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Qual o problema de Lula ser candidato? Não seria melhor que ele fosse logo derrotado pelo voto, destruindo o mito?

Fizeram um carnaval com tantas investigações, acusações, delações, inquéritos, processos, condenações, prisões e recuperações de dinheiro roubado, mas, no final, Lula está solto (e não será preso no próximo ano), continua chefiando a organização política criminosa (que não foi desbaratada), o PT (abatido nas ruas, nas mídias sociais, no parlamento e nas urnas de 2016) se recuperou e, caso não aconteça nada de extraordinário, o seu chefe máximo será o candidato com chances de voltar ao poder.

Ou seja, está acontecendo a única coisa que não poderia ter acontecido: o partido responsável pelo maior assalto ao Estado da história universal, ameaça voltar ao governo para concluir sua obra antidemocrática de bolivarianização (ou lulopetização) do Brasil. E mesmo que não volte, continuará com poder para desestabilizar qualquer governo. Devemos dar os parabéns à turma da limpeza, aos jacobinos, aos cruzados do bem que queriam varrer toda a sujeira do mundo. Vejam em que situação vocês nos colocaram.

Mas a candidatura de Lula (não a sua eventual vitória eleitoral) é a maior ameaça imediata à nossa democracia. Quem não entendeu isso, não entendeu nada.

Essa história de que o TRF-4 julgará Lula em segunda instância até agosto de 2018, não diz nada. Vejam o calendário eleitoral (que ainda pode ser alterado pelo TSE):

Calendário Eleitoral

Se o calendário acima for mantido, isso significa, salvo engano, que a candidatura de Lula pode ser registrada em 23 de julho de 2018 (o primeiro dia útil após a provável convenção de domingo 22 de julho que o escolherá como candidato). O dia 15 de agosto é a data final, não a inicial. Ou seja, se o TRF-4 julgar Lula depois de 23 de julho, ele poderá ser candidato. Sub judice, mas quem vai ligar para isso no meio de uma campanha totalmente polarizada e radicalizada?

E mesmo que o TRF-4 julgue Lula antes de 23 de julho (o que é improvável), mesmo assim cabem recursos. Os advogados de Lula podem, talvez, entrar no TSE pedindo um efeito suspensivo da condenação para fins eleitorais (essa possibilidade deve ser confirmada, aqui é uma mera especulação). Eles podem conseguir uma liminar no STJ. Caso seja negada, podem pedir outra liminar ao STF. Em todo caso, uma guerra jurídica acontecerá. E é improvável que Lula, já tendo começado a campanha como candidato oficial, seja obrigado a paralisá-la enquanto seus recursos estão tramitando em qualquer instância judicial.

Não adianta Lula ser condenado mais duas ou três vezes em outros processos. Será tudo condenação em primeira instância e os prazos para julgamento em segunda instância serão ainda maiores.

A não ser que ocorra um evento extraordinário, Lula será candidato. Só não será se não quiser. E ele quer, porque sabe que essa é a única maneira de escapar da justiça.

Mas qual o problema de Lula ser candidato? Não seria melhor que ele fosse logo derrotado pelo voto, destruindo o mito?

Não, não seria. Vou repetir os argumentos já publicados no artigo O que acontecerá se Lula for candidato.

Se Lula for candidato (atenção: se ele for candidato, não se vencer a eleição):

1 – Será quase impossível que ele – Lula – seja preso tendo já começado a campanha. Seria um escândalo internacional e nenhum argumento jurídico desconstituiria a falsa narrativa de um segundo golpe das elites, agora para impedir a legítima eleição democrática do filho do povo. Ora, Lula é o chefe da organização política criminosa que dirige de fato o PT: se ele continuar solto, a organização continuará atuando (pois até agora ela não foi desbaratada) e ameaçando a nossa democracia.

2 – Permitirá uma reaglutinação de forças sociais em torno do PT (que haviam sido perdidas desde 2013 e notadamente em 2015 e 2016, no processo do impeachment, quando o partido foi derrotado nas mídias sociais, nas ruas, no parlamento e nas urnas). Mesmo que Lula perca as eleições, a sua campanha eleitoral tende a recolocar o PT como o principal partido do país. E os militantes e simpatizantes que estão presentes na universidade (sobretudo nas áreas de humanas das federais, mas não só), nos grandes meios de comunicação e na chamada mídia alternativa (como os sites e blogs da rede suja), nos ambientes artísticos e culturais, na CNBB, nos organismos internacionais do sistema das Nações Unidas e similares, nos movimentos sociais, nas entidades sindicais e associativas, na burocracia das empresas estatais e, sobretudo, nos seus fundos de pensão, nas organizações não-governamentais, nos escritórios de advocacia e em vários órgãos do Estado (inclusive no ministério público e nos tribunais de justiça, nas agências reguladoras, nos órgãos da administração direta e indireta) – todos esses ganharão força para passar à ofensiva e para reconquistar milhões de pessoas que não têm participação política mas que votaram em Lula e Dilma na última década.

3 – Vincará a sociedade de cima a baixo, destruindo aceleradamente nosso capital social (será semelhante à campanha adversarial de Dilma em 2014, porem elevada à enésima potência). Uma campanha com Lula candidato (agora ou em 2018) será, para todos os efeitos, uma guerra civil fria capaz de atrasar, talvez em décadas, o processo de democratização no Brasil (que depende dos níveis de confiança ampliada socialmente).

4 – Elegerá um número expressivo de deputados federais e estaduais da legenda e da coligação Lula de volta nos braços do povo, reequilibrando a correlação de forças nos parlamentos e, dificultando sobremaneira a vida de qualquer governo eleito que não for do PT e de seus aliados. A não ser que Lula sofra uma derrota acachapante (o que é improvável), o mandato de um futuro presidente qualquer não-petista será devastado por um prolongamento da guerra civil fria iniciada na campanha e será marcado por obstrução, oposição sistemática, sabotagem e investimento no caos político e social. Não haverá trégua.

5 – Caso o financiamento de campanha seja exclusivamente estatal ou permaneça proibida a participação empresarial, o PT será, de longe, o partido com mais recursos (pois até agora não foram recuperados os frutos de uma década de crimes, que estão guardados em contas secretas, no Brasil e no exterior, em nome de laranjas e de offshores).

6 – Na ausência de uma candidatura democrática viável, poderá nos levar ao pior dos mundos: uma disputa entre dois autocratas, Lula (de esquerda) x Bolsonaro (de direita). Essa disputa, em si, independentemente do seu resultado, provocará um retrocesso democrático de grandes proporções na sociedade.

Tudo isso se Lula for apenas candidato. Mas pode acontecer o pior…

7 – Na eventualidade de uma polarização Lula x Bolsonaro, Lula será eleito (com folga). Mas, seja por essa via ou por outra qualquer, um terceiro mandato de Lula não poderá mais se exercer nos marcos da democracia (não, pelo menos, como a conhecemos no Brasil nos últimos 30 anos). Os democratas seremos implacavelmente perseguidos e o PT – tendo aprendido com seus erros – acelerará o processo de bolivarianização do nosso regime político.

Mas mesmo que Lula não seja eleito (em razão da sua alta rejeição, aumentada com a condenação em vários processos em primeira instância), não terá poucos votos. Se ele tiver 20% dos votos e não passar para o segundo turno, mesmo assim elegerá uma grande bancada parlamentar federal, alguns governadores e um número expressivo de deputados estaduais.

E, enquanto isso, terá ganho mais um ano e meio solto, para preparar a transição da chefia da organização política criminosa que dirige de fato o PT (e até, quem sabe, para fugir do país, mas isso não é tão importante). A questão é: a organização política criminosa não será desbaratada. Continuará viva, atuante e forte, pendendo como espada sobre as nossas cabeças e fazendo-nos mergulhar numa guerra civil fria durante a próxima década.

Em parte, a responsabilidade por isso é da nossa Constituição, que não prevê crimes políticos (contra a democracia). Em parte, porém, a culpa é dos cruzados que queriam limpar o mundo e confundiram a corrupção estratégica, com objetivos de poder, praticada pelo PT, com a corrupção tradicional, endêmica na política.

Será, também, uma consequência imediata do frustrado Fora Temer dos que urdiram a armação Janot-Fachin-Globo. Ao voltar todas as suas baterias para desestabilizar e depor o governo constitucional, os irresponsáveis foratemeristas ressuscitaram o PT como alternativa eleitoral e desviaram a atenção da questão central, do maior perigo de todos para a nossa democracia, que é a existência de uma força política autocrática organizada e socialmente enraizada, com estratégia formulada, com narrativa ideológica estruturada e disseminada em amplos setores da sociedade.

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