in

Pauta para a transição democrática

Um resumo

A saída do PT do governo federal – sinal de que a nossa democracia afinal conseguiu manifestar sua vitalidade – deve ser encarada como primeiro passo de uma transição democrática. Para todos os efeitos trata-se de restabelecer o curso do processo de democratização que foi enfreado pelo lulopetismo com a introdução de medidas autocratizantes.

As medidas autocratizantes que foram tomadas na última década devem ser corrigidas por medidas democratizantes. Eis os pontos críticos de uma pauta para a transição democrática que devem ser priorizados:

1 – Apoiar decisivamente a operação Lava Jato. No Brasil da última década houve várias tentativas de degeneração das instituições e de perversão das práticas republicanas, seja pela corrupção, seja pela privatização partidária da esfera pública, seja pela alocação não-transparente de recursos de toda ordem para financiar ou apoiar projetos (antidemocráticos) de conquista de hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado por um partido. É claro que tudo isso não vai se resolver apenas com uma (eventual) troca de governo. Será necessário conferir à operação Lava Jato uma dimensão política parecida com aquela que adquiriu a operação Mani Pulite (Mãos Limpas), que ocorreu na Itália na década de 90 (impedindo, entretanto, que seu desfecho seja semelhante). Além do que já está sendo realizado pela Lava Jato e por outras operações conexas do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal é necessário fazer um levantamento minucioso desses ataques à democracia (ver Anexo 1).

2 – Dissolver os quistos partidários instalados nas instituições do Estado. Instituições reais têm estruturas e dinâmicas próprias, que se materializam em regras, costumes e culturas organizacionais particulares. Tudo isso faz parte da sua natureza; ou seja, sem isso não temos, na verdade, instituições. Se convertemos as instituições em palcos de disputa maioria x minoria, degeneramos tais instituições transformando-as em extensões partidárias. Neste caso, das instituições (públicas) resta apenas a casca: seu funcionamento vira mera encenação de decisões que já foram tomadas em outro lugar (privado). Assim, é necessário identificar e remover imediatamente esses quistos partidários (militantes e clusters de militantes incrustados no Estado) que atuam objetivamente como agentes da degeneração institucional.

3 – Cortar o financiamento público da chamada mídia alternativa. Trata-se, sobretudo, da “rede suja” de sites, blogs e outras publicações a serviço do PT. Esses veículos não podem mais ser alimentados por publicidade, patrocínio ou por outros meios, por parte de órgãos do governo, do Estado, de empresas estatais e de instâncias para-estatais (ver Anexo 2).

4 – Reestatizar as agências reguladoras que foram governamentalizadas para colocá-las à mercê do partido do governo e de seus aliados.

5 – Restabelecer a prestação pública de contas para as centrais e outros órgãos sindicais (em tudo que abranja recursos arrecadados compulsoriamente pelo poder público).

6 – Rever toda a coleção normativa que rege os Fundos de Pensão e o Fundo de Amparo ao Trabalhador de modo a coibir seu uso como aparelhos de organizações privadas para travar lutas em prol do controle do Estado.

7 – Rever os critérios de financiamento, fomento, apoio ou patrocínio de órgãos estatais às organizações da sociedade civil. Inclusive o Decreto 8.726 de 27 de abril de 2016, que regulamenta a lei 13.019 de 31 de julho de 2014 (e tanto a lei quanto o decreto precisam ser revistos pelo próximo governo ou pelo que lhe suceder).

8 – Revogar o Decreto 8.243 (que institui a Política Nacional de Participação Social). Este decreto “não pegou” em razão da resistência democrática da sociedade. Deve ser agora formalmente revogado.

9 – Reformar o PNDH 3 – Programa Nacional de Direitos Humanos (no sentido de impedir que os direitos humanos possam ser usados como arma na luta político-ideológica de grupos privados que almejam conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir da ocupação do aparelho de Estado).

10 – Revogar o Decreto 5.298 (que institui uma Força Nacional de Segurança Pública, chamando-a eufemisticamente de “programa de cooperação federativa”, como organização militar centralizada e subordinada ao governo e não como órgão de Estado) e não permitir a articulação de guardas nacionais de caráter pretoriano (isso deve ser objeto de emenda constitucional). Este é um desafio mais difícil de ser enfrentado, depois que a oposição dormiu no ponto e deixou que fosse aprovada tal medida – ainda de 2004 – proposta pelo Consiglieri Thomaz Bastos. Mas deve-se no mínimo alterar – por meio de um novo decreto – a inserção institucional dessa força militarizada, retirando-a do âmbito do poder executivo.

11 – Retomar a tradição da política externa brasileira de não-alinhamento ideológico (sobretudo rever radicalmente a atual política de apoio à protoditaduras e ditaduras e repelir qualquer tentativa de formação de blocos político-ideológicos e militares que almejem reeditar a guerra fria). Não aderir a qualquer articulação regional (como o bolivarianismo latino-americano), hemisférica (Sul x Norte) ou mundial (sobretudo como a que a neoditadura russa de Putin está tentando capitanear), que pretenda reeditar a guerra fria e a velha política de blocos em nome de combater algum suposto império do mal, o capitalismo internacional, a globalização transnacional etc.

12 – Bloquear qualquer proposta de reforma do sistema eleitoral que vise estabelecer uma espécie de partidocracia (como o voto em lista fechada e pré-ordenada, a fidelidade partidária e o financiamento exclusivamente estatal de campanha). Os principais pontos de uma reforma política necessária e urgente são: o fim da reeleição, a cláusula de barreira, o voto distrital e o parlamentarismo.

13 – Desarmar as tentativas do PT de erigir um governo paralelo após o impeachment de Dilma e de transformar o Palácio da Alvorada numa espécie de bunker da resistência autocrática ao Estado democrático de direito. Isso apontaria para uma espécie de dualidade de poder (mesmo que apenas no plano simbólico) incompatível com a normalidade institucional do país.

14 – Começar uma campanha de pacificação do país. Para tanto, apoiar as iniciativas da oposição popular de impedir que se instale no Brasil um clima de guerra civil fria de longa duração, com o espalhamento da inimizade política a partir dos focos de resistência autocrática que o PT continuará mantendo nos governos estaduais e nas prefeituras ocupadas por ele e pelos demais partidos estatistas aliados, nos sindicatos, centrais e associações profissionais, nos incorretamente chamados movimentos sociais (que funcionam como correias de transmissão do partido), nos meios artísticos e culturais (que foram ganhos, quando apenas a ideologia não funcionou, com financiamento público via renúncia fiscal), nas ONGs que passaram a atuar na última década como verdadeiras organizações neo-governamentais (financiadas também com dinheiro público), nos veículos de comunicação de uma “rede suja” financiada ainda com recursos públicos (sobretudo via patrocínio de estatais), nas áreas de ciências humanas das universidades e em alguns escritórios de advocacia (que seguem a linha do falecido Consiglieri Marcio Thomaz Bastos).

A pauta proposta acima serve também como plataforma para o novo tipo de oposição – a oposição popular – que emergiu da sociedade nos dois últimos anos, a qual deve continuar exercendo a resistência democrática cotidiana no sentido de dar prosseguimento ao processo de democratização que foi enfreado pelo lulopetismo, mas que não deslanchará por si mesmo, sem a voz das ruas, simplesmente pelo fato de o PT ter sido apeado do poder (via impeachment de Dilma). Um governo de transição não poderá levar a efeito uma pauta para a transição democrática como esta sem o decisivo apoio da sociedade.

ANEXO 1

Um levantamento político, auxiliar ao que vem sendo feito pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, pode começar pelos seguintes pontos:

I – Quem ocupou e ocupa cargos de primeiro, segundo e terceiro escalão no governo e no Estado, nas empresas estatais e nas instâncias para-estatais (lista completa dos últimos 13 anos e 4 meses: é a base para as investigações seguintes).

II – Quais as organizações da sociedade civil que foram objetos de convênios ou termos de parceria nos últimos 13 anos e 4 meses, qual o montante de recursos que foram transferidos a tais entidades e a que título.

III – Quais as empresas que foram contratadas na última década pelo governo e por empresas estatais (lista completa: apenas de empresas contratadas repetidamente ou de empresas diferentes com os mesmos donos ou acionistas majoritários e para valores acima de 1 milhão de reais).

IV – Quais os veículos da chamada mídia alternativa que receberam recursos públicos por meio de publicidade, patrocínio ou por outros meios, de órgãos do governo, do Estado, de empresas estatais e de instâncias para-estatais e quanto cada um desses veículos recebeu na última década.

V – Quais as pessoas do governo e das empresas estatais cujos nomes foram envolvidos (ou vieram à tona) em escândalos de corrupção na última década, onde elas estão empregadas atualmente e como vivem.

VI – Qual o patrimônio, declarado ou não, ou os bens em nome de terceiros porém usufruídos, das pessoas que ocuparam cargos de primeiro, segundo e terceiro escalão no governo, no Estado, nas empresas estatais e nas instâncias para-estatais, durante a última década (incluindo o patrimônio – declarado ou disfarçado em nome de laranjas – de Lula e de sua família, bem como dos principais agentes do esquema petista).

VII – Quais as disparidades entre o patrimônio e o estilo de vida das pessoas referidas no item anterior antes e depois de assumirem os cargos mencionados.

VIII – De onde vieram os recursos para pagar os advogados de defesa dos réus nos processos do mensalão e do petrolão (e quais foram os honorários cobrados por tais advogados, por acusado).

IX – Quais os nomes das pessoas que usaram cartões corporativos da presidência da República e da presidência de empresas estatais nos últimos 13 anos e 4 meses, quem foram os beneficiários desses pagamentos e qual foi o montante gasto (por titular do cartão).

X – Quem são – e onde estão – os doleiros que mantiveram relacionamentos com funcionários (de primeiro, segundo e terceiro escalão) do governo e de empresas estatais nos últimos 13 anos 4 meses e quais foram as operações realizadas com a intermediação desses doleiros. Seguir os doleiros é a chave.

ANEXO 2

Os principais veículos da chamada “rede suja” estão na imagem abaixo. Uma vez cortado seu financiamento estatal, eles se disfarçarão sob outros nomes (redirecionando seus endereços na internet) e tentarão obter financiamento privado a partir de uma espécie de “banco em rede” montado pelo PT através de offshores e contas fantasmas em nome de laranjas, no Brasil e no exterior. Será preciso rastrear essa operação.

Rede suja

Deixe uma resposta

Loading…

Deixe seu comentário

Uma pauta para a transição democrática

Eduardo Emmanuel Goldstein da Cunha