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Para captar o “DNA” da democracia

Vai começar amanhã (24/04/2019) um curso para estudar como surgiu a democracia, tomando como base o magnífico livro de I. F. Stone (1988), O Julgamento de Sócrates (além de parte da bibliografia que ele cita). Serão dez módulos semanais para tentar captar o “DNA” da democracia. O percurso vai até 26 de junho de 2019.

É um curso online, ministrado por mim (Augusto de Franco). Explico abaixo por que tomei este livro como base para o curso.

Por que estou de acordo com a interpretação de Isidor Feinstein Stone (1988) no seu livro O Julgamento de Sócrates?

Porque ela bate com tudo que li, nos últimos 47 anos, sobre a filosofia grega (comecei em 1972, com o Teeteto de Platão).

A visão de Stone bate também com a dos autores que lograram captar o genos da democracia, em especial com a de Hannah Arendt (1950-59) em O que é política?, mas também com a de Cornelius Castoriadis (1980-1986), nos seus famosos seminários Sobre O Político de Platão.

Bate, igualmente, com as considerações de Humberto Maturana (1993) sobre a democracia, inseridas no seu fabuloso Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano (escrito em parceria com Gerda Verden-Zöller).

Bate, ainda, com o primeiro volume de A sociedade aberta e seus inimigos, de Karl Popper (1945), onde fica claro o caráter totalitário das ideias platônicas.

E bate com minhas próprias visões sobre a democracia (contidas em alguns livros que publiquei e cursos que venho ministrando sobre o assunto desde 2007) e com as investigações, ainda em curso, sobre os sofistas, baseadas em múltiplas leituras – sobretudo com as que tive acesso através de W. K. C. Guthrie (1969) e de G. B. Kerferd (1981).

E, por fim, bate com as minhas reflexões sobre uma abordagem social da democracia (a partir da descoberta das relações de condicionamento recíproco entre democracia como modo de regulação e as redes distribuídas como padrão de organização).

É curioso que Stone tenha chegado à conclusões semelhantes às que cheguei percorrendo outros caminhos. Acho que é uma evidência de que ele encontrou aquele DNA da democracia que muitos cursos acadêmicos de ciência política não conseguem captar. Por isso considero a narrativa de Izzy Stone como fundamental para quem quer iniciar qualquer estudo sério sobre a democracia.

Para quem não gosta de política, a leitura de O Julgamento de Sócrates de I. F. Stone (1988) também é recomendável. Platão e seu Sócrates também não gostavam. Stone escreve:

“Podemos estabelecer três períodos. No primeiro, a era dos pré-socráticos, os filósofos nem sequer se davam conta da extraordinária liberdade de que gozavam e por isso não se davam ao trabalho de analisá-la, quanto mais de defendê-la.

Isso e notável, porque os pré-socráticos foram os primeiros livres-pensadores. Eles abalaram as fundações da religião, tanto da moderna quanto da antiga, e suas formulações arrojadas constituem a base sobre a qual se assentam 2500 anos de especulação filosófica. No entanto, sua liberdade de expressão era irrestrita.

No segundo período, que podemos denominar de socrático-platônico, os filósofos gozavam da liberdade de expressão, porém julgavam que os outros não faziam jus a ela. Sócrates, em particular, parecia não questionar sua liberdade de expressão – ele a merecia devido a sua superioridade, ainda que a ocultasse por trás de sua “ironia”.

No terceiro período, com o fim da liberdade política sob o domínio macedônio e posteriormente romano, os filósofos de modo geral recolheram-se a seus mundos individuais, tornando-se indiferentes à política, como os deuses distantes e eternamente felizes de Epicuro e Lucrécio”.

De um modo geral, os que foram chamados de filósofos (na tradição pitagórico-platônica) não gostavam de política (e, portanto, eram adversários da democracia). Queriam viver nos seus clusters de sábios, arrogando-se direitos acima dos demais. Queriam sodalícios de seres mais puros, mais retos e mais perfeitos porque, supostamente, sabiam mais.

Toda a nossa história universitária ocidental tem como raiz a separação entre sábio e ignorante, uma separação de corpos que vigia não apenas entre a universidade e a cidade, mas dentro da própria instituição (docente x discente).

Toda academia tem raiz platônica. Na verdade, não nasceu para promover, como se diz hoje, o “progresso da ciência” e sim a prevalência da filosofia (da qual eram possuidores os doutores que compunham seus tribunais epistemológicos) sobre a ciência. O que foi a escolástica (cujo sentido literal é “propriedade da escola”) senão isso? E quando foi que superamos a escolástica? Nunca, a rigor, embora no século 17 – não por acaso na época em que os modernos reinventaram a democracia – uma janela se abriu, uma brisa fresca soprou e só então retomou-se o tipo de abordagem investigativa livre que foi experimentada pelos (incorretamente) chamados filósofos pré-socráticos e pelos sofistas (maltratados pelos filósofos). Estes, sim, foram os primeiros cientistas, não os platônicos e seus seguidores. Não é por acaso que eles só tenham podido florescer com a liberdade de expressão própria da democracia.

Sobre isso, aliás, Humberto Maturana tem uma excelente reflexão. Ele desenvolveu uma visão muito particular das diferenças entre ciência e filosofia. Escreveu um tópico sobre isso justamente no capítulo dedicado à democracia do seu texto seminal Conversações Matrísticas e Patriarcais, que compõe a primeira parte do livro, em coautoria com Gerda Verden-Zoller (1993), já citado acima (Amar e Brincar: Fundamentos esquecidos do humano, traduzido e publicado no Brasil pela Palas Athena Editora, São Paulo: 2009).

Para Maturana, ciência e filosofia são “duas formas diferentes de pensar e lidar com o mundo da experiência”: a primeira mais compatível com a democracia e, a segunda, com a cultura autocrática patriarcal.

O fato é que a tradição pitagórico-platônica é antidemocrática, não aceita a liberdade de expressão para todos, não aceita que a opinião (doxa) tenha qualquer valor diante do conhecimento (episteme). O DNA da academia é anticientífico porque é antidemocrático. Talvez por isso, os professores e alunos da chamada ciência política tenham alguma dificuldade de captar a essência da democracia.

COMO VAI FUNCIONAR O CURSO?

Início do curso | Dia 24 de abril de 2019

Onde vai ocorrer | É um curso totalmente online. Você terá acesso a um ambiente com o conteúdo além de um grupo secreto no Facebook para poder interagir.

Quanto tempo dura | O curso começa no dia 24 de abril e termina no dia 26 de junho de 2019. Ao todo são 10 módulos semanais, atualizados toda quarta-feira.

A que os inscritos terão acesso | Além do livro completo em formato digital (PDF), preparamos um material didático exclusivo: texto comentado capítulo por capítulo no site Democracy Unschool. Ainda, o primeiro módulo conta com um vídeo inaugural e no último módulo, uma sessão ao vivo para discussão no final.

Quando os inscritos terão acesso ao material? | Até o dia de início do curso (24 de abril) você será adicionado no grupo secreto do Facebook e receberá, por email, os acessos a todo conteúdo do curso no site Democracy Unschool.

Como será o curso | Você vai ler o conteúdo do livro, o material didático com o conteúdo comentado e vamos interagir no grupo do Facebook toda semana a respeito das atualizações recebidas em cada módulo. Durante as interações vamos aprofundar assuntos, tirar dúvidas e fazer novas explorações sobre o tema.

Como se inscrever no curso | Se correr ainda dá tempo: http://www.democracia.org.br/curso-o-julgamento-de-socrates/

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