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Quem ler?

É claro que, para se informar e analisar o cenário político, você pode – e até deve – ler todo mundo que escreve sobre o assunto com alguma consistência. É melhor, entretanto, priorizar os não-religiosos, ou seja, os que não assumiram a missão de levar ao mundo uma nova visão e converter as pessoas para sua causa, seja a do marxismo, do marxismo-leninismo ou do marxismo-gramscismo, seja a do liberalismo-econômico, seja a do liberal-conservadorismo, seja a do conservadorismo (em toda as suas vertentes, das mais filosóficas às mais boçais).

Sobra alguém? Sim, sobra muita gente. Não para seguir (posto que não-religiosos não almejam arrebanhar seguidores), mas para ler mesmo. Para dar um exemplo, eu prefiro ler gente como (em ordem alfabética, mas a lista não é exaustiva):

Augusto Nunes

Demétrio Magnoli

Diego Escosteguy

Diogo Mainardi

Dora Kramer

Fernando Gabeira

Guilherme Fiuza

José Nêumanne Pinto

José Roberto Guzzo

Luiz Carlos Azedo

Marco Antonio Villa

Merval Pereira

Nelson Motta

Ruy Fabiano

Gostava também de ler – e por isso faço-lhes aqui uma menção especial – os falecidos Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro e Reinaldo Azevedo (o de antes da prisão de Marcelo Odebrecht – sim, o Reinaldo que veio depois está vivo ainda, mas uma parte dele já morreu quando decidiu salvar o establishment a qualquer preço sob o pretexto do legalismo, demonizar a força tarefa da Lava Jato e o juiz Moro e servir como uma espécie de assessor de imprensa de Gilmar Mendes).

Ou seja, não é necessário, para ler notícias e análises não ideologizadas ou falsificadas pela esquerda, ler os ideólogos que se dizem de direita, como os liberais-econômicos (mas não tão liberais políticos), os liberais-conservadores e os conservadores hard core (como os autocratas religiosos ou laicos, os militaristas e os anticomunistas que continuam na vibe da guerra fria).

É claro que há exceções: por exemplo, vale sempre a pena ler liberais-conservadores sérios e com alguma substância, como Luiz Felipe Pondé e João Pereira Coutinho, mesmo não concordando com eles. Outras exceções são o Alexandre Borges e o Rodrigo da Silva, que também valem a pena ser lidos. Mas, em geral, a turma abaixo não tem grande compromisso com a democracia (no sentido forte do conceito, tal como a tomo: como processo de democratização ou de desconstituição de autocracia). Em ordem alfabética (e a lista abaixo não é exaustiva):

Alexandre Borges

Bia Kicis

Bruno Garschagen e a turma do Instituto Mises Brasil (Helio Beltrão, Adriano Gianturco, André Santa Cruz, Antony Mueller, Claudio Zepeda, Fabio Barbieri, Fernando Ulrich, Geanluca Lorenzon, Leandro Roque, Mariana Abreu, Rodrigo Marinho, Ubiratan Iorio e outros).

Claudio Tognolli

Felipe Moura Brasil

Flavio Morgenstern e a turma do Senso Incomum (Bruna Luiza, Flavio Quintela, Flavio Gordon, Guilherme Macalossi, Paula Rosiska, Rodrigo Gurgel, Filipe Martins, Marcel Dias, Alex Catharino, Carlos Ramalhete e outros)

João Pereira Coutinho

Joice Hasselmann

Luciano Ayan

Felipe Pondé

Marcelo Faria e a turma do Ilisp (Camilo Caetano, Leandro Tognolli, Rafael Cury)

Olavo de Carvalho

Rachel Scheherazade

Rafael Rosset e a turma do Implicante

Rodrigo Constantino e a turma do Instituto Liberal (Roberto Gomides, Heitor Machado, Diego Vieira, Diego Reis)

Rodrigo da Silva e a turma do Spotniks (Joel Pinheiro da Fonseca, Ivanildo Terceiro, Felippe Hermes, Gabriel Nemer e outros).

Salvo as exceções, já mencionadas acima, ler esse pessoal é mais ou menos se incapacitar para entender a democracia. Isso não significa que essas pessoas (da lista imediatamente acima) são contra a democracia. Significa apenas que leituras recorrentes dos escritos desses autores vão desabilitando o senso crítico na medida em que colocam a assimilação de uma crença, a sujeição à autoridade de um corpo doutrinário, como condição para interpretar o que acontece. O problema dos “religiosos” que se metem na análise política é, fundamentalmente, este mesmo: eles nos empurram um corpo de crenças como filtro para transformar o caos em ordem (só que é uma ordem estabelecida pregressamente, transcendente, natural ou imanente: seja porque está de acordo com os planos divinos, seja porque deriva da natureza, seja porque se sintoniza com a marcha da história).

Por exemplo, ao ler essas pessoas você é levado a acreditar, dependendo do autor, em uma ou várias das seguintes ideias. De que o ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo e de que as pessoas (tomadas como indivíduos) se movem buscando sempre maximizar a satisfação de seus interesses ou preferências (que são, ao fim e ao cabo, egotistas). De que não é possível mobilizar a ação coletiva a não ser a partir de lideranças destacadas. De que não é possível organizar nada sem (uma boa dose de) hierarquia (e a ideia de que a hierarquia é natural). De que governar é comandar (uma força, um contingente, um exército, um povo). De que quem deve governar (dirigir o Estado, o país, a cidade e, por decorrência, a sociedade) é quem sabe mais: uma ideia (meritocrática) – platônica e antidemocrática. De que só pode haver aprendizagem se houver ensino e de que cabe às escolas – por meio do ensino – preparar as crianças e os jovens para o mundo, incutindo-lhes as noções de ordem, hierarquia, disciplina e obediência. De que as religiões têm um papel civilizatório, de domar uma suposta besta-fera humana (já que sem um deus – onisciente – tudo seria permitido). De que a democracia é apenas um modo de administração política do Estado e que é um disparate tentar democratizar a família, a escola e a universidade, a igreja, as corporações e os partidos, as organizações sociais, empresariais e estatais.

Na verdade, aos democratas interessa pouco a discussão sobre a caracterização de correntes de pensamento que almejam definir uma identidade e conquistar seguidores. No plano teórico o que interessa aos democratas é saber quais são, substantivamente, as ideias que favorecem ou dificultam o processo de democratização. As oito ideias mencionadas acima (a título de exemplo) estão sintonizadas com visões da sociedade e do ser humano que inspiram práticas anti-democráticas ou, pelo menos, não democratizantes.

Por isso é tão complicado ler pessoas que exigem que você assuma um corpo doutrinário para entender corretamente a realidade – o que é uma postura religiosa (tanto faz se a religião, no caso, será laica). Eu prefiro ler as pessoas que não fazem tal exigência, que não querem me converter a qualquer credo.

Mas qual é o problema? Não deveríamos ler tudo e julgar por nós mesmos os conteúdos, descartando o que avaliamos como inadequado e retendo o que é bom? É claro que sim. O problema é que muitas pessoas que se opuseram ao PT e que iniciaram sua atividade política a partir dos movimentos que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff, começaram a procurar o que ler para entender melhor o que está acontecendo no Brasil e até para ter argumentos para se contrapor ao que dizia a rede suja de revistas, sites e blogs do PT. Sem experiência democrática anterior e sem leituras suficientes sobre política, essas pessoas consumiram avidamente as matérias jornalisticas e analíticas dos autores citados na segunda lista acima e, sem perceber, entubaram uma visão de mundo já estruturada. Entenda-se bem: elas têm o direito de aderir a quaisquer visões de mundo, mas a questão é outra.

A questão é que para aderir à democracia ou para se opor ao projeto autocrático do PT e da esquerda, não precisamos assimilar um corpo de crenças reivindicadas pela dita direita. Ninguém precisa ser de direita para se contrapor à esquerda, ninguém precisa ser anticomunista (nos moldes da guerra fria) para se opor ao comunismo, ninguém precisa aderir a uma religião liberal-econômica (mercadocentrista) para se opor ao estatismo, ninguém precisa seguir Mises para não seguir Marx, ninguém precisa aderir aos dez princípios conservadores de Russell Kirk para refutar o leninismo ou o gramscismo, ninguém precisa ser conservador para se opor aos chamados revolucionários de esquerda (que, aliás, também são conservadores): pode, por exemplo, ser inovador.

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