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Para o governo Bolsonaro dar certo

Tenho afirmado que os democratas devem torcer para o governo Bolsonaro dar certo. E que, do ponto de vista da democracia, para o governo Bolsonaro dar certo, o bolsonarismo tem que dar errado. Muita gente me perguntou o que entendo por “dar certo” e por “dar errado”. Então vou resumir abaixo, em 10 pontos, as condições para o governo Bolsonaro dar certo e o bolsonarismo dar errado.

1 – Defesa da Constituição de 1988 e abandono, na prática (pois, na palavra, o candidato que foi eleito já negou) da tese de uma nova Constituinte (inclusive por meio da elaboração de uma proposta de Constituição a ser feita por um grupo de notáveis para ratificação pelo Congresso, para ser aprovada por plebiscito ou para ser chancelada por referendo). Não interferência nas regras do Supremo Tribunal Federal visando abrir espaço para nomear mais ministros alinhados ao governo.

2 – Compromisso com o Estado Democrático de Direito, condenação de qualquer tipo de auto-golpe e defesa explícita do Estado laico. Comportamento governamental compatível com o princípio de que o Estado e o governo devem estar a serviço de toda a sociedade – com toda a sua diversidade de opiniões, crenças, valores e costumes – e não apenas de parte da sociedade que adere à narrativa ideológica de uma suposta “civilização ocidental cristã” (que valoriza a família monogâmica, cultua a pátria e teme a um deus capaz de intervir na história ou na política) contra a qual haveria uma conspiração comunista mundial. Abandono, no discurso e na prática, da associação automática entre crime, corrupção e ideologia comunista e renúncia à visão de que o combate às visões ideológicas julgadas perversas será o mesmo combate aos crimes. Compromisso, na prática, com a liberdade de imprensa, com a recusa e a condenação de qualquer tipo de coação sobre veículos de comunicação que criticam o governo (sobretudo usando critérios político-ideológicos para distribuir verbas públicas destinadas à comunicação governamental).

3 – Renúncia, na prática, à tese da guerra cultural (entre crenças, valores, costumes, cuja adesão cabe à decisão privada dos cidadãos) e comportamento governamental que expresse o princípio de que a democracia aceita a legitimidade e valoriza a diversidade de crenças, valores e costumes e não cabe ao Estado e ao regime político (muito menos ao governo) dizer quais dessas convicções privadas – desde que não atentem concretamente às leis e aos direitos humanos – são melhores ou piores, nem impor algumas sobre as outras com base em critérios de força ou de maioria e minoria. Compromisso com a não redução de direitos e das liberdades civis e políticas das chamadas minorias.

4 – Apoio à Lava Jato como operação jurídico-policial normal do Estado de Direito, com a renúncia a qualquer estímulo à demonização da política, de pregação da antipolítica, de restauracionismo jacobino, de instrumentalização política da operação Lava Jato, de incentivo ao desequilíbrio entre os poderes da República com a desvalorização do legislativo (a pretexto do Congresso ainda estar cheio de corruptos ou comunistas) em relação ao executivo.

5 – Reconhecimento, na prática, da legitimidade das oposições que atuem dentro das normas do Estado de direito e comportamento governamental condizente com o princípio de que não há democracia sem oposição, com a renúncia a qualquer ação governamental, direta ou indireta, que tenha por objetivo destruir ou desidratar – a não ser pelo embate político legítimo nos fóruns competentes – a oposição.

6 – Garantia da lei e da ordem pelo que reza a Constituição, com a recusa de toda interferência, na política, das Forças Armadas e de outras instituições encarregadas do uso legal da força (mesmo que a pretexto de fazer valer a vontade popular que elegeu o presidente da República). Abandono de todo elogio a ditadores e torturadores brasileiros ou estrangeiros. Abandono de qualquer proposta que premie e incentive a violência policial. Recusa à qualquer tipo de xenofobia e de fundamentalismo nacionalista (mesmo que disfarçado de patriotismo). Garantia de que o Itamaraty atuará sem critérios ideológicos de direita (para, supostamente, contrabalançar a ideologização de esquerda verificada durante os governos do PT).

7 – Preservação da moeda e garantia das reformas de modernização do Estado promovida nos últimos dois anos (inclusive a reforma trabalhista) para que o país reencontre o caminho do crescimento (e compromisso com o envio ao Congresso da proposta de reforma da Previdência ainda no início do mandato). Abandono de qualquer proposta que acabe com (ou reduza) a independência do Banco Central e a autonomia relativa dos bancos estatais, subordinando-os a um superministério da economia (que teria por objetivo garantir o alinhamento da política econômica às diretrizes do governo).

8 – Renúncia, na prática, a qualquer tipo de controle estatal da expressão artística, mesmo a pretexto de combater a zoofilia, a pedofilia, a sexualização precoce ou a indução ao gayzismo (que afetaria as crianças).

9 – Renúncia, na prática, a qualquer tipo de intervenção estatal no ensino escolar a pretexto de coibir a doutrinação comunista ou de qualquer ideologia e o proselitismo partidário da esquerda ou da direita em sala de aula.

10 – Abandono da proposta de armamentismo popular (com permissão generalizada do porte de arma nas ruas) como política de segurança pública (o que não se confunde com o direito das pessoas de adquirir e possuir uma arma – direito que também não pode ser confundido com a facilitação abusiva ou o estímulo e incentivo à compra de armas no varejo).

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