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Os que decidem não escolher entre PT e Bolsonaro, não estão falando sozinhos

Quem tem apreço pela democracia sabe que a catástrofe já aconteceu. Seleciono abaixo cinco artigos importantes, publicados nos últimos dias, de quem tem a cabeça funcionando (não foi lobotomizado pelo petismo ou pelo bolsonarismo) e está vendo o desastre que está acontecendo no Brasil deste início de outubro de 2018. Leiam porque vale a pena.

1) A entrevista de Mario Vargas Llosa, às páginas amarelas da Veja (27/09/2018), intitulada Liberalismo é liberdade.

2) O artigo de Elena Landau, no site Livres (de 28/09/2018) intitulado A beira do precipício, um passo à frente.

3) O artigo de Demétrio Magnoli, na Folha de São Paulo do último sábado (29/09/2018), intitulado O Trump deles e o nosso.

4) O artigo de Fernando Gabeira, no jornal O Globo de 01/10/2018, intitulado Primeiros dias do novo mundo.

5) O artigo de Joel Pinheiro da Fonseca, na Folha de São Paulo de hoje (02/10/2018), intitulado A insanidade chegará ao segundo turno?

Reproduzimos abaixo os quatro últimos (de vez que o primeiro já foi publicado neste site).

A beira do precipício, um passo à frente

Elena Landau, Livres, 28/09/2018

Estamos a dez dias do 1.º turno das eleições. Se as pesquisas se confirmarem, o segundo turno será marcado por dois extremos. Uma união do centro democrático foi tentada nos últimos dias, mas não parece ser mais possível. A esta altura do campeonato ninguém quer abrir mão de ser cabeça de chapa. Como na conhecida anedota futebolística “estávamos à beira do precipício e resolvemos dar um passo à frente…”. Espero estar errada.

Resolvi reler os programas dos candidatos para quem sabe de lá tirar alguma razão para evitar novamente um voto nulo no 2.º turno. Enfrentamos dilema parecido no Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016. Apesar da terrível administração do prefeito Crivella, não me arrependo de ter anulado.

Os programas de governo refletem seus donos, é claro. O do Meirelles é uma autobiografia; o que fez servindo como indicação do que faria. O da Marina, uma carta de boas intenções, sem bola dividida. Alckmin foca na questão econômica e na sua experiência em São Paulo como passaporte para a Presidência. O de Amoêdo lembra um plano estratégico a ser apresentado para investidores.

O programa do Ciro é nacional desenvolvimentismo na veia, com muita intervenção do Estado, que é ele próprio. O do Bolsonaro está impregnado de seu conservadorismo e o do Haddad, não é do Haddad, mas do Lula. Nenhum programa de candidato traz detalhes das proposições. Buscam dar ao eleitor a visão de Brasil que querem.

Me concentrei nos programas do PSL e PT. O do Bolsonaro parece o resultado de um trabalho de grupo de ensino médio. Cada parte deve ter sido entregue a algum especialista. O improviso é tal que até tabelas em inglês copiadas de relatórios estrangeiros fazem parte de seu programa de governo. As ideias são apresentadas numa sequência de slides, onde o fio condutor é “Deus acima de todos” no alto de cada página.

O que pensa de fato Messias Bolsonaro sobre economia continua sendo uma incógnita. Sempre foi intervencionista, mas hoje diz que viu a luz do liberalismo. O mercado segue em seu autoengano fingindo acreditar que sua conversão é genuína, apesar de suas inúmeras declarações contraditórias. As divergências com seu assessor são muitas. E nem o Posto Ipiranga consegue apresentar um plano de econômico que pare em pé. Como Paulo Guedes não vai a debates, as críticas não são respondidas.

O programa do PT traz a pregação de sempre. A receita para sair da crise é repetir tudo que deu errado para ver se dessa vez dá certo. Do controle social da mídia ao desfazimento das reformas de Temer, o programa lembra o PT radical dos anos 80. Feito para recuperar a militância, sem acenos ao mercado. A crise fiscal é completamente ignorada. Como de resto é ignorada a passagem de Dilma, a escolhida de Lula por duas vezes para ser sua representante. Muito conveniente fingir que a recessão e o desemprego não são heranças do Lulopetismo.

Bolsonaro não sobe nas pesquisas pelo seu programa econômico, mas por sua visão conservadora, militarista e armamentista. Não conheço exemplos de governos militares liberais.

Assim, como o mercado quer acreditar na conversão de Bolsonaro, uma elite intelectual apavorada, e com razão, com a possibilidade de vitória de um fã de Brilhante Ustra, tenta se convencer que Haddad deixará Lula e o extremismo do PT de lado e será convertido ao centro. Mas é bom lembrar que o PT que muitos querem acreditar que possa ser revivido agora, aquele do pré-mensalão, foi apenas um curto período de sua trajetória, não é o padrão normal do partido.

E Haddad radicalizou o seu discurso para se legitimar no partido e apagar a imagem de “tucano” do PT. Para isso abriu mão de sua própria persona fazendo o papel de boneco de ventríloquo. O voto em Haddad é voto em Lula.

Ao terminar de ler os programas me deu uma sensação de perda de tempo e não consegui sair do voto nulo. Os dois são populistas, nacionalistas tacanhos e intervencionistas. São um estranho caso de paralelas que se encontram na vocação latino-americana para o caudilhismo.

O descrédito da população nas instituições é enorme e o voto vem carregado de raiva, medo e frustração. As pesquisas parecem refletir isso. Os dois lideram a corrida por motivos que vão muito além do programa econômico e pensei “não é a economia, estúpida”.

O Trump deles e o nosso

Demétrio Magnoli, Folha de São Paulo, 29/09/2018

Uma lenda urbana diz que o Trump original venceu graças às suas declarações machistas, homofóbicas e xenófobas. De fato, elas serviram para aquecer o núcleo minoritário de seus seguidores incondicionais. Mas o triunfo eleitoral deu-se apesar delas. O segredo da vitória trumpiana encontra-se na plataforma do nacionalismo econômico, desdobrada nas vertentes do protecionismo comercial (China) e da proteção do emprego americano (imigrantes hispânicos). O discurso antiglobalização (America First) ofereceu uma falsa resposta a dilemas verdadeiros, seduzindo os eleitores de classe média-baixa concentrados em estados decisivos do Meio-Oeste. Os brancos pobres votaram no Trump deles.

O Trump deles prometeu parar o declínio econômico por meio de uma restauração nacionalista. O nosso Trump promete parar o declínio moral por meio de um governo autoritário, ancorado no conservadorismo de costumes, ignorando as angústias materiais dos “deploráveis”, que ficam com o lulismo. Segundo as pesquisas, Lula (ôoops, Haddad) bate Bolsonaro por 57% a 22% entre eleitores na faixa de até um salário mínimo.

A seita ultraliberal brasileira que aderiu ao nosso Trump evidencia abismal ignorância histórica quando tenta mimetizar o “liberalismo” de seu ídolo americano. O Trump original combina ultraliberalismo “para dentro” (desregulamentação, corte radical de impostos) com nacionalismo econômico “para fora” (protecionismo, restrição à imigração). No Brasil, não há como replicar a duplicidade trumpiana, pois a China e os imigrantes, espantalhos do Trump deles, nada significam para a nossa massa de pobres.

Por aqui, os “deploráveis” anseiam pelo amparo estatal direto, nas formas de salário mínimo, aposentadorias e bolsas. O Estado paternalista desenhado pelo lulismo responde a tais expectativas. Já o Estado mínimo esboçado pelas sandices de Paulo Guedes interessa apenas a especuladores agnósticos e crentes fanáticos da religião secular do Deus-mercado.

O Trump original passou a campanha falando essencialmente sobre economia e emprego, enquanto Hillary desfiava o interminável novelo do multiculturalismo. O Trump tropical fala sobre homossexuais, mulheres, moral e cívica, Deus e armas, relegando o discurso econômico a um “embaixador para o mercado”.

De certo modo, o nosso Trump é Hillary, mas com sinal invertido. Precisamente por isso, provoca amores fulgurantes e ódios incontidos em núcleos minoritários de eleitores imersos numa crônica “guerra cultural”, mas apenas um circunstancial engajamento antipetista ou o solene desprezo entre os demais. Sua chance de alcançar o segundo turno deriva, exclusivamente, da extensiva rejeição ao PT e da monumental falência do PSDB.

O nosso Trump é o sonho de consumo de Haddad. No turno final, o avatar de Lula teria o duplo privilégio de falar como representante dos pobres, contra os ricos, e como campeão das liberdades e da democracia, contra o autoritarismo. É vitória certa.

Primeiros dias do novo mundo

Fernando Gabeira, O Globo, 01/10/2018

Outro dia, uma simpática leitora me escreveu, dizendo que eu estava em cima do muro. Não é exatamente isso o que acontece. Estou na mesma posição que estarei depois das eleições: independência crítica.

Não gosto de muros, tanto que, quando caiu o de Berlim, mudei-me para lá com a família, para acompanhar as consequências. Nem todo muro dá para aceitar. Nas eleições municipais do Rio, recusei a alternativa que a maioria dos eleitores me apresentou.

Recusá-la agora não significa desrespeito às grandes multidões que escolhem Lula ou Bolsonaro. Pelo contrário, uma oposição consciente pode ser uma forma de valorizar essa escolha.

A amiga pede que eu rejeite apenas Bolsonaro. É ameaçador para a democracia. Ela leu nos jornais que o PT, ao contrario, tem um forte compromisso com a democracia.

Respeito sua posição e a dos jornalistas. No entanto, era deputado federal no período do mensalão. Discutir com fantoches comprados pelo governo era para mim um arremedo de democracia.

Creio que passa por aí nossa divergência. No meu entender, a ameaça à democracia não se resume hoje ao clássico golpe militar, com tanques na rua. Ela pode ser subvertida por dentro, envenenada aos poucos.

Talvez a amiga precise de um pouco de paciência não só comigo, que não aceito esse muro, como também com as pessoas que realmente estão ainda em cima dele, por indecisão. Se ajudar, recomendo o livro de John Gray — “A alma da marionete, um breve ensaio sobre a liberdade humana” — que acaba de ser lançado aqui. Entre outras coisas, ele diz: “não é a autoconsciência, mas a divisão de si mesmo que nos torna humanos.”

Isso não quer dizer que não fazemos escolhas. Caso contrário, não estaríamos onde estamos hoje. Lembro que há pouco mais de 20 anos brincava sobre o tema, com Luís Eduardo Magalhães. Ele, presidente da Câmara; eu, o único deputado do PV. Ele dizia, para me ironizar: como vota sua bancada? Eu dizia: a bancada tem apenas uma pessoa, por sinal bastante dividida.

Compreendo que a pressão é natural. Muitos artistas já estão mergulhados no dilema de declarar voto.

Infelizmente, não sou artista, mas apenas alguém com uma experiência política de pouco mais de meio século. Minha análise me conduz à oposição, não importa o que sair desse duelo entre Lula e Bolsonaro.

Só que, nas circunstâncias nacionais, terá de ser uma oposição construtiva e cuidadosa, exatamente porque me preocupo com a democracia.

Há algum tempo que procuro conhecer os programas de governo do PT e de Bolsonaro. São vagos o bastante para não rejeitá-los em bloco, mas contêm várias armadilhas.

Na verdade, não há ainda programa real de governo. Há intenções, acenos contraditórios. A necessidade de seduzir o centro ainda pode trazer novidades.

O choque de personalidades ofuscou o confronto entre programas. Não só os que estão no muro como os que recusam o dilema eleitoral representam um estímulo para que os candidatos sejam mais explícitos em suas propostas, moderados em sua retórica.

Mesmo com um conhecimento precário dos verdadeiros programas, esquerda e direita terão muitas dificuldades para implementá-los. Como impor uma agenda liberal a um país dividido, como impor uma agenda como a dos anos petistas?

Não, se conseguirmos deter a intolerância entre os contrários. Mas outra busca é possível: deter a intolerância contra quem simplesmente não toma o partido de um dos lados.

Ao invés, é essencial evitar a potencial tragédia no choque entre eles.

O período que vem por aí é muito difícil, desses em que você não inveja os vencedores. A economia patina, o Congresso não se renova, e as eleições sempre trazem grandes expectativas.

Não esperava encarar isso nos primeiros anos de democratização. Mas é preciso olhar de frente. Para mim, o Galeão não é saída porque leio o outro nome dele, Antonio Carlos Jobim, e me lembro da beleza e do talento que o país abriga.

Será apenas uma longa fase de sufoco.

A insanidade chegará ao segundo turno?

Joel Pinheiro da Fonseca, Folha de São Paulo, 02/10/2018

Estamos nos encaminhando para a disputa entre as figuras mais polarizadoras

Racionalmente, sei que não vale a pena gastar energia para tentar o rumo das eleições. Ainda assim, um ato de fé no brasileiro me faz acreditar que dá para evitar o pior: um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro. Isso seria especialmente violento, permeado por boataria e notícias falsas. Promoveria o esgarçamento dos laços sociais e familiares e envolveria dois lados que, em suas palavras e seus atos, não demonstram apreço pela democracia.

Não pretendo dizer a ninguém em quem votar. Quero apenas fazer um raciocínio estratégico e mostrar o óbvio: se você quer, acima de tudo, evitar Bolsonaro, não vote em Haddad. E se você quer, acima de tudo, evitar o PT, não vote em Bolsonaro.

O medo, o ódio e o ressentimento nos levam a decisões ruins. Vemos José Dirceu falando em tomada do poder fora das urnas, em tolher o Ministério Público e o STF. A reação automática de muitos é querer o inimigo mais bombástico do PT: Bolsonaro. Mas será que ele tem as melhores condições de vencer o PT? Vamos considerar dois cenários.

No primeiro, o segundo turno é entre Bolsonaro e Haddad. Nesse caso, Bolsonaro receberia o voto de quem votou nele no primeiro turno, mais os votos de quem escolheu Álvaro Dias e uma boa parte de João Amoedo e Meirelles. Os eleitores de Alckmin se dividiriam, segundo estimativa do Datafolha, quase que igualmente entre Haddad e Bolsonaro. Haddad, por sua vez, ficaria com praticamente todos os votos que foram para Marina e Ciro Gomes, mais a metade de Alckmin.

Agora vamos considerar o segundo turno entre Haddad e Alckmin. As coisas mudam: Alckmin, além de todos os seus votos próprios, terá todos os votos que foram para Bolsonaro (eles podem detestar o tucano, mas certamente o preferirão ao PT), assim como os de Amoedo, Meirelles e Alvaro Dias e ainda uma parcela dos votos de Marina e Ciro Gomes — gente de esquerda que não quer o PT mas que jamais votaria em Bolsonaro. Não dá para garantir que Alckmin vença, mas é certo que ele irá melhor no segundo turno do Bolsonaro.

O mesmo vale, na esquerda, para Haddad e Ciro Gomes. A rejeição de Ciro entre todos os eleitores da direita e de centro é menor do que a de Haddad. Então Ciro terá, assim como Haddad, o voto da esquerda, além de mais votos do centro e da direita.

Com Marina isso se dá para ambos os lados. As pesquisas curiosamente indicam uma enorme rejeição a ela, mas isso deve ser mais sintoma de uma má vontade presente e não um reflexo fiel do voto caso ela chegue no segundo turno. Afinal, contra Haddad, é evidente que todo mundo que votou em candidatos de direita votará nela (melhor do que deixar o PT voltar!). Contra Bolsonaro, ela leva todos os votos da esquerda (por mais que os partidos de esquerda a acusem de traidora, o eleitor de esquerda preferirá colocá-la no poder do que entregá-lo ao Bolsonaro).

Quem domina o centro, vence. Estamos nos encaminhando para um segundo turno entre as duas figuras mais polarizadoras da campanha. Além de ser ruim para o governo futuro — que terá forte oposição a tudo que fizer — e de ser um risco para a democracia, é também uma escolha irracional por parte dos eleitores. Não deixemos a irracionalidade vencer. Ainda dá tempo!

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