Uma síntese
A política é um tipo de interação entre seres humanos, quer dizer, entre os entes sociais que chamamos de pessoas.
Nem o ser humano propriamente dito (a pessoa, não o exemplar da espécie Homo Sapiens ou do gênero Homo – que é humanizável, mas só se torna humano quando humanizado pela interação com outros humanos) é um animal, nem existe nada como um Zoon Politikón (o animal político inventado por Aristóteles). A política acontece no entre-os-seres-humanos, ou seja, não existe uma substância política original.
Esse tipo de interação enseja que os humanos possam se conduzir socialmente (ou se auto-conduzir) sem terem um senhor, sem serem escravos nem súditos de ninguém (*), a partir do livre-proferimento de suas opiniões. Isso foi chamado de democracia, a política que tem como fim a liberdade (e não a ordem).
Não é necessário – conquanto seja desejável – que os humanos que interagem na comunidade política sejam iguais do ponto de vista sócio-econômico. Assim, pode haver desigualdade sócio-econômica e, mesmo assim, a democracia se exercer, mas o que não pode haver é desliberdade, isto é, desigualdade política.
A democracia também não exige que seus interagentes sejam virtuosos, nem que tenham as mãos limpas. Não é um sodalício de seres puros, retos e perfeitos, como queriam os pitagóricos (e por isso eles eram autocratas, não democratas). É apenas um modo não-guerreiro de regulação de conflitos em uma comunidade de seres humanos realmente existentes, que não querem – repita-se – ter um senhor, mas com todos os seus vícios, impurezas, curvaturas e imperfeições. Portanto, nada disso – dessas imperfeições humanas – ameaça de morte ou inviabiliza a democracia, senão a vontade, levada à prática, de alguém (mesmo que seja o ser mais honesto e limpo do planeta, um clone de Mahatma Gandhi ou de Francisco de Assis) de estabelecer um domínio sobre a comunidade dos imperfeitos e sujos humanos.
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(*) Esta é uma das mais antigas referências à natureza da democracia dos atenienses. E surge assim definida por Ésquilo: o regime daquele povo que não tem um senhor. “Não são escravos, nem súditos de ninguém”. A peça foi produzida em 472 AEC., em conjunto com outras duas tragédias e um drama satírico (hoje perdidos), e com elas Ésquilo teria ganho o festival ateniense das Grandes Dionísias daquele ano. Os persas é a mais antiga peça de teatro de que se conhece o texto completo. É de assinalar igualmente que é das tragédias gregas clássicas a única cujo tema se baseia em fatos contemporâneos do autor e não em histórias mitológicas. A ação decorre em Susa, capital da Pérsia, por alturas da Batalha de Salamina (480 a.C.), da qual Ésquilo participou como soldado. Curiosamente, esta batalha é analisada pelo lado do inimigo dos gregos, os derrotados persas. A trama roda assim em torno do comportamento dos persas, sobretudo dos nobres persas (representados no coro, logo na abertura), de Xerxes, o rei derrotado perante sua mãe, Atossa, e o fantasma do pai, Dario.
Personagens — Coro, composto de anciãos, distinguidos por nascimento e mérito. Eram os chamados fiéis. | Atossa, viúva de Dario, mãe de Xerxes. | Mensageiro Sombra de Dario | Xerxes, rei da Pérsia, filho de Dario.
“Corifeu
Vencida Atenas, submeter-se-á toda a Grécia.
Atossa
É pois o exército dos atenienses?
Corifeu
Tal como é muitos males já causou ao medas.
Atossa
Tem eles recursos, riquezas suficientes?
Corifeu
Possuem uma mina de prata, tesouro da terra.
Atossa
São arcos e flechas que lhes armam as mãos?
Corifeu
Não; mas fortes espadas, firmes escudos.
Atossa
Quem é seu senhor? Quem lhes comanda o exército?
Corifeu
Não são escravos, nem súditos de ninguém.
Atossa
Como poderão resistir e enfrentar o inimigo?
Corifeu
Não destruíram, porventura, o soberbo exército de Dario?
Atossa
Triste presságio para as mães dos que partiram.”
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