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Uma classificação dos liberais (e dos i-liberais) na atualidade

Os liberais (no sentido político do termo, que é o que interessa para a democracia) se dividem hoje em três vertentes: os democratas formais, os democratas conservadores e os democratas inovadores (que talvez se pudessem dizer democratas radicais). Os dois últimos parecem cada vez mais raros. Os que não fazem parte dessas vertentes são, em geral, i-liberais (ou seja, não-democratas).

Democratas formais

Os democratas formais compõem a grande base que permite a continuidade dos regimes democráticos. Entre eles estão os políticos por profissão, que ocupam e operam as instituições políticas e jurídicas do Estado. Alguns são populistas não-autoritários (populistas ao velho estilo, ou seja, demagogos), muitos são vulneráveis ao fisiologismo e à corrupção, mas nem por isso aceitam a violação dos princípios liberais da democracia, quer dizer, a redução dos direitos políticos e das liberdades civis.

Democratas conservadores

Os democratas conservadores acolhem a democracia e convivem bem com ela, defendem ativamente a manutenção da constitucionalidade e da institucionalidade, enfim, do Estado democrático de direito, mas não priorizam a continuidade do processo de democratização, ou seja, a caminhada da democracia que temos em direção às democracias que queremos. Por isso, se fosse por eles, a democracia jamais teria sido inventada ou reinventada. Uma parte dos democratas conservadores ainda toma a ordem e não a liberdade como sentido da política.

Democratas inovadores

Os democratas inovadores apostam, fundamentalmente, na continuidade do processo de democratização e mesmo que tenham inventado e reinventado a democracia, sempre foram, em qualquer lugar do mundo ou época da história, uma ínfima minoria (seja na Atenas dos séculos 5 e 4 a. C., seja no parlamento inglês dos Bill of Rights do século 17, seja agora no Brasil e no mundo). Seu papel precípuo não é o de virar maioria (fermento não é massa) e sim o de ser agentes fermentadores da formação de uma opinião pública democrática.

Democratas inovadores, como liberais que são no sentido político do termo, também são, por definição, anti-estatistas (tomando o estatismo também no sentido político do termo e não apenas no seu sentido econômico). Além de repisar os temas óbvios: livre mercado, redução da participação do Estado na economia, reformas, responsabilidade fiscal, corte de impostos e privatização – que deveriam constar da pauta obrigatória de qualquer liberal (não exclusivamente dos liberais-políticos), os democratas inovadores estão preocupados, principalmente, com a defesa da democracia e com a continuidade do processo de democratização (da sociedade, do Estado e do padrão de relação Estado-sociedade). Por causa disso estão focados em uma série de temas inovadores que ainda não entraram na pauta dos demais liberais como, por exemplo: a crise e os limites da democracia representativa e a experimentação de novas formas mais interativas de democracia numa emergente sociedade-em-rede; o federalismo e a crise do Estado-nação; a superação da contraposição localismo não-cosmopolita (tipo America First) x globalismo e a realidade emergente da glocalização; a superação da contraposição estiolante monoculturalismo x multiculturalismo: rumo à inevitável (e desejável) miscigenação cultural; a inadequação da classificação e da divisão das forças políticas em esquerda x direita; e o envelhecimento da divisão entre visões mercadocêntricas e estadocêntricas do mundo: a sociedade como forma autônoma (subsistente por si mesma) de agenciamento, além (ou ao lado) do mercado e do Estado.

Falsos conservadores (ou reacionários, não-democráticos) e liberais-econômicos i-liberais-políticos

Os que se dizem conservadores hoje não são, em sua maioria, democratas. São reacionários, i-liberais no sentido político do termo. Isso engloba, infelizmente, uma parte dos que se dizem seguidores de doutrinas do liberalismo-econômico, que prestam serviços para os reacionários antidemocratas desde que tenham alguma autonomia para aplicar suas fórmulas econômicas. Quando atuam assim os liberais-econômicos se tornam i-liberais-políticos.

Alguns analistas confundem, perigosamente, o legítimo conservadorismo da direita liberal com o reacionarismo antidemocrático da extrema-direita i-liberal e antissistema, que é populista-autoritário e majoritarista. Este último é ilegítimo porque quer conquistar governos não propriamente para governar dentro do concerto institucional vigente e sim para alterar a natureza do regime. Seu papel é transformar democracias liberais em democracias apenas eleitorais e, nas democracias eleitorais, reduzir o que nelas resta de conteúdo liberal, se possível até transformá-las em autocracias eleitorais.

Revolucionários i-liberais

Também não se deve confundir os democratas inovadores com os que se dizem revolucionários, de esquerda, que são i-liberais no sentido político do termo, neopopulistas e majoritaristas. Tais como os populistas-autoritários, os neopopulistas usam a democracia (notadamente as eleições) contra a democracia. Buscam tomar eleitoralmente governos para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o fito de se prorrogar no governo, ganhando tempo para introduzir alterações no “DNA” da democracia. Quando chegam a fazer isso não podem ser considerados players válidos do jogo democrático.

Forças anti-eleitorais vestigiais

Ainda existem forças políticas que são i-liberais (ou seja, antidemocráticas), mas não-populistas, como os que refugam a via eleitoral, seja à extrema-esquerda ou à extrema-direita (como grupos comunistas-revolucionários, anarquistas de primeira-geração, neofascistas, supremacistas raciais, nativistas, como os neo-eurasianistas, religioso-fundamentalistas, terroristas etc., que pregam a insurreição, a guerra popular, o foco revolucionário, o putsch, o golpe militar). Mas esses – com exceção do jihadismo-ofensivo islâmico – são vestigiais na atualidade.

O que fazer diante do deficit de liberais-políticos

Não existe democracia sem democratas, quer dizer, sem liberais-políticos. Constata-se hoje, porém, um deficit de liberais-políticos (democratas convictos). Mas liberais-políticos não se formam espontaneamente em volume desejável porque a cultura predominante não é liberal e porque está um curso uma recessão e uma desconsolidação democráticas. Assim, é necessário proporcionar processos de aprendizagem da democracia.

Iniciativas de educação política deveriam hoje contribuir para ensejar o surgimento de liberais-políticos, em especial de democratas inovadores, focalizando preferencialmente os democratas conservadores e os democratas formais (além dos seguidores de doutrinas do liberalismo-econômico que ainda não tomam a democracia como um valor universal e como principal valor da vida pública). Ou, dizendo de modo inverso, deveriam servir para desestimular o surgimento de populistas (de esquerda ou de direita), de liberais-econômicos que não priorizam a democracia e, se for possível, de antidemocratas não-eleitorais.

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