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Para entender a lista fechada

Um artigo bem-humorado de Eduardo Affonso serve como introdução. Leia abaixo:

À la carte tupiniquim

Eduardo Affonso, em Umas agudas e outras crônicas, 27/03/2017

– Garçom, me veja o cardápio, por favor.

– Nós não trabalhamos mais com cardápio, senhor.

– Vocês usam uma tabuleta, você me fala os pratos?

– Não, senhor, trabalhamos agora com lista fechada.

– Como assim, “lista fechada”?

– O senhor escolhe o restaurante (no caso, escolheu o nosso), e o nosso gerente escolhe o que o senhor vai comer.

– E o que é que eu ganho com isso?

– O senhor não precisa perder tempo escolhendo.

– Mas como vou saber o que vou comer?

– O senhor come o que o gerente achar que o senhor deve comer.

– Mas baseado em quê, se ele não sabe do que eu gosto?

– Baseado nos critérios dele.

– Que são…

– Ele pode querer que sejam os pratos mais caros. Ou os que usam ingredientes que estão com prazo de validade perto de vencer. Ou os que já estão prontos. Ou os que dão menos trabalho. Isso não cabe ao senhor decidir.

– Então eu me sento e…

– Senta, come o que o gerente quiser, e paga a conta.

– E se eu não gostar do prato?

– Nós não trabalhamos com essa possibilidade, senhor. Gostando ou não, vai pagar a conta do mesmo jeito.

– Bem, acho que vou então para outro restaurante…

– Todos agora trabalham assim, senhor.

– Mas quem decidiu isso?

– O Sindicato dos Donos dos Restaurantes.

– Pois então eu não vou mais comer fora. Vou comer em casa.

– Não tem problema, senhor. Posso trazer a conta?

– Que conta? Não vou comer nada…

– A do Fundo Suprapartidário dos Restaurantes. Comendo aqui ou em casa, o senhor tem que financiar os restaurantes.

– Por que é que eu tenho que financiar vocês?

– Porque se não financiar por bem, nós vamos conseguir o financiamento de outra forma, que é assaltando o senhor – um método também conhecido como Caixa Registradora Dois. O senhor pagar diretamente é muito mais civilizado, não acha?

– E quem me garante que eu pagando vocês não vão me assaltar do mesmo jeito?

– Ninguém, senhor. Ah, não aceitamos cartão. E os 10% são obrigatórios.

Publicado em Diálogos hipotéticos totalmente fictícios (ma non tropo).

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Por que a lista fechada é um perigo para a democracia

Lista fechada é assim. Todo partido tem chefes. Os chefes dos partidos determinam os lugares dos candidatos na lista, por ordem de submissão aos seus desígnios. Veja as consequências:

1 – Quem diverge dos chefes, ocupa os piores lugares da lista e nunca é eleito.

2 – Os partidos, na prática, são substituídos pelos chefes.

3 – Os chefes de todos os partidos se reúnem em um condomínio e determinam o que deve e o que não deve ser aprovado no parlamento. O parlamento vira mera casa homologatória. A isso se chama partidocracia.

4 – O representante eleito que votar contra o que quer o chefe do seu partido é excluído: é expulso ou vai para o último lugar da lista na próxima eleição. Isso hierarquiza ainda mais os partidos, que já não são democráticos internamente.

5 – O eleitor, por sua vez, não pode mais votar no seu candidato: todo voto passa a ser um voto na legenda, quer dizer, no partido. Como todo partido tem dono, os eleitores vão votar sempre nos donos dos partidos (pois são eles que vão determinar quem vai ser eleito e quem não vai).

6 – Ninguém saberá mais em quem votou. Tudo isso afasta ainda mais o representante do representado e acaba impondo uma dinâmica autocratizante no parlamento e derruindo a democracia.

7 – A lista fechada, juntamente com a fidelidade partidária e o financiamento exclusivamente estatal de campanha, leva diretamente à partidocracia. Instituir a partidocracia equivale a dar um golpe na democracia.

Acrescente-se que, na conjuntura atual, a lista fechada é uma espécie de tábua de salvação para os políticos que estão sendo denunciados e processados. Mantido o foro privilegiado, é a oportunidade de ouro para que os que cometeram crimes consigam escapar, na prática, da justiça: julgamentos no STF ou no STJ vão demorar mais de 10 anos para acontecer e ainda podem acabar prescrevendo. Os atuais mandatários que estão enrolados vão tentar de todo jeito aprovar a lista fechada para conseguir um lugar no topo das listas de seus partidos, serem reeleitos e, assim, escapar da justiça.

From Russia, With Oil

A chamada direita