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Por que o PT não é um player válido da democracia

Seis tweets – emitidos na noite de 28 e na manhã de 29 de junho de 2016 – são suficientes para expor a situação em que vivemos:

MP denuncia que a empresa Apolo pagou 7 milhões em propina a Dirceu e Duque para conseguir contrato de 450 milhões na Petrobrás. Mais uma.

Quer dizer que o dono da Hypermarcas repassou um milhão e meio de reais a José Dirceu? Mais outra. Vão somando.

Quer dizer que Vaccari pediu 30 milhões para quitar dívida de Haddad? Foi o que confessou executivo da Andrade Gutierrez à justiça.

Quer dizer que foi João Santana que lavou a propina para a campanha de Fernando Haddad pedida por Vaccari às empreiteiras do petrolão?

Quer dizer que Dilma recebeu 2 milhões nas eleições de 2014 da Cristália, investigada na Boca Livre por desvios de 180 milhões da Rouanet?

Quer dizer que as despesas da Gleisi também eram pagas com dinheiro roubado dos velhinhos da Consist?

O que dizer depois disso? É claro que poderíamos acrescentar centenas – talvez milhares – de outros tweets emitidos com o mesmo sentido somente nos últimos seis meses, sobre agentes políticos de vários partidos. Mas o PT instalou um novo tipo de roubalheira, como já foi comentado no texto Pequeno tratado sobre a corrupção política.

O PT não inventou a corrupção, nem roubou sozinho. Sua maior façanha foi ter escondido sua corrupção com propósitos estratégicos dentro da corrupção tradicional dos atores políticos.

Quando algum político pratica corrupção em um Estado de direito, deve ser punido pelas leis. Isso vale para todos os agentes, independentemente de seus propósitos e da sua filiação partidária. As penas são individualizadas e, quando sujeitos se associam para delinquir, são estendidas aos membros da quadrilha ou organização criminosa, atingindo cada um na medida das suas responsabilidades pelos delitos.

Todavia, quando não se trata mais de um indivíduo ou de um grupo pertencente a uma organização que, por algum motivo, resolveu delinquir (ou mesmo tenha se conformado com o propósito explícito de delinquir) e sim que a própria organização tenha adotado a corrupção como procedimento necessário à consecução do seu projeto como organização, como isso deve ser tratado pelo Estado democrático de direito?

É difícil, neste caso, para o Estado de direito, estabelecer uma distinção, sobretudo no que tange à percepção da natureza do delito, da sua investigação, do encaminhamento do devido processo legal e da punição dos responsáveis. Quando a corrupção é praticada sistemicamente, como método de governo, e quando ela é inerente à consecução do projeto político de uma organização cujo objetivo é abolir a democracia ou enfrear o processo de democratização, caberia então ao Estado democrático – e à sociedade – tomar medidas de autodefesa.

A distinção parece – e é mesmo – muito sutil. Podemos ter Estados de direito que não são Estados democráticos. Se todo Estado de direito pudesse ser considerado um Estado democrático, não haveria necessidade da fórmula Estado democrático de direito. Pode-se estabelecer tiranias onde todos estejam submetidos ao império da lei… do tirano! Ditaduras têm Constituições. Os procedimentos adotados pelo Estado alemão hitlerista eram sempre cuidadosamente validados por instâncias jurídicas (havia até uma obsessão em judicializar tudo no nazismo).

Vejamos o caso do PT. A corrupção sistêmica praticada pelo PT (a organização como um todo) com propósitos estratégicos (conquistar governos eleitoralmente e praticar o banditismo de Estado para financiar um esquema ilegal de tomada do tomar por dentro da institucionalidade vigente de sorte a vencer eleições sucessivamente para nunca mais sair dos governos) é diferente da corrupção com propósitos individuais ou grupais (para financiar campanhas, obter vantagens indevidas, se locupletar ou enriquecer) praticada por membros do PT (que é comum à corrupção praticada por membros de vários partidos, a rigor de todos os partidos). Que PMDB, PP e muitos outros (inclusive PSDB) sejam partidos onde a corrupção é endêmica e, até certo ponto, encarada como normal (ou aceita como parte do jogo) pelas suas direções (sejam estas apenas lenientes ou coniventes com a violação da legalidade), é uma coisa. Outra coisa é quando as próprias direções partidárias transformam suas organizações em sujeitos de uma estratégia de conquista do poder contra a democracia, como é o caso do PT.

Não se tem notícia de que algum corrupto do PMDB pratique corrupção para se aliar e apoiar (e até financiar) ditaduras como Cuba, Angola ou Venezuela ou estabelecer um política externa ideológica que privilegie relações com protoditaduras bolivarianas como Nicarágua, Bolívia, Equador ou El Salvador. Não há evidências de que o PP pratique corrupção para controlar os meios de comunicação e a internet. Nunca se ouviu dizer que o PTB ou o PROS se organizaram para cercar a institucionalidade vigente com instâncias participativas controladas por movimentos sociais que atuam como correias de transmissão do partido. Nenhum desses partidos corruptos (no sentido de infestados por políticos corruptos) tem como objetivo, ao praticar a corrupção, conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido.

É difícil perceber tudo isso, mas não impossível. Ao praticar sua corrupção o PT está, em parte, fazendo o que todos fazem (como declarou Lula em Paris no final de 2005, orientado pelo Consigliere Thomaz Bastos): financiar campanhas para eleger e reeleger seus membros e aliados, aumentar o patrimônio de seus membros, enriquecê-los ou ensejar ou facilitar que eles se deem bem na vida. Mas, em outra parte, não! Em outra parte o PT está fazendo o que ninguém faz (a não ser os partidos estatistas e antidemocráticos subordinados ao PT, como o PSOL, o PCdoB e outros menores, que nem são particularmente reconhecidos por serem corruptos). Nenhum dos demais partidos do nosso sistema representativo praticam corrupção para fazer o que está descrito no parágrafo anterior. Verifiquem. Não tem erro!

O caso do PT (e, em alguma medida, de seus subordinados) é absolutamente inédito na nossa história política. Não no que seus membros corruptos repetem do que os membros de outros partidos corruptos fazem. Um Zé Dirceu fez o que um Cunha faz. Como indivíduos corruptos e corruptores, não há novidade aqui. Onde está a diferença? A diferença está no que os dirigentes petistas fizeram para implementar uma estratégia de poder. A diferença – e o maior perigo para a democracia – está, paradoxalmente, no que um Zé Dirceu (e um Delúbio, um Paulo Teixeira ou um Vaccari) faz quando não pratica a corrupção movido por interesses egotistas, individuais (para se eleger, reeleger, se locupletar ou se dar bem na vida). Este, aliás, foi o conflito entre Celso Daniel e a turma de Dirceu e outros bandidos na prefeitura de Santo André: diz-se que Celso foi morto por querer praticar apenas a corrupção sistêmica, para financiar o partido, enquanto que os demais, que o capturaram, torturaram e mataram, queriam também praticar a corrupção tradicional da política (com o que ele, Celso, não concordava). A diferença está no que eles fazem para cumprir os propósitos do partido que adotou a via da “revolução pela corrupção”.

As evidências são muitas. O PT tem hoje quase a totalidade dos seus presidentes (Lula, Gushiken, Genoino, Dirceu) e tesoureiros (Delúbio, Teixeira, Vaccari) condenados, presos ou investigados. Tem o seu principal líder (Lula), investigado e às vésperas de ser condenado em primeira instância e encarcerado. Tem seus principais dirigentes que ocuparam posições nos governos anteriores (ou mesmo que nunca ocuparam cargos em governos do partido) denunciados, investigados ou suspeitos (a lista é imensa, com centenas de pessoas: vai de Silvinho, passando por Paulo Bernardo, Palocci, Berzoini, Edinho, Mercadante, Wagner, Okamotto… até Dilma).

Como alguém é capaz de não perceber o peso e o significado de tais evidências? São evidências de que não havia apenas pessoas que se associaram para delinquir dentro do PT montando organizações criminosas (tal como caracteriza a lei), mas de que o PT se transformou, ele próprio, em uma organização criminosa (coisa que a lei não capta adequadamente). Não é que o PT violou apenas o Estado de direito. É que ele violou o Estado democrático na medida em que seu propósito ao cometer os milhares de crimes que cometeu e continua cometendo é, em parte, alterar a natureza democrática do Estado, aparelhando-o de cima a baixo, degenerando as instituições, abolindo na prática a independência dos poderes, desativando os mecanismos de checks and balances para deprimir o sistema imunológico da democracia representativa e pervertendo a política como uma guerra para tomar posições de poder com o objetivo precípuo de controlar a sociedade. Convenhamos, isso não é nada parecido com o que fazem os tradicionais partidos corruptos, como o PMDB e o PP.

Todos os corruptos devem ser punidos de acordo com a lei. Não importa a que partido eles pertençam. Mas no caso do PT parece óbvio que não basta apenas punir os seus corruptos. A própria organização partidária deve ser desbaratada, de acordo com a lei, por ser uma organização criminosa e, mais, por ser uma organização antidemocrática. Como a lei não prevê outros mecanismos, mais eficazes, de defesa do Estado democrático, o caminho será mesmo o de punir individualmente os membros do PT que praticaram corrupção (lato sensu, para englobar toda a gama de crimes cometidos por petistas, quer em benefício próprio, quer para cumprir os desideratos estratégicos do partido). Com uma exceção, porém: a lei prevê a extinção do registro partidário. Mas a lei que prevê isso é inepta para enfrentar a ameaça de partidos como o PT à democracia.

A chamada Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096 de 19 de setembro de 1995) aboliu as exigências do artigo 141 da Constituição de 1946, que dispunha que “é vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político cujo programa ou ação contrarie o regime democrático…”.

Restou na Lei 9.096 (de acordo com a atual Constituição Federal), como hipóteses de cancelamento de registro de partidos políticos, apenas o seguinte:

Art. 27. Fica cancelado, junto ao Ofício Civil e ao Tribunal Superior Eleitoral, o registro do partido que, na forma de seu estatuto, se dissolva, se incorpore ou venha a se fundir a outro.

Art. 28. O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado de decisão, determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado:
I – ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira;
II – estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros;
III – não ter prestado, nos termos desta Lei, as devidas contas à Justiça Eleitoral;
IV – que mantém organização paramilitar.

Observe-se – como escreveu Vinicius de Oliveira (analista do judiciário do TRE-MG) –

que nem o legislador constitucional, nem o ordinário cuidou da hipótese de proscrever os partidos que preguem em seus estatutos, ações ou programas que neguem a própria democracia, o pluripartidarismo, ou que propugnem a ditadura. Em suma, um partido com ideais anti-democráticos é legítimo e pode ser registrado, o que não ocorria sob a ordem constitucional de 1946… Também não é hipótese de cassação do registro de partido político o financiamento partidário irregular através de “caixa dois”, recebimento de recursos de origem vedada, etc.

Assim, nosso arcabouço legal para tratar de ameaças ao regime democrático como a representada pelo PT é claramente insuficiente. Ainda porque o PT não precisa declarar nada do que faz para autocratizar a democracia brasileira. Pode simplesmente fazer tudo que pretende fazer declarando, inclusive, o oposto: dizendo que está lutando por uma verdadeira democracia et coetera.

Nestas circunstâncias cabe à sociedade pressionar as instituições para que apliquem as leis existentes, desmontando a máquina partidária de grão em grão, pela via da punição dos seus membros que delinquiram. O problema é os que não delinquiram, no sentido de terem cometido crimes identificáveis pelas leis, mas cuja atuação permite que a organização continue funcionando como um player válido da democracia, quando ela não o é mais.

É claro que há sempre a “punição” da sociedade via eleições. Se as pessoas não votam nos candidatos do partido (mesmo naqueles tido por honestos, o que é difícil – de vez que o voto é sempre em pessoas), a organização tende a definhar. Mas este caminho é longo: o PT pode virar uma espécie de PCdoB e sobreviver por muito, muito tempo ainda. Ou seus membros podem migrar para outras legendas menos “queimadas” (como a tal Rede da oportunista Marina).

De qualquer modo, as ruas acertaram quando – em 15 de março, em 12 de abril e em 16 de agosto de 2015 e em 13 de março de 2016 – levantaram a bandeira – ao lado do Fora Dilma (impeachment) e do Fora Lula (ou Lula na cadeia), o Fora PT (exigindo a extinção do partido que se transformou em uma ameaça à democracia). Sim, depois de tudo que estamos vendo, é forçoso concluir que o PT não é mais um player válido da democracia.

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