, sim, mais consumidores (com renda suficiente para comprar seus produtos e serviços), mas não mais empreendedores (que são vistos como potenciais competidores). No limite, se todos forem capitalistas, o capitalismo – tal como o concebem – desmonta-se. Capitalismo bom, para eles, é o capitalismo em que só alguns são capitalistas. Se todos se dedicarem à atividade empresarial, correndo atrás da realização dos seus próprios sonhos, quem se disporá a alugar sua força de trabalho para realizar o sonho alheio? Sem poder se apropriar de um sobrevalor gerado pelo trabalho coletivo daqueles que renunciaram – ou não tiveram condições de – ter seu próprio negócio (isto é, os empregados, eufemística e incorretamente chamados de “colaboradores”), os grandes empresários tradicionais avaliam que perderiam o estímulo para manter seus negócios.

Uma sociedade de empreendedores não seria uma sociedade capitalista; não, pelo menos, tal como o capitalismo foi praticado até aqui: concentrando riqueza ou estabelecendo condições diferenciais de acesso à propriedade produtiva e aos recursos humanos e sociais necessários para dinamizá-la.

Os velhos argumentos empresariais

Os empresários tradicionais dizem que as coisas não são bem assim no mundo real. Alguns alegam que nem todos são “por natureza” empreendedores (como se o empreendedorismo dependesse da presença de um gene).

Outros argumentam que o empreendedor é estimulado a sê-lo em virtude de uma herança cultural adquirida a partir do berço, no meio familiar ou social em que nasceu ou foi educado, e que, infelizmente, nem todos têm tal oportunidade na sociedade em que vivemos.

Outros, ainda, dizem que essa condição ideal só se materializaria em sociedades igualitárias e/ou ricas o suficiente para proporcionar a todos o capital inicial necessário para investir em um negócio próprio.

Por último, há os que levantam – com certa razão – que ainda que todos tivessem as mesmas condições econômicas, humanas e sociais para empreender, só uma parte da população se dedicaria à atividade empresarial, em virtude da saudável diversidade de vocações, gostos e preferências pessoais. Tem gente que não quer viver uma aventura desse tipo, seja porque não suporta psicologicamente os riscos que lhe são inerentes, seja porque quer se dedicar às artes, à ciência, à política, à vida comunitária, à espiritualidade ou à contemplação. Além disso, há várias formas de empreendedorismo – social, cultural, político – e não apenas a forma econômica empresarial.

Afastada, porém, a hipótese genética (que além de ridícula é perigosa), muitas questões se colocam a partir desses argumentos. Entre os que argumentam que alguns, embora sendo geneticamente iguais, ficaram diferentes dos outros – ou se destacaram dos demais – desenvolvendo capacidades especiais por razões fortuitas ou em virtude das condições peculiares em que viveram (da infância à idade adulta), encontram-se os propagadores das ideologias do liderancismo. Essas ideologias, que têm contaminado os meios empresariais nas últimas décadas, mereceriam um tratamento a parte. Seu sentido, em geral, é claramente legitimatório ao apresentarem razões individuais para “explicar” por que só alguns vencem na vida ou fazem sucesso (numa acepção competitivo-excludente da ideia).

Nos argumentos dos que levantam – com razão – que nem todos fazem a escolha pelo empreendedorismo empresarial, camufla-se freqüentemente a natureza do problema. É claro que isso é verdade. Mas a natureza do problema só se revelará se conseguirmos explicar por que, entre todos os que escolhem se tornar empresários, só alguns conseguem trilhar satisfatoriamente tal caminho. Vista nestes termos a questão poderia ter uma resposta estatística: ora, porque em qualquer atividade submetida a uma dinâmica variacional – e, portanto, dependente, em grande parte, do acaso – só uma porcentagem dos agentes consegue se adaptar e sobreviver (o que, no caso, significa crescer).

No entanto, as coisas não seriam exatamente assim se o sistema “funcionasse” de maneira diferente. Num sistema em que o crescimento não fosse a condição de sobrevivência, todos – os que quisessem, bem-entendido – poderiam ser empresários, desde que não precisassem crescer para sobreviver, mas apenas se desenvolver. Em um mundo desse tipo bastaria empreender atividades econômicas para ser empresário, sem a necessidade de ter que se associar ao poder estatal para conseguir condições diferenciais de vender ilusões (gastar com marketing pesado), aprisionar corpos (alugar e confinar força de trabalho alheia), construir pirâmides (erigir organizações hierárquicas com dinâmicas de funcionamento baseadas em comando-e-controle) ou travar guerras (encarar os demais players como inimigos e se comportar adversarialmente na relação com eles)”.

Muito bem. Aqui termina a transcrição. Vamos agora às considerações sobre os casos concretos de empresas envolvidas em escândalos em razão de sua íntima relação com o Estado (mais especificamente com o governo) no Brasil.

O caso da Odebrecht

Muito já se falou da Odebrecht e da tradição de grandes empreiteiras, pela própria natureza de seu negócio, de pagar propinas para obter contratos com o governo (praticamente seu único cliente). Isso por certo é verdade, mas não é o caso da Odebrecht.

Para entender a Odebrecht é preciso estudar a história de Krupp e Ig Farben (já mencionadas na transcrição acima). Elas não estavam corrompendo funcionários do governo nazista. Elas se associaram a um projeto estatal. Elas aderiram a uma utopia (ou distopia) empresarial: ficar em posição privilegiada (fora da concorrência e, portanto, elidindo-se da dinâmica do mercado) para obter lucros incessantes a perder de vista. Foi o caso da Odebrecht no sonho insano do “Terceiro Reich” lulopetista. Associando-se a um führer neopopulista, Norberto (talvez), Emílio e Marcelo (com certeza), imaginaram prorrogar indefinidamente a vida da sua empresa independentemente do mercado! Sim, quando deu esse mau-passo (e talvez antes até) a Odebrecht não era mais uma empreiteira e sim uma organização de poder, associada ao poder, disfarçada de empreiteira. O seu core business, como se diz, não era realizar obras subcontratando terceiros para cumprir contratos com o Estado e sim erigir e fazer funcionar uma estrutura fora-da-lei para conseguir esses contratos, eternamente. Para tanto, organizou um “departamento de operações estruturadas” e até adquiriu um banco em 2010 – o Meinl Bank Antigua – só para operar o esquema (que não era um esquema empresarial e sim um esquema de poder associado ao projeto de poder petista). Ou seja, não é bem de propina que estamos falando no caso da Odebrecht e sim de uma espécie de “ministério da economia” de um Estado paralelo (a estrutura montada pelo PT para conquistar hegemonia sobre a sociedade). E a Odebrecht ajudou a montar e a internacionalizar esse esquema, inclusive abrindo numerosas offshores em vários países do mundo, além de contas-fantasmas e empresas-fake em nome de laranjas.

Pega com a boca na botija, a Odebrecht, tendo um de seus principais dirigentes – Marcelo – preso, já lá se vai um ano, a organização vem se recusando a colaborar com a justiça. Não porque Marcelo Odebrecht não queira reduzir sua pena e sair da cadeia usando os benefícios da chamada “delação premiada” e sim porque não pode confessar o que realmente fez em decorrência do que realmente é: uma organização criminosa disfarçada de empreiteira. E não podendo falar a verdade – porque se o fizesse o chefe Emílio Odebrecht teria de ser preso e a organização desbaratada – Marcelo e os demais executivos da empresa, que também estão presos, resolveram enganar a justiça. Marcelo assumiria pessoalmente boa parte da responsabilidade por crimes que não foram cometidos apenas por ele (e sim por sua organização, posto que organizada precipuamente para cometê-los), tentaria obter um acordo de leniência (no caso, de conivência) para manter a empresa funcionando (quer dizer, para não desmontar a organização criminosa) e, de quebra, ainda corroboraria a defesa do líder a que se associou, repetindo a farsa de que tudo seria caixa 2, a mesma – a mesmíssima – versão do PT (urdida pelo falecido Consigliere Thomaz Bastos e repetida por Lula em Paris no final de 2005, no auge do mensalão).

Mas mesmo que não tivesse feito nada disso, a Odebrecht – assim como as demais empreiteiras (e não só as empreiteiras) envolvidas no petrolão – é uma evidência de que grandes empresas são, em alguma medida, sempre empresas estatais, quer porque seu cliente principal é o Estado (o que é óbvio no caso das empreiteiras em virtude da natureza do seu negócio), quer porque elas precisam de Estado para se proteger do mercado. Por isso se afirmou que elas não são propriamente entes de mercado e sim entes que montam estruturas de poder para trapacear o mercado, fugir do mercado, se colocar acima do mercado. Por isso é mais importante, para uma grande empresa, financiar um contingente de lobistas ou estabelecer relações com dirigentes estatais (altos executivos governamentais, membros do ministério público, parlamentares, juízes e diretores de agências reguladoras) do que se esforçar para lançar bons produtos e prestar bons serviços (e a excelência e a inovação que se danem). E então, tudo aquilo que deveria ser um apoio (relações institucionais) ao negócio passa a ser o centro do negócio. Eis o ponto! As relações institucionais se convertem assim, em certas circunstâncias, em relações anti-institucionais e as relações públicas passam a ser relações privadas, não raro secretas e ilegais (com a célebre propina). Mas, atenção! A propina, conquanto necessária para azeitar a máquina, é lateral. O central é a máquina!

É claro que a Odebrecht (e talvez também a OAS) foi muito além nessa prática que é comum à boa parte das grandes empresas, ao estabelecer uma relação direta com o próprio chefe da quadrilha. Isso só foi possível porque no Brasil da última década havia uma quadrilha no governo cujo chefe era o próprio presidente da República e do partido oficial. Na Noruega ou na Bélgica – onde o banditismo de Estado é coibido pelas instituições do Estado democrático de direito e pela sociedade (sendo inaceitável pela chamada opinião pública) – não seria possível.

O caso da Oi

O caso da Oi é diferente, mas apenas aparentemente. A Oi nasce por iniciativa governamental, não empresarial. Havia uma concepção estatista do partido do governo de que o país precisava de uma grande (se possível a maior) empresa no ramo das telecomunicações. Segundo tal concepção caberia ao partido que controla o governo escolher os “campeões” do capitalismo caboclo, em todas as áreas.

A história é escabrosa. A Telemar comprou a Brasil Telecom com financiamento público (do BNDES e de outros bancos estatais) e a partir daí passou a se chamar Oi. Como isso era vedado pela legislação em vigor, o chefe da quadrilha no governo (Lula) mudou casuisticamente a Lei Geral de Telecomunicações para permitir a operação. Como troco, a Telemar resolveu ser sócia de Fábio Luiz de Silva (o chamado Lulinha, filho de Lula) em uma empresa praticamente inexistente (a Gamecorp).

Ou seja, a Oi – conquanto privada nominalmente – era uma empresa estatal, tanto pela sua origem (a iniciativa de sua fundação, seu “DNA”, a essência do empreendimento, em geral identificada com o seu fundador), quanto pelos benefícios que os governantes que aparelham o Estado dela poderiam tirar. Porque é para isso que servem, afinal, as empresas estatais. Para serem campos de rapina do grupo privado que chegou ao poder (na base do spoil system), como demonstrado à farta no caso da Petrobrás, e para serem aparelhos auxiliares voltados à consecução do projeto de poder desse grupo (em geral, nas democracias parasitadas por governos neopopulistas manipuladores, como é o caso do Brasil, ascender ao governo pelo voto e urdir um esquema paralelo para tomar o poder e nunca mais sair do governo). E mesmo empresas privatizadas com recursos públicos, onde bancos estatais, como o BNDES, BB e Caixa, têm assento nos conselhos de administração (como a Vale, por exemplo), acabam se transformando, de um modo ou de outro, em aparelhos auxiliares do governo (que, não raro, tem poder para nomear e destituir presidentes e outros dirigentes).  Não há aqui nada que se pareça com a dinâmica descrita nos livros dos economistas sobre as grandes empresas capitalistas, onde os acionistas supostamente decidem os rumos das organizações.

Novamente: grandes empresas – sobretudo nas condições de países como o Brasil, onde há banditismo de Estado – são sempre, em alguma medida, empresas estatais, quer porque o Estado torna-se necessário para protegê-las do mercado (exigindo delas, para tanto, que se associem aos governantes e os beneficiem), quer porque servem aos propósitos políticos do grupo que comanda o Estado. Ademais, há um ponto raramente percebido pelos economistas e administradores que tratam do assunto: no capitalismo as empresas ficam meio imunes ao Estado democrático de direito. Quase nada do que há de democrático no Estado democrático de direito (que já não é muito, posto que o Estado-nação é uma formen nascida da guerra, da paz de Westfalia e, como tal, tem uma natureza autocrática, sendo a fórmula do Estado democrático de direito um modo de mitigar a sua sanha guerreira – ou refrear aquela fome pantagruélica por poder do Leviatã – para proteger os cidadãos do seu próprio Estado) consegue penetrar nas empresas, que continuam, como vimos acima, mantendo estruturas verticais, hierárquicas, regidas por modos autocráticos de regulação de conflitos. Ou seja, o Estado não apenas protege as grandes empresas do mercado, mas as protege também da democracia. Ainda hoje, três séculos depois da reinvenção da democracia pelos modernos, as empresas continuam, em grande parte, monárquicas. E isso é ensinado e divulgado amplamente como uma coisa boa: basta ouvir as palestras de tarados competitivistas como Michael Porter contra a democracia nas empresas.

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Análise política #012 (27/06/2016)