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Seis teses furadas do bolsonarismo

Vamos expor abaixo seis teses furadas do bolsonarismo. São as teses de que criticar Bolsonaro é apoiar o PT; de que Bolsonaro é um candidato antissistema; de que ele é um remédio amargo, mas necessário; de que ele merece uma chance (pois que nunca o experimentamos); de que ele é uma espécie de Trump brasileiro; e, por último, de que a sua vitória é a única maneira de evitar uma venezuelização do Brasil.

1 – A TESE FURADA DE QUE “CRITICAR BOLSONARO É APOIAR O PT”

Petismo e bolsonarismo são, ambos, projetos populistas i-liberais (no sentido político do termo) e, como tais, são inaceitáveis para os democratas. Mas se você critica um deles, os seus adeptos dizem que você está fazendo apologia do outro. Em especial se comportam assim os bolsonaristas. Não é apenas efeito da polarização (o que seria facilmente explicável). Mesmo antes de se instalar a polarização, os democratas criticavam tanto o bolsonarismo quanto o petismo. Não porque eles sejam a mesma coisa. Não. São projetos diferentes e ambos, cada qual a seu modo, ameaçam a democracia. Sim, duas ameaças diferentes pairam sobre a democracia brasileira neste momento: a ameaça política da volta do PT ao governo e a ameaça social (ou antissocial) às liberdades, aos valores associados à convivência dos diferentes, à aceitação dos divergentes e aos direitos humanos, com a vitória de Bolsonaro. Na democracia nunca há somente dois lados (dividir assim a sociedade é característica do populismo). Tanto o petismo quanto o bolsonarismo são populismos, são i-liberais e, como tais, adversários da democracia. Como escreveu Takis S. Pappas, no artigo intitulado “Distinguishing Liberal Democracys Challengers” (Journal of Democracy, Volume 27, Número 4, Outubro de 2016), em regimes liberais “é normal que a sociedade esteja dividida entre muitas — e às vezes transversais — clivagens; a melhor maneira de lidar com essas clivagens é por meio de um debate aberto e livre, sob uma cultura política que valoriza a moderação e busca o consenso; e o Estado de direito e os direitos de minorias precisam ser respeitados. Partidos i-liberais contrastam fortemente com tudo isso. Eles veem a sociedade dividida por uma única clivagem, separando a vasta maioria do ‘establishment’; eles encorajam a polarização e rejeitam acordos; e sua crença de que representam a maior e melhor parte “do povo” torna-os propensos à intolerância em relação às minorias, impaciência com legalidades institucionais e inclinação para o majoritarismo puro”. Por isso, para os populismos i-liberais (sejam ditos “de esquerda” ou “de direita”), só existem dois lados e se você está contra um é sinal de que está com o outro. Para os bolsonaristas não se pode criticar Bolsonaro sem apoiar o PT. Ou seja, não há lugar para os democratas.

2 – A TESE FURADA DO “CANDIDATO ANTISSISTEMA”

O discurso bolsonarista diz que Bolsonaro não tem nada a ver com “tudo isto que está aí”. Embora ele tenha permanecido, por uma década, no PP – o partido mais corrupto da base do PT – sem nunca criticar Lula de verdade, vivendo, morando, viajando, comendo e bebendo, durante quase 30 anos, às custas da velha política, Bolsonaro é apresentado como antissistema. Mas quem é candidato – e foi candidato por 7 vezes consecutivas – faz parte do sistema, já aceitou implicitamente as regras do sistema e se adaptou à sua dinâmica (do contrário não teria sobrevivido e amealhado patrimônio, ainda que legal, com dinheiro público). Se Amoedo ou Boulos se apresentassem como candidatos antissistema seria mais crível – mas ainda assim, eles, como candidatos, concordaram tacitamente com as funções e disfunções que são próprias do sistema. Por outro lado, um candidato que se vende como antissistema, mesmo que seja eleito presidente da República, não tem poder para implodir o sistema (que é o que deveria fazer um agente antissistema), nem para reformá-lo de chofre a partir do governo. O establishment é composto por um conjunto interligado de instituições estatais – executivas, legislativas e judiciárias – com relativa autonomia e independência, que não podem ser comandadas pelo chefe de governo. Além disso, dele fazem parte instituições da sociedade e do mercado, como os meios de comunicação, o sistema financeiro e milhares de organizações sociais e empresariais. Seria necessário desconstituir as relações que dão organicidade ao sistema, o que não pode ser feito apenas com base na vontade política do governante, muito menos se ele não tiver maioria qualificada no parlamento para aprovar alterações na Constituição. Em regimes democráticos não é possível implementar um projeto político antissistema a não ser no longuíssimo prazo, a partir de consensos formados progressivamente, pela prática cotidiana da política. A não ser que se quebre a institucionalidade vigente, violando o Estado de direito: mas aí será golpe, seguido inevitavelmente de guerra, e não estaremos mais no terreno da política (democrática).

3 – A TESE FURADA DO “REMÉDIO AMARGO”

Eleitores envergonhados de Bolsonaro andam dizendo que ele é um remédio amargo, mas necessário para evitar que o Brasil vire uma Venezuela. É uma bobagem. Não é remédio, assim como Le Pen não seria remédio para a França, Orban não foi remédio para a Hungria, Erdogan não foi remédio para a Turquia. Do ponto de vista da democracia, os populismos-autoritários, i-liberais e majoritaristas, são venenos: não remédios.

4 – A TESE FURADA DE QUE “ELE MERECE UMA CHANCE”

Os bolsonaristas dizem que “o PT a gente já conhece, mas Bolsonaro não: portanto, ele merece uma chance”. A tese é furada porque não se pode dar uma chance ao populismo-autoritário de Bolsonaro só porque não o experimentamos. Se fosse assim teríamos de passar pela experiência do nazismo para nunca mais votar em Hitler. A análise política e a inteligência democrática podem nos livrar de muitos dissabores. Não é necessário tomar uma vez um veneno para saber que devemos recusá-lo.

5 – A TESE FURADA DE QUE “BOLSONARO É UMA ESPÉCIE DE TRUMP BRASILEIRO”

Bolsonaro não é Trump, que tem um partido fortíssimo e profundamente enraizado no Estado e na sociedade americana – o Partido Republicano. Graças a isso, à maioria no parlamento e em boa parte das instituições da República, Trump está conseguindo governar e até agora escapar do impeachment. Bolsonaro não tem partido (apenas comprou uma sigla de papel que estava à venda – o PSL) e não fará parlamentares em número suficiente para ter maioria do Congresso (possivelmente, os partidos que farão mais congressistas são o PT e o PP). Além disso, não tem maioria no establishment: nos tribunais superiores, no conjunto dos quase 20 mil juízes, nos grandes meios de comunicação e nas demais instituições do Estado e da sociedade. É fantasiosa a ideia de que, vencendo o pleito espetacularmente (como seu fãs esperam, no primeiro turno), ele se imporá aos poderes legislativos e judiciário por força da aclamação popular. Essas tréguas não costumam durar 100 dias. Os eleitores que escolherem Bolsonaro contra o PT, também elegerão o PT como oposição. Em democracias menos defeituosas é assim que o regime funciona: o povo escolhe a situação e a oposição, que devem conviver, negociar e regular seus conflitos pacificamente (posto que não há democracia sem oposição, ambos são legítimos). Na democracia flawed que temos, porém, os competidores autocráticos (ditos de esquerda ou de direita, tanto faz) não acatam o critério democrático da aceitabilidade da derrota e tentarão deslegitimar o vencedor. Em pouco tempo surgirá a palavra de ordem Fora Bolsonaro, puxada, sobretudo, pelo PT. Uma maioria eleitoral esvai-se com o tempo. Os fãs bolsonaristas não podem ocupar por longo tempo as ruas e praças do país, nem podem sitiar o Congresso e o STF ou a sede da Rede Globo, para intimidar as instituições e obrigá-las a obedecer ao capitão.

6 – A TESE FURADA DA “VENEZUELIZAÇÃO” DO BRASIL

O PT quer o poder, sim, não apenas o governo. Mas não quer dar um golpe de Estado em termos tradicionais. Quer vencer eleições sucessivamente para ter tempo de alterar, “por dentro” das instituições, o DNA da nossa democracia. Por isso é tão perigoso. Mas a estratégia neopopulista – abraçada pelo lulopetismo – não é destruir a economia dos países que governa, causar crises de desabastecimento e catástrofes humanitárias. Venezuela e Nicarágua foram fracassos do bolivarianismo, não acertos. Só alguém muito tolo pode imaginar que quem tem um projeto de poder de longo prazo queira repetir esses desastres e se desmoralizar completamente. É preciso entender o projeto do PT. O lulopetismo é um neopopulismo, mas não é um bolivarianismo de tipo chavista. É outra coisa, que pode, inclusive, ser mais perigosa para a democracia no longo prazo. A melhor dominação é aquela que não se desvenda facilmente (como a via Putin, por exemplo, onde houve uma aliança estratégica da FSB com os novos oligarcas, os bilionários de Moscou e não a compra no varejo de militares e empresários com dinheiro sujo, em grande parte proveniente do narcotráfico, como fizeram Chávez e Maduro).

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