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Uma nova geração de golpes de Estado

Vejam do que escapamos

O mundo se espantou com os últimos acontecimentos na Venezuela. Incrível, porque a Venezuela já era uma ditadura desde 2014, sobretudo após a repressão brutal do chavismo às grandes manifestações sociais que eclodiram em 12 de fevereiro.

Mas a Venezuela não virou uma ditadura de uma vez. Tudo começou com a ascensão de Hugo Chávez, na virada do século, passou pela invenção do bolivarianismo (industriada por Fidel Castro) e foi se aprofundando – com a autocratização paulatina do regime – por meio de uma sequência de medidas autoritárias chavistas (como a tal “Lei Habilitante”, que permitia ao executivo legislar). Com o apoio do PT, Hugo Chávez (que governou de 1999 a 2013) foi reeleito em 2006 para um terceiro mandato presidencial (João Santana coordenou toda a campanha, inclusive com dinheiro brasileiro desviado por ordem de Lula via Odebrecht) e ainda estaria no poder se não tivesse falecido. O projeto era simples: nunca mais sair do governo.

Seu sucessor, Maduro, continuou no mesmo caminho. Julia Braun e Beatriz Magalhães, em um artigo publicado na Veja online em 20 de março de 2017, recuperam alguns passos dessa trajetória que transformou a Venezuela em uma ditadura, homeopaticamente. Leiam a matéria:

Venezuela: relembre os golpes de Maduro contra a democracia

O governo venezuelano fez muitas manobras para garantir sua sobrevivência política

Por Julia Braun e Beatriz Magalhães, Veja, 30 mar 2017, 16h27 – Atualizado em 30 mar 2017, 16h38

Nesta quinta-feira, o governo de Nicolás Maduro concretizou um duro golpe contra a democracia venezuelana. O Tribunal Supremo de Justiça do país avisou que irá assumir os deveres da Assembleia Nacional por considerar que o Congresso, de maioria opositora, está em “desacato”.

A medida tomada pelo governo venezuelano evidencia a falta de independência entre as instituições no país e justifica as denúncias de opositores sobre o caráter ditatorial do regime de Maduro. Nunca antes o poder Judiciário, controlado pelo presidente, havia assumido diretamente as funções legislativas, mas em outras diversas situações anulou decisões tomadas pela Assembleia Nacional, que desde as eleições parlamentares de 2015 é de maioria opositória ao chavismo.

Esse não foi a primeira investida do governo Maduro contra a oposição – e ao que tudo indica, não será a última. O governo que protagonizou casos seríssimos de coação de eleitores nas urnas e repreende de forma violenta a população que sai às ruas para protestar contra a situação política caótica do país, já aplicou muitos outros truques contra a democracia para garantir sua hegemonia. Confira alguns dos principais episódios:

1. Manipulação do Poder Judiciário

Poucos dias antes da oposição assumir o controle da Assembleia Nacional da Venezuela, os antigos deputados aliados de Nicolás Maduro substituíram treze juízes da Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que tem o poder de vetar leis aprovadas pelos parlamentares, por magistrados submissos ao chavismo. Dessa forma, todas as legislações e medidas aprovadas pela maioria opositora na Assembleia Nacional que desagradam o presidente são imediatamente indeferidas. O órgão legislativo venezuelano denunciou que, em 2016, 11 novas propostas de lei e reformas sancionadas pelos deputados da Assembleia foram consideradas inconstitucionais pelo TSJ. Em abril de 2016, a Sala Constitucional do TSJ julgou inconstitucional uma lei de anistia. O objetivo da legislação era libertar 78 presos políticos, vários deles detidos durante os protestos contra Maduro de 2014. Por meio do controle do Judiciário, Maduro conseguiu também que o Tribunal Supremo de Justiça aprovasse uma decisão que permite que cidadãos da Venezuela que tem duas nacionalidades se tornem elegíveis ao cargo de presidente, desde que renunciem a outra cidadania. A mudança na lei beneficia diretamente o presidente, que segundo especulações teria nascido na Colômbia e se mudado para a Venezuela ainda pequeno. Maduro era constantemente acusado pela oposição mais radical de ocupar o cargo ilegalmente.

2. Ataque ao Poder Legislativo

Com a manipulação do Poder Judiciário, Maduro conseguiu anular a maioria qualificada da oposição na Assembleia Nacional. Logo antes da posse dos novos deputados, no início de 2016, três deputados da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD) tiveram seus mandatos impugnados pelo Tribunal Supremo de Justiça. A manobra do TSJ foi uma forma de tentar impedir que a MUD conquistasse os dois terços na Assembleia – a oposição ganhou 112 das 167 cadeiras nas eleições parlamentares de dezembro de 2015. Contudo, o então presidente da câmara legislativa venezuelana, Henry Ramos Allup, recusou-se a obedecer à decisão da Justiça chavista e empossou os deputados, mesmo impugnados. Após falhar na anulação a oposição no legislativo, Maduro instituiu, por meio do Supremo, um novo comitê que é encarregado de avaliar a viabilidade econômica das leis aprovadas pela Assembleia.

3. Cerco à imprensa

De acordo com Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP), durante o mês de fevereiro houveram 24 ataques à liberdade de expressão cometidos pelo governo de Nicolás Maduro. O canal CNN em Espanhol foi retirado do ar em fevereiro deste ano depois de transmitir um relatório sobre a venda de passaportes venezuelanos a supostos terroristas do Oriente Médio. Em janeiro, os casos de agressão chegaram a 26. Em fevereiro de 2017, dois jornalistas brasileiros foram detidos no país por autoridades do serviço de inteligência do governo local. Os repórteres foram presos no Estado de Zulia, enquanto apuravam uma matéria sobre uma obra não concluída da construtora Odebrecht.

4. Perseguição política

De acordo com dados da ONG Foro Penal Venezuelano, que oferece assessoramento jurídico a presos políticos e grupos de pressão em defesa dos direitos humanos, no ano passado 46 presos políticos foram colocados em liberdade e outros 56 foram detidos. Atualmente, o país conta com 115 presos políticos, destes 24% são estudantes. Alguns deles são condenados por representarem uma ameaça política ao governo, como é o caso do líder do partido opositor Vontade Popular, Leopoldo López, preso em meio a uma manifestação e condenado, em outubro de 2015, a 14 anos de prisão por dano a prédios públicos e incitação ao crime. Assim como o ex-prefeito da província de San Cristobal, Daniel Ceballos acusado de não cumprir uma decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) que lhe obrigava a impedir protestos de grupos antigovernistas no município. Ceballos foi detido pela primeira vez em março 2014, e posto em prisão domiciliar em 2015. Em 2016, o ex-prefeito foi preso novamente. Recentemente, o TSJ ordenou a abertura de uma investigação contra o vice-presidente da Assembleia Nacional, Freddy Guevarra, sob a acusação de “usurpação de funções”, devido as pesquisas realizadas por Guevarra sobre irregularidades administrativas do ex-presidente da petrolífera estatal, Rafael Ramírez.

5. Governo por decreto

Desde sua posse, o governo de Maduro já assinou sete decretos de emergência. O primeiro de 2017 foi assinado em janeiro. A medida permite que o presidente exerça as ações que considerar adequadas para “proteger a ordem constitucional” e tomar as providências que considerar necessárias para superar a crise vivida pelo país.

6. Suspensão da imunidade parlamentar

Na terça-feira, o Tribunal Supremo de Justiça aprovou uma decisão que suspende a imunidade parlamentar dos membros da Assembleia Nacional, de maioria da oposição. “A imunidade parlamentar só ampara (…) os atos realizados pelos deputados em exercício de suas atribuições constitucionais (o que não é compatível com a situação atual de desacato na qual a Assembleia Nacional se encontra)”, indicava a sentença do TSJ. O detonador da decisão foi um acordo aprovado em 21 de março pela oposição, que pediu à Organização dos Estados Americanos (OEA) para convocar seu Conselho Permanente para avaliar a aplicação da Carta Democrática Interamericana no país. O TSJ foi ainda mais longe ao ordenar que Maduro tome “as medidas cíveis, econômicas, militares, penais, administrativas, políticas, jurídicas e sociais que considere pertinentes e necessárias para evitar um estado de comoção” nos próximos meses. Segundo especialistas, essa decisão pode abrir ainda mais brechas para medidas irregulares e manipuladoras do governo venezuelano, além de permitir que mais prisões políticas sejam realizadas.

Portanto, a Venezuela não virou uma ditadura só agora em 2017. Foi um processo, que durou (está durando) quase duas décadas.

POR QUE A VENEZUELA JÁ ERA UMA DITADURA DESDE 2014

A inteligência democrática necessária para saber se estamos ou não em uma democracia em qualquer país é a seguinte:

Toda vez que o processo de democratização consegue, mesmo intermitentemente, prosseguir, dizemos que estamos numa democracia, devendo-se entender por isso o seguinte: estamos conseguindo tornar modos de regulação de conflitos menos autocráticos e padrões de organização menos hierárquicos, nada garantindo, porém, que vamos definitivamente para o céu: sempre pode haver retrocesso quando – no caso da democracia dos modernos (a democracia representativa realmente existente nos países que a adotam) – restringe-se a liberdade, viola-se a publicidade, frauda-se a eletividade, falsifica-se a rotatividade, descumpre-se a legalidade e degenera-se a institucionalidade. Quando algumas dessas coisas são feitas a partir de certo grau que começa a inviabilizar a continuidade do processo de democratização, dizemos que não estamos mais numa democracia (ou seja, que a democracia que temos não está mais conformando-se como um ambiente favorável a caminharmos em direção à democracia que queremos).

A partir de fevereiro de 2014, pelo critério acima, a Venezuela já não era mais uma democracia. A protoditadura chavista (implantada, inclusive, com a ajuda dos Castro, de Lula, do PT e do governo brasileiro), virou uma ditadura há três anos.

Vejam do que escapamos. O Brasil não é a Venezuela, Lula não era Chávez e Dilma não era Maduro. Mas assim como o chavismo e o bolivarianismo eram neopopulismos, o lulopetismo também era (e é) um neopopulismo. O caminho do neopopulismo é autocratizar a democracia, não de uma vez, por meio de um golpe clássico de Estado ou a partir de um movimento brusco de força e sim pouco a pouco, degenerando as instituições da democracia representativa, violando a legalidade (as normas do Estado de direito), abolindo a rotatividade (ou alternância), suprimindo a publicidade (ou transparência) para, por último, restringir as liberdades. O neopopulismo latino-americano inaugurou assim uma nova geração de golpes de Estado.

Em 2014 o Brasil não era uma ditadura. Em 2017, felizmente, também não é. Mas já estava clara a estratégia do PT de bolivarianizar (ainda que à brasileira, quer dizer, lulopetizar) o nosso regime.

Em 10 de outubro de 2014 publiquei no Facebook o artigo abaixo (transformado em nota no dia seguinte). É um registro importante para ver do que escapamos (se o PT não voltar ao poder, é claro).

UM GOLPE DE ESTADO EM DOSES HOMEOPÁTICAS

Não é uma conspiração: é uma ação continuada

Augusto de Franco, Facebook, 11/10/2014

Uma pessoa que não conheço, em comentário ontem aqui no meu mural, matou a charada. Não divulgo o seu nome porque não sei se ela quer ampliar a visibilidade do seu comentário. Mas ela escreveu o seguinte:

“Acho que os brasileiros não se dão conta da gravidade da situação real do Brasil e o caminho pelo qual estamos enveredando. Estamos permitindo um golpe de estado em doses homeopáticas!”

Hélas! Mas é exatamente isto que está acontecendo. E não vemos porque tudo está sendo feito em doses homeopáticas. Por isso estamos sendo lenientes. Por isso permitimos que mais de uma centena de crimes cometidos pelos governantes – crimes que em qualquer país democrático do mundo levariam à queda do governo – permanecessem impunes. Não, não é uma conspiração. E uma ação continuada.

No seu conjunto esses crimes configuram um atentado à democracia. Me acompanhem, por favor:

Em 2004 tivemos os casos Waldomiro-Dirceu e GTech. Ali já tinha emergido a ponta do iceberg. Com exceção de Dirceu (e não por esse crime) todos os envolvidos do PT estão soltos, Waldomiro Diniz está solto e o computador do Palácio do Planalto que ele usava sumiu, ninguém sabe, ninguém viu.

Em 2005 tivemos a Corrupção nos Correios, o Mensalão, os Dólares na Cueca e a República de Ribeirão. Com exceção de Dirceu, Genoino e Delúbio, todas as dezenas ou centenas de operadores do PT, além do grande chefe, estão soltos. Depois da confissão de Duda Mendonça de que recebeu dinheiro no exterior para fazer a campanha presidencial de 2002, Lula não poderia continuar no governo. Mas as oposições botaram panos quentes e salvaram o chefe do naufrágio.

Em 2006 tivemos a Quebra do Sigilo do caseiro Francenildo e os Aloprados. Todos os petistas que violaram a Constituição neste episódio estão soltos. Nenhum dos aloprados (homens da cozinha de Lula) está preso. Ficou tudo por isso mesmo e os criminosos permaneceram livres para cometer novos (e semelhantes) crimes.

Em 2007 tivemos sucessivos Renangates. Renan foi salvo do pior pelo PT e continuou solto para voltar a delinquir.

Em 2008 tivemos o Escândalo dos cartões corporativos da Presidência e o Dossiê contra Ruth. Como sempre, nada se apurou e ficaram todos soltos para reincidir.

Em 2009 tivemos o Caso Lina Vieira e nada foi esclarecido.

Em 2010 tivemos o horroroso caso Bancoop e o Caso Erenice e os responsáveis por tão graves desvios não apenas não foram punidos como premiados com postos de direção no partido e no governo.

Em 2011 e 2012 tivemos vários escândalos envolvendo os ministérios do Esporte, do Trabalho e da Pesca. Ficou tudo por isso mesmo.

Em 2013 tivemos a Máfia do ISS.

Em 2014 tivemos, na Operação Lava Jato, a revelação de que há anos, na continuidade do Mensalão, o mesmo esquema de financiamento de partidos e atores políticos com dinheiro do crime (e com muito mais dinheiro) se manteve, agora com o Petrolão.

É claro que os crimes acima são apenas os mais notórios que vieram à luz. O sentido geral, de conjunto, dessa ação continuada, qual é?

Em primeiro lugar é privatizar a esfera pública, degenerando as instituições estatais e saqueando as empresas públicas para apoiar e financiar o projeto de poder de um grupo privado.

Em segundo lugar é falsificar a correlação de forças emergente das urnas. O PT conformou uma ampla base de apoio parlamentar, mas não se trata de uma base aliada (como seria normal em uma democracia) e sim de uma base alugada com dinheiro do crime. Isso é um ataque direto ao coração de democracia representativa. A vontade popular é fraudada quando se compra eleitores e também quando se compra eleitos.

O objetivo geral dessas ações é erigir um Estado-partido autocrático dentro do Estado democrático de direito. Isso é uma violação do espírito e da letra da Constituição Federal. Isso é um golpe de Estado, não dado de uma vez, por um movimento de força brusco, repentino, mas por ações continuadas, em doses homeopáticas, pacientemente, durante 12 anos.

Não se pode argumentar que foram atos isolados, pois que durante todo o tempo os chefes – Lula (solto) e Dirceu (depois preso) – continuaram chefiando o esquema.

Durante 12 anos, o que eles fizeram?

1) Instalaram quistos partidários em todas as instituições do Estado, convertendo tais instituições em palcos de disputa maioria x minoria, degenerando-as e transformando-as em extensões partidárias. Com mais alguns (poucos) anos, das instituições (públicas) vai restar apenas a casca: seu funcionamento virará mera encenação de decisões que já foram tomadas em outro lugar (privado).

2) Governamentalizaram as agências reguladoras (que eram entes estatais, não governamentais) para colocá-las à merce do partido do governo e de seus aliados.

3) Aboliram a prestação pública de contas para as centrais e outros órgãos sindicais que foram transformados em correias-de-transmissão do partido do governo.

4) Tomaram de assalto os Fundos de Pensão e espoliaram o Fundo de Amparo ao Trabalhador para usá-los como aparelhos partidários para travar lutas em prol de mais controle do Estado.

5) Criaram uma imensa rede clientelar de organizações da sociedade civil favoráveis ao governo por meio de financiamento, fomento, apoio ou patrocínio seletivos (só para as que apoiam o PT e seus aliados) de órgãos governamentais e empresas estatais.

6) Decretaram a criação de uma Força Nacional de Segurança Pública como organização militar centralizada e subordinada ao governo (e não como órgão de Estado, como exige a sua natureza). Isso foi feito de modo oblíquo pelo Decreto 5.298 de 2004 (que institui a FNS – embrião de uma guarda pretoriana -, chamando-a eufemisticamente de “programa de cooperação federativa”).

7) Articularam uma nova edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) para usar os direitos humanos como arma na luta político-ideológica de grupos privados subordinados ao PT que almejam conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir da ocupação do aparelho de Estado.

8) Decretaram (pelo Decreto 8.243) uma Política Nacional de Participação Social cujo objetivo é subordinar a dinâmica social à lógica do Estado aparelhado pelo partido e usar os “movimentos sociais” – que são na verdade organizações hierárquicas e autocráticas que atuam como correias de transmissão do PT – para cercar a institucionalidade vigente no Estado de direito.

9) Violaram a tradição da política externa brasileira de não-alinhamento ideológico para editar uma política partidária, ditada por um assessor palaciano sobre a cabeça do Itamarati, associando o Brasil à protoditaduras e ditaduras em todo mundo (financiando Cuba e os países bolivarianos inclusive) e namorando indecentemente com o bloco sujo político-ideológico e militar – capitaneado pelo neoditador Putin – que almeja reeditar a guerra fria.

10) Estão tentando articular uma conversão da democracia brasileira em democracia plebiscitária, de estilo chavista, com propostas autoritárias de plebiscitos e referendos controlados pelo PT e por menos de uma centena de “movimentos sociais” que atuam como braços do partido na sociedade, para realizar uma reforma política que: a) concede ao presidente (o líder, o führer) o direito de convocar plebiscitos impositivos; b) institui a partidocracia (voto em lista partidária fechada e pre-ordenada, fidelidade partidária e financiamento exclusivamente estatal de campanha); e c) estabelece o controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação e da internet.

O conjunto dessas ações continuadas ao longo do tempo (tempo conseguido com a abolição – na prática – da rotatividade ou alternância democrática), configuram claramente um golpe de Estado. Esse golpe não está acontecendo por meio de uma guerra de movimento (leniniana), mas sim por meio de uma guerra de posição (gramsciana). O objetivo final é conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido. Mas o Estado em questão não será mais o Estado democrático de direito. Terá sido transformado, ao longo do tempo, homeopaticamente, em Estado autocrático do partido.

Não há nada de revolução aqui. Todas essas iniciativas são contrarrevolucionárias. Elas consagram mais-hierarquia e mais-autocracia, mais-comando e mais-controle, mais-obediência e mais-subordinação e não mais-liberdade.

Do fundamental, está tudo aqui. Tudo que o PT precisa é de mais quatro anos agora para amarrar as pontas que ficaram soltas e completar o processo nos oito anos seguintes (com a volta de Lula). Se a democracia brasileira deixar isso acontecer será quase impossível remover o PT do governo – e do poder – pelo voto.

Felizmente, a sociedade brasileira acordou antes que fosse tarde demais e removeu o PT do governo. A partir de março de 2015, o PT foi derrotado nas ruas, nas mídias sociais, no parlamento e nas urnas de 2016. É claro que esta foi uma vitória parcial e temporária da democracia.

O perigo permanece. No curto prazo, a única ameaça à democracia no Brasil vem do PT. Esqueçam os fantoches (como Ciro), os aventureiros broncos da direita hidrófoba (como Bolsonaro e a turbamulta vil de seus seguidores), os autocratas ilustrados que colonizam consciências de pessoas de pouco trato intelectual (como Olavo e seus fanáticos) e os velhos políticos fisiológicos (da antiga base do PT, hoje no governo, que só querem se dar bem na vida e não vão investir um tostão do dinheiro que roubaram para autocratizar o regime). Só o PT tem um projeto autocrático de poder: narrativa ideológica estruturada, estratégia formulada, liderança (populista) destacada, direção organizada, militância disciplinada, enraizamento social amplo e profundo, dinheiro suficiente escondido em contas fantasmas no Brasil e no exterior e apoio internacional para tanto no curto prazo.

O projeto neopopulista está vivo. E enquanto esse projeto estiver vivo, a democracia estará correndo sérios riscos, no Brasil e em outros países do continente. Venezuela é uma ditadura. Bolívia e Equador são protoditaduras. Nicarágua já está quase na fronteira entre uma protoditadura e uma ditadura. El Salvador foi e voltou, mas pode retomar o mesmo caminho. Paraguai e Peru correram o risco de virar protoditaduras. E Cuba – a decana das ditaduras latino-americanos – continua sendo o que é: uma ditadura clássica de esquerda, marxista-leninista, que por oportunismo e espírito de sobrevivência insufla continuamente os ataques à democracia na região.

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