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Recriando o mundo em preto e branco

O espírito do torcedor (ou do militante) continua poluindo o universo mental e impedindo o esclarecimento. Agora quem tenta mostrar que houve uma armação de Janot, Fachin e da mídia (notadamente das organizações Globo) – o que a esta altura não se pode mais negar – é acusado de estar a favor de Gilmar contra Herman Benjamin. Ou é a favor do Fica Temer e da impunidade dos corruptos. Como se pode conversar com pessoas que investem nesse tipo de falsificação?

Mas eles não param aí. Querem dividir o mundo em dois lados. Dória era bom até anteontem, mas como não aderiu ao Fora Temer, agora é inimigo. O Vem Pra Rua era bom até ontem. Mas como não convocou uma grande manifestação para apoiar a cassação de Temer no TSE, agora também é inimigo (O Antagonista até sugeriu que deveriam mudar de nome, para Fica Em Casa). O mesmo vale para o MBL e para outros movimentos que não aderiram à orquestração cujo objetivo era tirar Temer imediatamente da presidência. Por que mesmo? Eles não explicam, apenas dizem que todos os corruptos devem ser punidos, que são todos farinha do mesmo saco e outras platitudes.

E tem mais. Os tucanos que não querem desembarcar do governo agora estariam mancomunados com a organização criminosa, cujo chefe seria Temer (sim, eles esqueceram temporariamente de Lula). Portanto, agora passam também a ser inimigos. Alguns poucos analistas que não aceitamos entrar nessa farsa, somos considerados inimigos. Eles insinuam que, a despeito de nossas histórias de vida indicando o contrário, fomos comprados ou estamos a serviço da organização criminosa. E a organização criminosa deixou de ser o partido dentro do PT dirigido por Lula, Dirceu e suas turmas. Agora ela é uma designação genérica para todos que estão do outro lado.

Esses falsificadores grosseiros recriaram aquele mundo em preto e branco da guerra fria (sim, como militantes, eles são agentes da guerra, quer dizer, da autocracia, não da democracia). Ou você está do lado deles ou está do outro lado. Daqui a pouco vão inventar o cinema mudo.

À análise política cabe explicar por que surge uma indignação popular contra a corrupção, com algumas características preocupantes de cruzada do bem para limpar o mundo de todo mal. Explicar, não justificar. Quando o analista começa a justificar e achar bom um sentimento coletivo de vingança – porque avalia que só assim as coisas vão mudar – ele passa a ser um torcedor. Perde a clareza necessária para analisar os eventos do ponto de vista da democracia. Começa a vaticinar em tons apocalípticos. Pode virar um jacobino pedindo cabeças, uma atrás da outra, insaciavelmente. Já sabemos onde isso vai dar e nunca é em mais-democracia.

Analistas políticos reconhecidos embarcaram na canoa furada de Janot-Fachin e, com isso, arrastaram alguns movimentos que cumpriram um papel importante na convocação dos protestos de rua pelo impeachment. O que podemos dizer sobre isso? Bem, em primeiro lugar que esses analistas não eram tão inteligentes quanto pareciam. Em segundo lugar que os movimentos que se deixaram levar, não aprenderam a pensar com a própria cabeça. O fato é que a crise atual também está derrubando os nossos candidatos a heróis e líderes.

Isso, porém, talvez não seja tão ruim. A campanha de destruição de Temer vai acabar destruindo a reputação de boa parte do jornalistas, analistas e ativistas que aderiram a ela. A política de terra arrasada e de cortar cabeças proposta pelos jacobinos, vai também guilhotinar a cabeça dos… jacobinos. Aliás, historicamente, foi o que aconteceu mesmo com muitos dos jacobinos originais, na chamada revolução francesa.

É difícil tentar convencer as pessoas que se comportam assim porque elas simplesmente… não conversam com você. Sobretudo se adquiriram alguma fama (fruto do broadcasting, é claro, como toda fama).

Sim, as pessoas que escrevem em jornal ou têm programas de rádio ou TV se acham muito importantes para sair por aí dando sopa (ou canja). Não viram ainda que broadcasting é século 20. E eles devem mesmo se achar tão importantes que (em 90% dos casos, senão mais) não conversam com qualquer um. No Facebook, quando comparecem, publicam em páginas, não em perfis e também não interagem com ninguém em grupos. Algum dia alguns deles talvez descubram que a fama (ou a busca por ela) é uma patologia da interação.

 

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