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Unabomber: sem paciência para a democracia

Assisti, no Netflix, a série Manhunt: Unabomber (2017) criada por Andrew Sodroski, Jim Clemente e Tony Gittelson, com o excelente Paul Bettany (no papel de Theodore John “Ted” Kaczynski, o Unabomber) e Sam Worthington (o agente do FBI Jim “Fitz” Fitzgerald, que elabora o perfil de Ted levando à sua captura). Fui então ler o Manifesto Industrial Society And Its Future, publicado – por exigência de Ted – no The Washington Post, em 1995.

Claro que o Manifesto é uma abordagem autocrática dos problemas da sociedade industrial. Kaczynski, que ainda está vivo e preso (e continua escrevendo), acreditava em imanência histórica, numa filosofia da história e, inevitavelmente, em leis (ou princípios) da história. Isso não quer dizer que todas as suas considerações sejam equivocadas. Chama a atenção, entretanto, o seguinte trecho, no qual o terrorista resume seu primeiro princípio da história:

“PRIMEIRO PRINCÍPIO. Se uma PEQUENA mudança afeta uma tendência histórica de longo período, então o efeito da mudança será quase sempre transitório – a tendência logo retrocederá a seu estado original. (Exemplo: Um movimento de reforma no sentido de limpar a corrupção política numa sociedade raramente terá mais do que um curto efeito de duração, cedo ou tarde os reformistas relaxam e a corrupção se instala novamente. O nível de corrupção política numa determinada sociedade tende a permanecer constante ou muda paulatinamente apenas com a evolução da sociedade. Normalmente, uma limpeza política só será permanente se for acompanhada de mudanças sociais gerais, uma PEQUENA mudança na sociedade não será suficiente). Se uma pequena mudança numa tendência histórica de período longo se apresenta como permanente, é apenas porque a mudança atua na direção em que a tendência estava se movendo, assim a tendência não se altera, é apenas empurrada socialmente um passo adiante” (Parágrafo 100 do Manifesto).

Não estou fazendo aqui uma análise do texto do Manifesto, nem, muito menos, do papel do matemático Ted Kaczynski (Harvard / Michigan / Berkeley) que virou terrorista para fazer barulho, chamando a atenção para sua mensagem redentora. Aponto entretanto, duas pistas para uma ulterior abordagem do ponto de vista da democracia:

1) Ele não acreditou na rede e sim na propaganda (como se a divulgação tipo broadcasting de uma ideia tivesse o condão de modificar o comportamento dos agentes do sistema);

2) Embora tivesse admitido teoricamente que a mudança pode ser lenta, ele não teve paciência para esperar (quis ensinar quando a democracia é um deixar-aprender); talvez movido por uma compulsão egoica, queria causar uma comoção capaz de provocar uma alteração de estado do sistema (e daí as bombas que mataram 3 pessoas e feriram outras 23, entre cientistas, engenheiros e executivos): desprezando os pequenos estímulos que podem se propagar na rede, jogou bombas destrutivas (que fazem um barulhão), quando poderia jogar bombas criativas (Small Bangs).

Vem a calhar, entretanto, para o momento em que vivemos no Brasil, a constatação de Kaczynski de que “o nível de corrupção política numa determinada sociedade tende a permanecer constante ou muda paulatinamente apenas com a evolução da sociedade”. O que ele chama de “evolução” (um termo incorreto, usado presumivelmente na falta de outro, posto que a sociedade não evolui: evolução é um conceito biológico, que não se aplica ao social na medida em que pressupõe fidelidade a uma origem, genética ou epigenética, enquanto que o social é o campo da liberdade) se refere aos níveis do capital social ou à configuração da rede (conceitos que ele desconhecia). Cruzadas de limpeza (prestem atenção que ele fala de “limpar a corrupção”) – sejam desencadeadas por matanças, com bombas, ou por um tour de force judicial-policial – não são capazes de alterar os níveis do capital social. Se feitas na Somália, jamais terão como resultado equipará-la à Noruega.

Outro ponto importante para reflexão é que o Manifesto de Kaczynski, além de ser uma censura ao que ele chama de sociedade industrial, é uma crítica contundente ao esquerdismo (numa linha meio neo-anarquista de segunda geração ou anarco-primitivista e não é a toa que escritores como John ZERZAN, mesmo reprovando seus métodos, tenham tentado defendê-lo).

Eis o Manifesto do Unabomber, reproduzido abaixo em seus principais trechos.

A SOCIEDADE INDUSTRIAL E SEU FUTURO – MANIFESTO DO UNABOMBER

Versão sem revisão, copiada da publicação dos Excertos em português referidos abaixo. Manteve-se o formato em MAIÚSCULAS que foi usado em certas palavras do original, e as frases omitidas (geralmente exemplos que se consideram menos relevantes) vêm assinaladas com […].

Boa parte dos parágrafos traduzidos abaixo e o esclarecimento acima foram retirados de http://home.dbio.uevora.pt/~oliveira/Imprensa/FuturoSocIndustr.htm#2.

Os demais parágrafos são resultado de uma ligeira revisão após tradução eletrônica de http://www.sindominio.net/ecotopia/textos/unabomber.html.

INTRODUÇÃO

1. A Revolução Industrial e suas consequências foram um desastre para a raça humana. Aumentou enormemente a expectativa de vida daqueles que vivem em paises «avançados», mas desestabilizou a sociedade, tornou a vida um inferno, submeteu seres humanos a indignidades, provocou sofrimento psicológico (no terceiro mundo sofrimento físico) e infligiu um dano severo ao mundo natural. O contínuo desenvolvimento da tecnologia piorará a situação. Certamente submeterá os seres humanos a grandes indignidades e infligirá maior dano ao mundo natural, provavelmente conduzirá a um grande colapso social e sofrimento psicológico, e pode incrementar o sofrimento físico inclusive em países «avançados».

2. O sistema tecnológico-industrial pode sobreviver ou pode fracassar. Se sobreviver, PODE conseguir eventualmente um nivel baixo de sofrimento físico e psicológico, mas só depois de passar por um grande e penoso período de ajuste e apenas mediante o custo permanente de reduzir o ser humano e a outros muitos organismos vivos a produtos de engenharia e meras engrenagens da maquinaria social. Além disso, se o sistema sobrevive, as consequências serão inevitáveis: não há como reformar ou modificar o sistema nem como preveni-lo de privar as pessoas de liberdade e autonomia.

3. Se o sistema fracassar as consequências ainda serão muito penosas. Quanto mais o sistema crescer mais desastroso será o resultado de seu fracasso, de forma que se vai fracassar, melhor fracassar logo do que depois.

4. Por isso advogamos uma revolução contra o sistema industrial. Esta revolução pode ou não usar a violência: pode ser súbita ou pode ser um processo relativamente gradual abarcando poucas décadas. Não podemos predizer nada disso. Tudo que podemos fazer é delinear de uma forma geral as medidas que aqueles que odeiam o sistema industrial deveriam tomar para preparar o caminho para uma revolução contra esta forma de sociedade. Não deve ser uma revolução POLÍTICA. Seu objeto não será derrubar governos, mas as bases econômicas e tecnológicas da sociedade atual.

5. Neste artigo abordamos apenas alguns dos acontecimentos negativos que engordaram demasiado o sistema tecnológico-industrial. Além disso, aqui apenas mencionamos tais acontecimentos resumidamente ou os ignoramos em sua totalidade. Isto não quer dizer que consideramos os demais acontecimentos triviais. Por razões práticas, tivemos que limitar nossas discussões a áreas que não receberam suficiente atendimento do público ou nas quais temos algo novo que dizer. Por exemplo, na medida em que as tendências ambientais e a desertificação estão bem reveladas, escrevemos muito pouco sobre a degradação do meio ambiente ou a destruição da natureza selvagem, embora consideremos tais coisas de grande importância.

PSICOLOGIA DO ESQUERDISMO MODERNO

6. Quase todo mundo concorda que vivemos numa sociedade profundamente nociva. Uma das manifestações mais evidentes da loucura de nosso mundo é o esquerdismo, de forma que uma discussão sobre a psicologia do esquerdismo nos pode servir de introdução ao debate dos problemas da sociedade moderna em geral.

7. Mas, o que é esquerdismo? Durante a primeira metade do século XX pôde ser praticamente identificado com o socialismo. Hoje o movimento está fragmentado e não está claro quem pode ser chamado propriamente de esquerdista. Quando neste artigo falamos de esquerdistas pensamos principalmente em socialistas, coletivistas, «politicamente corretos», feministas, ativistas pelos direitos dos homossexuais, dos deficientes, ativistas pelos direitos dos animais. Mas nem todos os que se associam a algum destes movimentos é um esquerdista. Não se trata de um movimento ou de uma ideologia, mas de um tipo psicológico, ou, melhor dito, uma coleção de tipos relacionados. Assim, o que queremos dizer com «esquerdista» aparecerá com mais clareza no curso da discussão da psicologia esquerdista. (Veja também parágrafos 227-230).

8. Mesmo assim, nossa concepção ficará menos clara do que desejaríamos, mas parece não ter remédio para isto. Tudo o que tentamos fazer é indicar de uma maneira tosca e aproximada as duas tendências psicológicas que cremos serem as principais forças condutoras do esquerdismo moderno. Com isto não pretendemos estar dizendo TODA a verdade. Além disso, nossa discussão abarca apenas o esquerdismo moderno. Deixamos aberta a questão sobre o esquerdismo do século XIX e princípios do XX.

9. Às duas tendências psicológicas que servem de base ao esquerdismo moderno chamamos de «sentimentos de inferioridade» e «sobressocialização». Enquanto os sentimentos de inferioridade caracterizam todo esquerdismo, a sobressocialização caracteriza apenas um determinado segmento do esquerdismo moderno, mas este segmento é altamente influente.

SENTIMENTOS DE INFERIORIDADE

10. Por «sentimentos de inferioridade» não nos referimos apenas aos sentimentos de inferioridade no sentido estrito, mas a todo espectro relacionado: baixa auto-estima, sentimentos de impotência, tendências depressivas, derrotismo, culpa, aborrecimento, etc. Argumentamos que alguns esquerdistas modernos tendem a tais sentimentos (mais ou menos reprimidos) e como eles são decisivos para determinar a direção do esquerdismo moderno.

11. Quando alguém interpreta como depreciativo quase tudo o que se diz dele (ou a respeito de grupos com os quais se identifica), concluímos que tem sentimentos de inferioridade ou baixa autoestima. Esta tendência é evidente entre os defensores dos direitos das minorias, independente de pertencerem ou não à minoria cujos direitos defendem. São hipersensíveis diante das palavras usadas para designá-los. Os termos «negro», «oriental», «deficiente», «índia» para um africano, um asiático, uma pessoa impossibilitada, uma mulher originária não tinham uma conotação depreciativa. «Rapariga» era simplesmente o equivalente feminino para moça. As conotações negativas foram agregadas a estes termos pelos próprios ativistas. Alguns defensores dos direitos dos animais foram tão longe ao ponto de recusar a palavra «mascote» e fazer questão de sua substituição por «animal de companhia». Antropólogos esquerdistas exageram ao ponto de evitar falar qualquer coisa a respeito de pessoas primitivas que possa ser interpretado como negativo: querem substituir a palavra «primitivo» por «iletrado». Parecem quase paranoicos sobre qualquer coisa que lhes sugira que alguma cultura primitiva seja inferior à nossa. (Não queremos dizer que as culturas primitivas SÃO inferiores à nossa. Somente apontamos a hipersensibilidade destes antropólogos).

12. Aqueles que são mais sensíveis à terminologia «politicamente correta» não são os negros médios habitantes do gueto, imigrantes asiáticos, mulheres maltratadas ou pessoas deficientes, mas uma minoria de ativistas, muitos dos quais não pertencem a nenhum grupo «oprimido», mas que provem de estratos sociais privilegiados. A correção política tem seus maiores entusiastas entre os professores universitários, os quais têm emprego seguro, salários confortáveis, e a maioria deles são varões brancos heterossexuais de famílias de classe média.

13. Muitos esquerdistas têm uma intensa identificação com os problemas de grupos que têm um esteriótipo de débeis (mulheres), derrotados (índios americanos), repelentes (homossexuais), ou aparentemente inferiores. Nunca admitirão em seu foro interno que têm tais sentimentos, mas é precisamente por sua visão destes grupos como inferiores que se identificam com seus problemas. (Não sugerimos que mulheres, índios, etc., SÃO inferiores; só estamos fazendo uma anotação sobre a psicologia esquerdista).

14. As feministas estão ansiosamente desesperadas por demonstrar que as mulheres são tão fortes e capazes quanto os homens. Elas estão claramente esmagadas pelo medo de que as mulheres possam NÃO ser tão fortes e capazes quanto os homens.

15. Os esquerdistas odeiam todo esteriótipo do forte, bom e exitoso. Eles odeiam os Estados Unidos, odeiam a civilização ocidental, odeiam aos varões brancos, odeiam a racionalidade. As razões que dão para odiar o ocidente, etc. claramente não coincidem com seus motivos reais. DIZEM que odeiam o ocidente porque é guerreiro, imperialista, sexista, etnocêntrico, mas quando as mesmas faltas aparecem em países socialistas ou culturas primitivas, encontram desculpas para eles ou, quando muito, admitem-no RESMUNGANDO, enquanto destacam (muitas vezes exagerando muito) estas faltas quando aparecem em civilizações ocidentais. Assim, está claro que estas faltas não são os motivos reais para odiar os Estados Unidos e ocidente: odeiam os Estados Unidos e o ocidente porque são fortes e exitosos.

16. Palavras como «autoconfiança», «segurança», «iniciativa», «empreendimento», «otimismo», etc. jogam um papel muito pequeno no vocabulário liberal e esquerdista. O esquerdismo é anti-individualista, é pro-coletivista. Querem a sociedade para que ela resolva as necessidades de todo mundo, por eles e para cuidar deles. Não é o tipo de gente que tem um sentido interior de confiança em suas próprias habilidades para resolver seus próprios problemas e satisfazer suas próprias necessidades. O esquerdista opõe-se ao conceito de competição porque, interiormente, sente-se perdedor.

17. As formas de arte que apelam aos intelectuais do esquerdismo moderno tendem a enfocar-se na sordidez, na derrota e no desespero ou, por outro lado, tomam um tom orgiástico, renunciando ao controle racional, como se não tivesse esperança de conseguir nada através do cálculo racional e tudo o que ficou de fora deve submergir na sensação do momento.

18. Os filósofos esquerdistas modernos tendem a recusar coisas como razão, ciência e realidade objetiva e fazem questão de que tudo é culturalmente relativo. É justo formular perguntas sérias sobre os fundamentos do saber científico, sobretudo quando o conceito de realidade objetiva pode ser definido. Mas é óbvio que estes filósofos não são simplesmente coerentes de cabeça fria que sistematicamente analisam os fundamentos do conhecimento. Estão profundamente envolvidos emocionalmente em seu ataque à verdade e à realidade. Atacam estes conceitos por suas necessidades psicológicas. Seu ataque é uma saída para a hostilidade, e ao ser exitoso, satisfaz o impulso pelo poder. Mais importante, os esquerdistas odeiam a ciência e a racionalidade porque classificam certas crenças como verdadeiras (isto é, sucesso, superior) e outras crenças como falsas (isto é, fracasso, inferior). Os sentimentos esquerdistas de inferioridade estão tão profundamente arraigados que não podem tolerar nenhuma classificação de algo como exitoso ou superior e outra coisa como fracassada ou inferior. Isto também sublinha a rejeição de muitos com relação à doença mental e a utilidade das provas de inteligência. São antagonistas das explicações genéticas das habilidades ou condutas humanas porque estas explicações tendem a fazer aparecer algumas pessoas como superiores ou inferiores a outras. Preferem dar à sociedade o mérito ou a culpa para uma habilidade ou carência individual. Assim, se uma pessoa é «inferior» não é sua culpa, mas da sociedade, porque não foi educada corretamente.

19. O esquerdista não é a classe de pessoa cujos sentimentos de inferioridade fazem dela um bravo, um egoísta, um valentão, um promotor de si mesmo, um competidor cruel. Esta classe de pessoa não perdeu totalmente sua confiança. Tem um déficit em seu sentido de poder e em seu valor, mas ainda se pode conceber tendo a capacidade para ser forte, e seus esforços por fortalecer-se produzem seu comportamento desagradável. Alegamos que TODOS, ou quase todos, os fanfarrões e os competidores cruéis sofrem sentimentos de inferioridade. Mas o esquerdista vai bem além disso. Seus sentimentos de inferioridade estão tão arraigados que não pode conceber-se como um indivíduo forte e valioso. Daí o coletivismo do esquerdista: só pode sentir-se forte como membro de uma organização grande ou de um movimento de massas com o qual possa identificar-se.

20. Atendimento à tendência masoquista das táticas esquerdistas: protestam deitando na frente dos veículos, provocam intencionadamente à polícia ou aos racistas para que os maltratem, etc. Estas táticas com frequência podem ser efetivas, mas muitos as usam não como meios para um fim, mas porque PREFEREM táticas masoquistas. O ódio pelo ódio é característica esquerdista.

21. Podem reivindicar que seu ativismo é motivado pela compaixão ou por princípios morais, e os princípios morais exercem um papel nos esquerdistas do tipo sobressocializado, mas a compaixão e os princípios morais não podem ser os principais motivos para seu ativismo. A hostilidade é um componente que salta aos olhos no comportamento esquerdista, do mesmo modo que o impulso pelo poder. Além disso, muitos dos comportamentos esquerdistas não são racionalmente calculados para servir de benefício àqueles a quem clamam estar tentando ajudar. Por exemplo, se alguém crê que ações afirmativas são boas para o povo negro, faz sentido demandar ações afirmativas em termos hostis ou dogmáticos. Obviamente, programar uma aproximação diplomática e conciliadora é mais produtivo do que fazer concessões verbais e simbólicas e implementar ações afirmativas que os discriminem. Mas os ativistas esquerdistas não tomarão tais atitudes porque não satisfarão suas necessidades emocionais. Ajudar negros não é sua verdadeira finalidade. Em vez disso, os problemas raciais servem a eles como desculpa para expressar sua própria hostilidade e frustração diante de sua necessidade de afirmação. Fazendo isto eles realmente provocam dano ao povo negro, porque a atitude hostil dos ativistas para com a maioria branca tende a intensificar o ódio racial.

22. Se nossa sociedade não tivesse nenhum problema social, teriam que INVENTAR problemas com objetivo de mostrar uma desculpa para organizar um alvoroço.

23. Enfatizamos que o precedente não pretende ser uma descrição exata de todo mundo que possa considerar-se um esquerdista. É só uma indicação tosca de uma tendência geral.

SOBRESSOCIALIZAÇÃO

24. Os psicólogos usam o termo «socialização» para designar o processo pelo qual os meninos são treinados para pensar e atuar como manda a sociedade. Diz-se que uma pessoa está bem socializada se ela obedece e crê no código moral de sua sociedade e se encaixa bem como parte do funcionamento desta. Pode parecer com pouco sentido dizer que muitos esquerdistas estão sobressocializados, desde que o esquerdista é percebido como um rebelde. No entanto, a posição pode ser defendida: muitos não são tão rebeldes como parecem.

25. O código moral de nossa sociedade é tão exigente que ninguém pode pensar, sentir e atuar de uma forma completamente moral. Por exemplo, supõe-se que não podemos odiar a ninguém, no entanto quase todo mundo odeia ou odiou alguém alguma vez, quer admita ou não. Algumas pessoas estão tão altamente socializadas que tentam pensar, sentir e atuar moralmente, impondo um severo ônus a si mesmas. Com objeto de eludir sentimentos de culpa, continuamente têm que se enganar sobre seus próprios motivos e encontrar explicações morais para sentimentos e ações que na realidade não têm origem moral. Usamos o termo sobressocializado para descrever tais pessoas. Durante o período vitoriano muita gente sobressocializada sofreu sérios problemas psicológicos como resultado de reprimir ou tentar reprimir seus sentimentos sexuais. Freud aparentemente baseia suas teorias em gente deste tipo. Hoje em dia o foco da socialização se transladou do sexo para a agressão.

26. A sobressocialização pode conduzir a uma baixa autoestima, sentimentos de impotência, derrotismo, culpa, etc. Um dos mais importantes recursos pelos quais nossa sociedade socializa os meninos é fazendo-os sentir envergonhados do comportamento ou da fala que é contrária às expectativas da sociedade. Se isto é excessivo ou se um garoto em particular é especialmente sensível a tais sentimentos, acaba por sentir-se envergonhado de SI MESMO. Além disso, o pensamento e o comportamento da pessoa sobressocializada são mais restringidos pelas expectativas da sociedade do que da pessoa levemente socializada. A maioria das pessoas adota uma quantidade significativa de comportamento travesso. Mente, comete roubos desprezíveis, viola normas de tráfego, gazeteia o trabalho, odeia alguém, diz coisas rancorosas ou usa truques para levar vantagem sobre outros. A pessoa sobressocializada não pode fazer tais coisas, se faz origina um sentimento de vergonha e autoaborrecimento. A pessoa sobressocializada inclusive não pode experimentar, sem culpabilidade, pensamentos ou sentimentos que são contrários à moralidade aceita; não pode ter idéias «impuras». E a socialização não é só um problema de moralidade; estamos socializados para confirmar muitas normas de comportamento que não estão sob o encabeçamento da moralidade. Assim a pessoa sobressocializada está retida por uma correia psicológica e passa sua vida correndo pelas trilhas que a sociedade abriu para ele. Em muita gente sobressocializada isto resulta num sentido de coação e impotência que pode ser uma severa pena. Sugerimos que a sobressocialização está entre as crueldades mais sérias que os seres humanos infligem uns a outros.

27. Deduzimos que um segmento muito importante e influente da esquerda moderna está sobressocializado e que sua sobressocialização é de grande importância na determinação da direção do esquerdismo moderno. Os esquerdistas do tipo sobressocializado tendem a ser intelectuais ou membros da classe média alta. Note-se que os intelectuais universitários, sem incluir necessariamente os especialistas em engenharia ou ciência «hard», constituem o segmento mais altamente socializado de nossa sociedade e a ala mais esquerdista.

28. O esquerdista do tipo sobressocializado trata de fugir de sua correia psicológica e reafirmar sua autonomia rebelando-se. Mas normalmente não é suficientemente forte ao ponto de rebelar-se contra os valores mais básicos da sociedade. Em termos gerais, as finalidades dos esquerdistas de hoje NÃO estão em conflito com a moral estabelecida. Quer dizer, a esquerda toma um princípio da moral estabelecida, adota-o a sua maneira e então acusa a corrente majoritária da sociedade de violar esse princípio. Exemplos: igualdade racial, igualdade dos sexos, ajuda ao pobre, paz opondo-se à guerra, pacifismo generalizado, liberdade de expressão, amabilidade aos animais. Ainda mais fundamental, a obrigação da pessoa de servir à sociedade e a obrigação da sociedade de estar a serviço da pessoa. Todos estes foram valores profundamente arraigados em nossa sociedade (ou ao menos por muito tempo em sua classe média e alta). Há bastante gente na classe média e alta que resiste a alguns destes valores, mas normalmente sua resistência está mais ou menos encoberta. Tal resistência aparece nos meios de comunicação de massa de uma forma bem limitada. O principal impulso da propaganda em nossa sociedade é a favor dos valores declarados. A principal razão para que tais valores prevaleçam, por assim dizer, como valores oficiais de nossa sociedade é que eles são úteis ao sistema industrial. A violência é reprovada porque transtorna o funcionamento do sistema. O racismo é reprovado porque os conflitos étnicos também o transtornam. A discriminação desperdiça o talento dos membros de um grupo minoritário que pode ser útil para o sistema. A pobreza deve ser «curada» porque a classe baixa causa problemas ao sistema e o contato com esta abate a moral das outras classes. As mulheres são animadas a ter carreiras porque seu talento é valioso para o sistema e, ainda mais importante, por meio do trabalho regular as mulheres estão mais bem integradas ao sistema e se atam diretamente a ele mais do que com suas famílias. Isto ajuda a debilitar a solidariedade familiar. (Os líderes do sistema dizem que querem fortalecer a família, mas o que realmente querem dizer é que almejam que a família sirva como ferramenta eficaz para socializar aos filhos de acordo com suas necessidades. Raciocinamos nos parágrafos 51, 52 que o sistema não pode permitir à família ou qualquer outro grupo social de pequena escala ser forte e autônomo). Estes valores são explicitamente ou implicitamente expressos ou orçados em muitos dos materiais apresentado pelos meios de comunicação de corrente de opinião majoritária e pelo sistema educativo. Os esquerdistas especialmente do tipo sobressocializado, normalmente não se rebelam contra estes princípios, exceto quando justificam sua hostilidade à sociedade afirmando (com algum grau para valer) que esta não está vivendo de acordo com eles.

29. Tenho aqui uma ilustração da maneira como o esquerdista sobressocializado ao mesmo tempo em que adota uma afeição real às atitudes convencionais de nossa sociedade pretende estar em rebelião contra elas. Muitos promovem ações afirmativas, para inserir negros em trabalhos prestigiosos, melhorar a educação nos colégios negros e investir mais dinheiro em tais colégios; enquanto que a forma de vida da «classe baixa» negra é conservada como uma desgraça social. Querem integrar o homem negro dentro do sistema, fazer dele um executivo de negócios, um juiz, um cientista, simplesmente como gente branca de classe média alta. Em última análise querem mesmo é fazer do homem negro uma cópia do homem branco; dizem também querer preservar a cultura afroamericana. Mas em que consiste esta preservação? Pode consistir simplesmente em comer o estilo de comida negra, escutar música negra, vestir roupa ao estilo negro e ir a uma igreja ou mesquita negra. Em outras palavras, só podem expressar-se nos problemas superficiais. Em todos os aspectos ESSENCIAIS os esquerdistas do tipo sobressocializado querem mesmo é harmonizar o homem negro aos ideais de classe média do homem branco. Querem fazer o pai negro «responsável», querem que gangues negras se tornem não violentas, etc. Mas estes são exatamente os valores do sistema tecnológico-industrial. O sistema não quer saber que tipo de música o homem escuta, que tipo de roupa veste ou em que religião crê desde que estude no colégio, tenha um trabalho respeitável, ascenda à escala social, seja um pai «responsável», seja não violento e assim sucessivamente. Efetivamente, embora muitos possam negá-lo, o esquerdista sobressocializado quer integrar o homem negro no sistema para que ele adote os valores do sistema.

30. Certamente não postulamos que os esquerdistas, inclusive do tipo sobressocializado, NUNCA se rebelem contra os valores fundamentais de nossa sociedade. Claramente algumas vezes o fazem. Alguns esquerdistas sobressocializados chegaram ao ponto de rebelar-se contra um dos princípios mais importantes da sociedade moderna pelo uso da violência física. Por sua própria conta, a violência é para eles uma forma de «libertação». Em outras palavras, cometendo violência atravessam as restrições psicológicas que foram experimentadas em seu interior. Porque estão sobressocializados estas restrições foram mais limitantes para eles do que para outros; portanto precisam liberar-se delas. Mas normalmente justificam sua rebelião em termos de valores da corrente de opinião principal. Se se comprometem na violência postulam estar lutando contra o racismo ou algo parecido.

31. Compreendemos que pode haver objeções ao pequeno esboço precedente. A situação real é complexa, e algo como uma descrição completa ocuparia vários volumes, mesmo que os dados necessários estivessem disponíveis. Apenas chamamos a atenção para as duas tendências mais importantes na psicologia do esquerdismo moderno.

32. Os problemas do esquerdismo remetem aos problemas de nossa sociedade como um todo. Baixa autoestima, tendências depressivas e derrotismo não se restringem à esquerda. Embora sejam especialmente notáveis nesta, se estentem a toda nossa sociedade. E a sociedade de hoje trata de socializar-nos a um gráu maior do que qualquer sociedade prévia. Os especialistas nos dizem como comer, como fazer amor, como educar os nossos filhos e assim sucessivamente.

O PROCESSO DE AFIRMAÇÃO PESSOAL

33. Os seres humanos têm necessidade (provavelmente biológica) daquilo a que chamaremos o “processo de afirmação pessoal”. Embora esteja intimamente ligado à necessidade de poder (que é geralmente reconhecida), não é propriamente a mesma coisa. O processo de afirmação pessoal tem quatro elementos. Há três melhor definidos que chamamos: ter um objetivo, esforçar-se para alcançá-lo e atingi-lo. (Todos precisam ter objetivos que para serem atingidos requerem esforço, e precisam conseguir atingir pelo menos alguns desses objetivos.) O quarto elemento é mais difícil de definir e pode não ser uma necessidade para todas as pessoas. Chamamos-lhe autonomia e será discutido mais à frente […].

34. Considere-se o exemplo hipotético de alguém que passa a ter tudo o que quiser sem esforço. Embora tenha poder, essa pessoa há-de ficar com problemas psicológicos graves. De início irá divertir-se muito, mas aos poucos se sentirá fortemente aborrecida e desmoralizada. Acabará até por ficar clinicamente deprimida. A História demonstra que as aristocracias desocupadas tenderam a tornar-se decadentes […] por não terem a necessidade de aplicar-se em nada geralmente aborreciam-se, tornavam-se hedonísticas e desmoralizadas, mesmo que detendo o poder. Isto mostra que o poder por si só não é suficiente. É necessário algum objetivo que oriente o exercício desse poder.

35. Todos têm objetivos; se não for para outra coisa, pelo menos para satisfazer as necessidades vitais: comida, água, roupas e abrigos de acordo com o clima. […]

36. A não-realização de objetivos importantes resulta na morte se os objetivos forem necessidades vitais, e em frustração se a não-realização dos objetivos é compatível com a sobrevivência. A falha em realizar objetivos ao longo da vida resulta neste caso em derrotismo, fraca auto-estima ou depressão.

37. Assim, para evitar problemas psicológicos graves, os seres humanos precisam ter objetivos cuja realização exija empenho, e certa taxa de sucesso nessa realização.

38. […] Quando as pessoas não tenham de aplicar-se para satisfazerem as suas necessidades vitais é frequente estabelecerem objetivos artificiais por si próprias. Em muitos casos acabam por esforçar-se com a mesma energia e envolvimento emocionais que teriam posto para a satisfação de necessidades vitais. […]

39. Usamos o termo “atividade de substituição” para designar atividades orientadas por objetivos artificiais e que as pessoas estabelecem por si próprias meramente para terem uma razão para se esforçarem, ou seja, meramente pela “realização” que resulta de tentarem atingir esses objetivos. Eis uma maneira de identificar atividades de substituição. No caso de uma pessoa que devota muito tempo e energia para atingir um objetivo X, se em vez disso tivesse de orientar a maior parte do seu tempo e energia para a satisfação das suas necessidades biológicas, com o empenho dos seus recursos físicos e mentais de uma maneira variada e interessante, será que essa pessoa se sentiria gravemente carenciada por não atingir o objetivo X? Se se vir que a resposta é não, então o esforço dessa pessoa para realizar o objetivo X é uma atividade de substituição. […] Por outro lado, a obtenção de sexo e amor (por exemplo) não é uma atividade de substituição, porque a maior parte das pessoas, mesmo que as suas existências fossem de resto satisfatórias, se sentiriam carenciadas se passassem por esta vida sem alguma vez terem tido uma relação desta natureza. (Mas a busca de uma atividade sexual excessiva, para além do que seriam as necessidades, pode já ser uma atividade de substituição.)

40. Nas sociedades industriais modernas o esforço necessário para satisfazer as necessidades vitais é mínimo. Basta em princípio que se passe por uma fase de aprendizagem para atingir uma capacidade técnica pouco exigente, depois que se compareça ao emprego dentro dos horários e se exerça um modesto esforço para não perdê-lo. Os requisitos são apenas alguma inteligência, e acima de tudo, simples OBEDIÊNCIA. Para quem os tiver, a sociedade oferece a segurança do berço à cova. (Sim, há os marginalizados que não têm garantias de satisfazer as suas necessidades vitais, mas aqui se focam apenas as classes sociais comuns.) Assim, não é surpresa que as sociedades estejam cheias de atividades de substituição. Estas incluem o trabalho científico, os êxitos desportivos, o trabalho humanitário, a criação artística e literária, a promoção nas hierarquias empresariais, a acumulação de dinheiro e bens materiais muito para além do ponto em que deixam de acrescentar satisfação de necessidades vitais, e activismo social dirigido a assuntos que não são importantes para os próprios activistas […]. Nem sempre se trata de atividades puramente de substituição, pois para muitos elas podem ser motivadas em parte por outras necessidades que não sejam apenas a necessidade de ter objetivos. O trabalho científico pode ser em parte motivado pelo desejo de prestígio, a criação artística pela necessidade de expressar sentimentos, o activismo social militante por hostilidade. Mas para a maior parte daqueles que se dedicam a elas, trata-se principalmente de atividades de substituição. Por exemplo, a maior parte dos cientistas concordaria provavelmente que a “realização” que têm com o seu trabalho é mais importante que o dinheiro e prestígio que este lhes pode conferir.

41. Para muitos senão a maior parte, as atividades de substituição são menos satisfatórias que o esforço para atingir verdadeiros objetivos (isto é, objetivos que continuariam a valer a pena mesmo que a sua necessidade de atravessar o processo de afirmação pessoal já estivesse satisfeita). Uma indicação disto é o fato, em muitos casos ou na maior parte, das pessoas que estão profundamente envolvidas em atividades de substituição nunca estarem satisfeitas, nunca descansarem. Por exemplo, o indivíduo que ganha muito dinheiro continua a querer acumular mais e mais riqueza; o cientista mal acaba de resolver um problema e já passa para outro; […] Muitas pessoas que exercem atividades de substituição hão-de dizer que têm muito maior realização com estas atividades do que com a ocupação “mundana” de satisfazer as suas necessidades vitais, mas isto é porque na nossa sociedade o esforço requerido para satisfazê-las é trivial. E, o que é mais importante, não as satisfazem AUTONOMAMENTE, antes fazendo parte de uma máquina social imensa. Em contraste, as pessoas têm bastante autonomia na prossecução das suas atividades de substituição.

42. A autonomia, como parte do processo de afirmação pessoal, pode não ser necessária para todos os indivíduos. Mas a maior parte, a trabalhar para os seus objetivos, precisa de autonomia em maior ou menor grau. Os seus esforços têm de ser empreendidos por sua própria iniciativa e têm de manter- se sob o seu comando e controle. No entanto, a maior parte das pessoas não precisam de exercer esta iniciativa, comando e controle como indivíduos, cada um por seu lado. Basta que o façam como membros de um grupo PEQUENO. Assim, se meia dúzia de pessoas discutem um objetivo entre si e o realizam com sucesso através de um esforço conjunto, isto serve para a sua necessidade do processo de afirmação pessoal. Se pelo contrário trabalharem sob ordens rígidas vindas de cima, que não lhes deixem espaço para decisões e inciativas autónomas, então não serve para a sua necessidade do processo de afirmação pessoal. O mesmo se aplica quando as decisões são tomadas colectivamente por um grupo tão grande que o papel de cada indivíduo é insignificante [nota 5].

43. É um fato que alguns indivíduos parecem ter uma fraca necessidade de autonomia. Pode dever-se isso a uma falta de desejo de poder ou à satisafação do mesmo identificando-se com alguma organização poderosa a que pertençam […]

44. Mas para a maior parte das pessoas é através do processo de afirmação pessoal – ter um objetivo, fazer um esforço AUTÔNOMO e atingir esse objetivo – que se adquirem a auto-estima, a autoconfiança e uma sensação de poder. Quando não tenham a oportunidade de atravessarem o processo de afirmação pessoal as consequências são (dependendo do indivíduo e da maneira pela qual o processo de afirmação pessoal lhe é bloqueado): aborrecimento, desmoralização, fraca auto-estima, sentimentos de inferioridade, derrotismo, depressão, ansiedade, culpa, frustração, hostilidade, opressão/ agressão dos companheiros ou dos filhos, hedonismo insaciável, comportamento sexual fora do normal, perturbações do sono, problemas alimentares, etc. [nota 6]

DIAGRAMA DA ORIGEM DOS PROBLEMAS SOCIAIS

45. Qualquer um desses sintomas precedentes pode ocorrer em qualquer sociedade, mas na sociedade industrial moderna estão presentes massivamente. Não somos os primeiros a mencionar que hoje o mundo parece estar enlouquecendo. Isso não é normal nas sociedades humanas. Há boas razões para crer que o homem primitivo sofria menos tensão e frustração e estava mais satisfeito com sua forma de vida do que o homem moderno. É verdade que nas sociedades primitivas nem tudo era um caminho de rosas. O abuso às mulheres era comum entre os aborígenes australianos, assim como a transexualidade entre algumas tribos indígenas americanas. Mas parece que EM TERMOS GERAIS os problemas relacionados no parágrafo precedente eram muito menos comuns entre os povos primitivos do que na sociedade moderna.

46. Atribuímos os problemas sociais e psicológicos das sociedades modernas à exigência imposta aos indivíduos de viverem em condições radicalmente diferentes daquelas em que a espécie humana evoluiu e de comportarem-se em conflito com os padrões de comportamento que foram desenvolvidos nessas condições ancestrais. Ficou claro pelo exposto anteriormente que consideramos a falta de oportunidade de viver plenamente o processo de afirmação pessoal, entre as condições anormais a que as sociedades modernas sujeitam as pessoas, como a mais importante de todas. Mas não é a única. Antes de analisar-se o bloqueamento do processo de afirmação pessoal como causa de problemas sociais é necessário discutir algumas das outras causas.

47. Entre as condições anormais que caracterizam as sociedades industriais modernas contam-se a excessiva densidade populacional, o isolamento do Homem da natureza, o excesso de rapidez nas mutações sociais e o desaparecimento das pequenas comunidades naturais como o clã, a aldeia ou a tribo.

48. […] O grau de povoamento que vê hoje e o isolamento do Homem da natureza são consequências do progresso tecnológico. Todas as sociedades pré-industriais eram predominantemente rurais. A Revolução Industrial aumentou enormemente o tamanho das cidades e a proporção da população que nelas vive, e a tecnologia agrícola moderna tornou possível obter da terra o necessário para manter uma densidade populacional como nunca houve anteriormente. […]

49. Para as sociedades primitivas o mundo natural (que em geral só muda lentamente) constituía uma referência estável e por isso inspirava um sentimento de segurança. No mundo moderno é a atividade humana que domina a natureza e não o contrário, e as sociedades modernas mudam muito rapidamente devido às mudanças tecnológicas. Não existe uma referência estável.

50. Os conservadores iludem-se: enquanto se queixam da perda progressiva dos valores tradicionais, apoiam entusiasticamente o progresso e o crescimento da economia. Aparentemente nunca lhes ocorreu que não se pode mudar rápida e drasticamente a tecnologia e a economia da sociedade sem também causar mudanças rápidas em todos os outros aspectos da sociedade, e que tais mudanças acabam inevitavelmente por sacrificar os valores tradicionais.

51. A perda dos valores tradicionais implica de certa maneira a quebra dos elos que unem os pequenos agrupamentos tradicionais. A desintegração destes grupos também é promovida pelo fato de as pessoas, nas condições modernas, terem frequentemente de mudar-se (por exigência ou tentação) para outras terras, separando-se das suas comunidades. Além disso, uma sociedade tecnológica TEM DE enfraquecer os laços familiares e as comunidades locais para poder funcionar eficientemente. Nas sociedades modernas a lealdade de cada indivíduo tem de ser primeiro ao sistema e só secundariamente à pequena comunidade, porque se as lealdades internas das pequenas comunidades fossem mais fortes do que a lealdade ao sistema, essas comunidades actuariam para se favorecerem à custa do sistema.

52. Suponhamos que um servidor público ou um executivo de uma corporação prefira nomear seu primo, melhor amigo ou correligionario para um cargo do que uma pessoa melhor qualificada para o trabalho. Permitir que a fidelidade pessoal substitua a fidelidade pelo sistema é «nepotismo» ou sociedades industriais fizeram um precário trabalho na subordinação da fidelidade pessoal ou local à fidelidade ao sistema, já que são normalmente muito ineficientes? (Vide América Latina). Assim, uma sociedade industrial avançada só pode tolerar comunidades de pequena escala que estejam castradas, domesticadas e convertidas em ferramentas do sistema. Uma exceção parcial se pode fazer com uns poucos grupos fechados e passivos, tais como os Amish, os quais têm poucas conseqüências na sociedade longínqua. Aparte destes, hoje em dia existe nos Estados Unidos algumas outras comunidades de pequena escala genuínas. Por exemplo, ligas de jovens e «cultos». Todo mundo os considera perigosos, e são, porque os membros destes grupos são mais leais uns aos outros do que ao sistema, portanto este não os pode controlar. Consideremos aos ciganos. Estes comumente escapam no roubo e na fraude porque suas lealdades são tais que sempre podem conseguir outros ciganos a depor «provando» sua inocência. Obviamente o sistema estaria num sério problema se muita gente pertencesse a tais grupos.]

Alguns pensadores chineses do início do século XX interessados na modernização da China reconheceram a necessidade de acabar com grupos sociais de pequena escala como a família: «(Segundo Sun Yat-sen) O povo chines precisava uma nova onda de patriotismo, na qual trasnferiria sua lealdade à família para o Estado… (Segundo Li Huang) “os apegos tradicionais, particularmente à família, tinham que ser abandonados para que o nacionalismo pudesse se desenvolver na China.” (Chester C. Tão, “Pensamento Político Chinês no Século Vinte”, página 125, página 297).

53. As aglomerações, a mudança rápida e a decomposição das comunidades foram amplamente reconhecidas como origens dos problemas sociais, mas não cremos que sejam suficientes para explicar a amplitude dos problemas que hoje vemos.

54. Algumas cidades pré-industriais foram grandes e densamente povoadas, no entanto os seus habitantes não parecem ter sofrido de problemas psicológicos como se verifica nas sociedades modernas. Hoje nos EUA ainda se encontram áreas rurais pouco povoadas, nas quais se vêem os mesmos problemas que nas áeras urbanas – embora menos agudamente nas áreas rurais. Isto para dizer que o sobrepovoamento não parece ser um fator decisivo.

55. Enquanto a fronteira dos EUA ia avançando durante o século XIX, é provável que a mobilidade da população tenha feito desaparecer as pequenas comunidades de então pelo menos tanto como hoje acontece. Na realidade, até houve famílias que escolheram viver em isolamento, sem vizinhos num raio de várias milhas, nem pertencendo a comunidade alguma, e não consta que tenham desenvolvido problemas em resultado disso.

56. Mais ainda, as sociedades fronteiriças de então mudavam muito rápida e profundamente. Um homem podia ter nascido e ser criado numa cabana de madeira, longe da alçada da lei e de qualquer forma de organização, e alimentado com carne de animais selvagens; esse mesmo homem, quando chegasse a uma idade avançada, encontrar-se-ia a trabalhar num emprego regular, vivendo numa comunidade organizada e com aplicação das leis. Sendo uma mudança mais profunda do que ocorre tipicamente na vida de um indivíduo moderno, não consta que tenha acarretado problemas psicológicos. Na verdade, a sociedade norte-americana do século XIX era otimista e autoconfiante, bem ao contrário da sociedade que lhe sucede hoje. […]

57. A diferença, em nossa opinião, é que o indivíduo moderno tem a sensação (e com razão) que a mudança lhe é IMPOSTA, quando o habitante fronteiriço do século XIX tinha um sentimento (também justificado) que era ele a criar a mudança, por sua própria decisão. […] O agricultor pioneiro participava como membro de um grupo relativamente pequeno na criação de uma nova comunidade organizada. Pode questionar-se se a criação desta comunidade era uma melhoria, mas em todo o caso isso satisfazia a necessidade desse pioneiro do seu processo de afirmação pessoal.

58. […] Mantemos que a mais importante causa dos problemas sociais e psicológicos nas sociedades modernas reside no fato das pessoas não terem oportunidades suficientes para experimentarem o processo de afirmação pessoal de maneira normal. Não queremos com isto dizer que as sociedades modernas são as únicas nas quais o processo de afirmação pessoal é bloqueado. Provavelmente a maior parte senão todas as sociedades civilizadas interferem com o processo de afirmação pessoal em maior ou menor grau. Mas nas sociedades industriais o problema tornou-se especialmente gritante. […]

59. Dividimos as aspirações humanas em três grupos: (um) as que podem ser satisfeitas com esforço mínimo; (dois) as que podem ser satisfeitas, mas só à custa de esforço considerável; (três) as que não podem ser satisfeitas adequadamente, seja qual for o esforço que se faça para consegui-lo. O processo de afirmação pessoal é um processo de satisfação de necessidades do segundo grupo. Quanto mais as houver no terceiro grupo, maior será a frustração, a raiva, e por fim o derrotismo, a depressão, etc..

60. Nas sociedades industrializadas modernas as aspirações humanas naturais confinam-se aos primeiro e terceiro grupos, enquanto o segundo grupo tende cada vez mais a consistir de aspirações criadas artificialmente.

61. Nas sociedades primitivas, as necessidades físicas recaem em geral no grupo dois: podem ser obtidas, mas só com esforço considerável. Mas as sociedades modernas tendem a garantir as necessidades físicas de todos [nota 9] à custa de esforço mínimo, ou seja as necessidades físicas são relegadas para o grupo um. (Pode haver algum desacordo sobre se o esforço necessário para aguentar um emprego é “mínimo”; mas é usual, nos empregos das classes médias a baixas, o esforço que se exige ser apenas o da obediência. […] Raramente alguém tem de aplicar-se a sério, e mesmo assim praticamente não se tem autonomia no trabalho, daí que este nunca sirva para desenvolver um processo de afirmação pessoal.)

62. São frequentes as necessidades sociais, como o sexo, o amor e o status, ficarem no grupo dois em sociedades modernas, dependendo da situação do indivíduo. [nota 10] Mas, à excepção dos indivíduos que têm uma particularmente forte aspiração ao status, o esforço requerido para satisfazer as aspirações sociais é insuficiente para satisfazer a necessidade do processo de afirmação pessoal.

63. Assim, criaram-se certas necessidades artificiais que encaixam no grupo dois, que assim servem para a necessidade do processo de afirmação pessoal. Desenvolveram-se técnicas de publicidade e marketing que fazem muitas pessoas sentir que necessitam de coisas que os seus avós nunca desejaram ou com as quais nem sonharam sequer. Sendo preciso considerável esforço para ganhar o dinheiro suficiente para satisfazer estas necessidades artificiais, elas são do grupo dois. […] Em larga medida, o homem moderno tem de satisfazer a sua necessidade do processo de afirmação pessoal pela busca de necessidades artificiais criadas pelas indústrias de publicidade e marketing [nota 11], e por atividades de substituição.

64. Parece que para muita gente, talvez a maioria, estas formas artificiais do processo de afirmação pessoal não chegam. Um tema recorrente nos escritos dos observadores sociais da segunda metade do século XX é a sensação de falta de objetivos de que sofre muita gente nas sociedades modernas. […] Sugerimos que aquilo a que se chama “crise de identidade” é na verdade uma busca de um rumo, frequentemente traduzida na dedicação a uma atividade de substituição. Pode ser que o existencialismo seja em grande parte uma reacção à falta de objetivos da vida moderna. […] Prevalece muito nas sociedades modernas a busca de “realização”. Mas pensamos que para a maioria das pessoas uma atividade cujo objetivo principal é a realização (isto é, uma atividade de substituição) acaba por não trazer realização completamente satisfatória. Por outras palavras, não satisfaz completamente a necessidade do processo de afirmação pessoal. (ver parágrafo 41.) Essa necessidade pode ser satisfeita apenas através de atividades que tenham algum objetivo exterior, como por exemplo, as necessidades físicas, sexo, amor, status, vingança, etc..

65. Além disso, onde para atingir metas passe por ganhar dinheiro, subir na escala do status ou funcionando como parte do sistema de alguma outra maneira, a maior parte das pessoas não estão em condições de dedicar-se a atingi-las AUTONOMAMENTE. A maior parte dos trabalhadores é empregada de outrém, pois […] têm de passar os seus dias fazendo aquilo que lhes dizem para fazerem e da maneira que lhes é dito para o fazerem. Até a maior parte das pessoas que trabalham em negócios por conta própria têm uma autonomia limitada. Uma queixa crónica dos pequenos negociantes e empresários é que sentem as mãos atadas com a excessiva regulamentação governamental. Alguns desses regulamentos são sem dúvida desnecessários, mas na maior parte […] são partes essenciais e inevitáveis das sociedades extremamente complexas em que vivemos. […]

66. Hoje em dia as pessoas vivem mais em função do que o sistema faz PARA elas, ou do que o sistema LHES faz, do que em função do que fazem por si próprias. E o que fazem por si próprias é cada vez mais condicionado às vias estabelecidas pelo sistema. As oportunidades tendem a ser aquelas que o sistema abre, e têm de ser aproveitadas de acordo com regras e regulamentos [nota 13], e têm de seguir-se métodos prescritos por peritos para ter-se alguma hipótese de sucesso.

67. Portanto, o processo de afirmação pessoal é impedido na nossa sociedade por uma falta de reais objetivos assim como uma falta de autonomia na dedicação aos objetivos. Mas também o é por causa das aspirações humanas que pertencem ao grupo três: aquelas que não se podem satisfazer adequadamente independentemente dos esforços que se façam nesse sentido. Uma delas refere-se à necessidade de segurança. As nossas vidas dependem de decisões feitas por outras pessoas; não podemos controlar essas decisões e geralmente nem sequer conhecemos as pessoas que as tomam. […] As nossas vidas dependem da manutenção dos padrões de segurança de uma central nuclear; de quanto pesticida chega à nossa alimentação ou quanta poluição ao ar que respiramos; ou da competência do nosso médico; se perdemos um emprego ou o conseguimos pode depender de decisões feitas por economistas a trabalharem para o governo ou por gestores de empresas; e por aí fora. A maior parte dos indivíduos consegue proteger-se destas ameaças só muito limitadamente. A procura de segurança pelo indivíduo é por isso frustrada, do que resulta uma sensação de impotência.

68. Pode objectar-se que os homens primitivos estão fisicamente menos seguros que o homem moderno, como demonstra a sua menor esperança de vida; […] mas a segurança psicológica não corresponde bem à segurança física. O que nos faz SENTIR seguros não é tanto uma segurança objetiva, mas uma sensação de confiança na capacidade que temos de tomarmos conta de nós próprios. O homem primitivo, sob a ameaça de um animal feroz, ou da fome, pode lutar em sua própria defesa ou deslocar-se em busca de comida. Não tem a certeza de ter sucesso nestes esforços, mas em todo o caso não se considera indefeso contra as coisas que o ameaçam. Por seu lado, o homem moderno é ameaçado por muitas coisas em relação às quais está indefeso; acidentes nucleares, carcinogénios na comida, poluição ambiental, guerras, aumento dos impostos, violação da sua privacidade por parte de grandes organizações, fenómenos sociais ou sócio-económicos à escala nacional que podem pôr em causa o seu modo de vida.

69. […] o homem primitivo […] pode aceitar o risco de doença estoicamente. Faz parte da natureza das coisas, não é culpa de ninguém […]. Mas as ameaças ao indivíduo moderno tendem a ser PRODUZIDAS PELO HOMEM. Não são produto do acaso, são-lhe IMPOSTAS por outras pessoas cujas decisões ele é, como indivíduo, incapaz de influenciar. Por conseguinte sente-se frustrado, humilhado e indignado.

70. Portanto, o homem primitivo tem uma grande parte da sua segurança nas mãos (como indivíduo ou como membro de um grupo PEQUENO) enquanto a segurança do homem moderno está nas mãos de pessoas ou organizações que são demasiado remotas ou demasiado grandes para que possa influenciá- las pessoalmente. Assim a aspiração do homem moderno à segurança tende a recair nos grupos 1 e 3; nalgumas áreas (comida, abrigo, etc.) a sua segurança é garantida meramente à custa de um esforço trivial, enquanto noutras áreas NÃO PODE alcançar segurança. (Embora simplifique grandemente as situações reais, esta comparação indica grosseira e globalmente como as condições de vida do homem moderno diferem das do homem primitivo.)

71. A gente tem muitos impulsos transitórios que são necessariamente frustrados na vida moderna, assim que correspondem ao grupo três. Um pode enfadar-se, mas a sociedade moderna não pode permitir o confronto físico. Inclusive em muitas situações não permite a agressão verbal. Indo a algum lugar um pode ter pressa, ou pode estar de humor para viajar devagar, mas geralmente não há eleição e tem de mover-se com o tráfico e obedecer os sinais. Um pode querer fazer seu trabalho de um modo diferente, mas normalmente só se pode trabalhar de acordo às regras impostas por seu chefe. De outras muitas maneiras também, o homem moderno está subordinado à rede de regras e regulações (explícitas ou implícitas) que frustram muitos destes impulsos e desta maneira interferem no processo de afirmação pessoal. A maioria destas regulações não pode ser eliminada, porque são necessárias para o funcionamento da sociedade industrial.

72. A sociedade moderna é em certos aspectos extremamente permissiva. Naquilo que seja irrelevante para o funcionamento do sistema podemos em geral fazer o que nos apetecer. […] Mas em tudo aquilo que for IMPORTANTE o sistema tende cada vez mais a regular o nosso comportamento.

73. O comportamento não é só regulado por regras explícitas ou pelo governo. O controle é muitas vezes exercido através de coerção indirecta, ou através de pressão psicológica ou manipulação, e por organizações que não o governo, ou pelo sistema como um todo. A maior parte das organizações usa alguma forma de propaganda [nota 14] para manipular as atitudes públicas ou o comportamento. A propaganda não se limita à “publicidade” e anúncios, às vezes nem sequer as pessoas que os concebem pretendem conscientemente que o sejam. Por exemplo, o conteúdo da programação de entretenimento é uma forma poderosa de propaganda. […]

74. Sugerimos que a obsessão do homem moderno pela longevidade, e com a manutenção do vigor físico e o atrativo sexual até uma idade avançada, é um sintoma da irrealização resultante da privação com respeito ao processo de afirmação pessoal. A «crise dos cinquenta» também é um sintoma semelhante. Tal é a falta de interesse por ter filhos que é bastante comum na sociedade moderna, mas quase inacreditável na sociedade primitiva.

75. Nas sociedades primitivas a vida é uma sucessão de fases. Estando as necessidades e os propósitos de uma fase satisfeitos, não há relutância em passar-se à fase seguinte. Um rapaz atravessa o processo de afirmação pessoal tornando-se um caçador, caçando não por desporto ou para realizar-se mas para conseguir carne para comer. […] Passada esta fase, o rapaz não tem relutância em fixar-se às responsabilidades de criar uma família. (Em contraste, alguns indivíduos das sociedades modernas adiam indefinidamente terem filhos porque estão muito ocupados na demanda de alguma forma de “realização”. Sugerimos que a realização de que precisam é a experiência de um processo de afirmação pessoal adequado – com objetivos verdadeiros em vez dos objetivos artificiais das atividades de substituição.) Novamente, tendo criado com sucesso os seus descendentes, atravessando o processo de afirmação pessoal de assegurar-lhes as necessidades físicas, o homem primitivo sente que já completou a sua tarefa e está preparado para aceitar a velhice (se lá chegar) e a morte. Da outra parte, muitas pessoas modernas sentem-se perturbadas pela pesrpectiva da morte, como demonstra a quantidade de esforço que investem na manutenção da boa forma física, aparência e saúde. Argumentamos que isto se deve à insatisfação por nunca se terem servido das suas capacidades físicas, isto é, nunca passaram pelo processo de afirmação pessoal usando empenhadamente os seus corpos. Não é o homem primitivo, que utilizou o seu corpo diariamente em tarefas práticas, quem receia a deterioração da idade, mas sim o homem moderno, que nunca fez um uso prático do seu corpo para além de deslocar-se do seu carro para a casa. É o homem cuja necessidade do processo de afirmação pessoal foi satisfeita durante a sua vida que está mais bem preparado para aceitar o fim dessa vida.

76. […] alguém dirá “a sociedade tem de encontrar maneira de dar a todos a oportunidade de atravessar o processo de afirmação pessoal”. O valor da oportunidade seria assim destruído pelo próprio fato da sociedade a assegurar. O que as pessoas precisam é de encontrar ou criar as oportunidades para si próprias. Enquanto seja o sistema a DAR-lhes as oportunidades acaba por ter as pessoas por uma trela. Para conseguirem autonomia têm de escapar dessa trela.

COMO AS PESSOAS SÃO MOLDADAS

77. […] Discutamos algumas razões pelas quais há diferenças tão pronunciadas na maneira como as pessoas reagem às sociedades modernas.

78. Primeiro, sem dúvida há diferenças na intensidade do impulso por afirmação. Pessoas com um impulso débil podem ter relativamente pouca necessidade de atravessar o processo de afirmação pessoal, ou ao menos relativamente pouca necessidade de autonomia nesse processo. Por exemplo, escravos negros do tipo dócil e feliz trabalhando antigamente nas fazendas escravocratas no Sul dos Estados Unidos. (Não queremos dizer com isso que todos aqueles «escravos negros» eram dóceis e felizes. A maioria dos escravos NÃO estava contente com sua servidão. Referimos-nos aos que ESTAVAM contentes com a servidão).

79. Há pessoas que podem ter alguma aspiração excepcional cuja obtenção lhes satisfaça a sua necessidade para o processo de afirmação pessoal. Por exemplo, aqueles que têm uma ânsia invulgar de status social podem passar as suas vidas a escalarem os degraus sociais sem que alguma vez se aborreçam com esse jogo.

80. As pessoas variam no grau de suscetibilidade diante dos anúncios e técnicas de mercado. Alguns são tão susceptíveis que mesmo tendo grande quantidade de dinheiro, são insaciáveis mesmo diante dos novos e reluzentes brinquedos que a indústria de mercado põe diante seus olhos. Sempre se sentem financeiramente oprimidos, mesmo sendo portadores de grandes rendimentos. E seus desejos se vêem frustrados.

81. Os que têm baixa suscetibilidade aos anúncios e técnicas de mercado são pessoas não muito interessadas em dinheiro. Necessidades materiais não satisfazem sua necessidade de afirmação pessoal.

82. Os que têm uma suscetibilidade média aos anúncios e às técnicas de mercado são capazes de ganhar dinheiro suficiente para satisfazer seus desejos de bens e serviços, mas apenas ao custo de muito suor (fazendo horas extras, tendo um segundo trabalho, adquirindo promoções, etc). Assim, as aquisições materiais cumprem em parte sua necessidade de afirmação pessoal. Pode ser que não tenham suficiente autonomia no processo de afirmação (seu trabalho pode consistir em seguir ordens) e alguns de seus impulsos podem ser frustrados (exemplo, segurança, agressão). (Somos culpados de simplificar demasiado nos parágrafos 80-82 porque assumimos que o desejo de aquisições materiais é inteiramente uma criação dos anúncios e das técnicas de mercado. As coisas não são assim tão simples). (Ver parágrafo 63).

83. Algumas pessoas satisfazem a sua necessidade de poder identificando-se com alguma organização poderosa ou um movimento de massas. Um indivíduo sem objetivos ou poder adere a um movimento ou a uma organização, adopta-lhe os objetivos como sendo seus, e depois esforça-se para o alcançar desses objetivos. Uma vez atingidos, esse indivíduo, mesmo que sua contribuição pessoal fosse insignificante, sente-se […] como se tivesse atravessado o processo de afirmação pessoal. Este fenómeno foi aproveitado por fascistas, nazis e comunistas. A nossa sociedade também o faz, se bem que menos declaradamente. […] É um fenômeno que se vê nos exércitos, grandes empresas, partidos políticos, organizações humanitárias, movimentos religiosos ou ideológicos. […] Mas, para a maior parte, a identificação com uma grande organização ou um movimento de massas não basta para satisfazer a necessidade de poder.

84. Outra forma que as pessoas usam para satisfazer sua necessidade de afirmação pessoal é através de atividades de substituição. […] Por exemplo, não há motivação prática para desenvolver músculos enormes, mandar uma pequena bolinha para dentro de um buraco ou adquirir uma série completa de selos de correio. No entanto muita gente […] devota-se com paixão ao culturismo, ao golfe ou à filatelia. Algumas pessoas atuam muito em função dos outros, e por isso facilmente darão importância a uma atividade de substituição apenas porque as pessoas à sua volta a consideram importante, ou porque a sociedade lhes diz que é importante. É por isso que certas pessoas levam tão a peito atividades triviais na sua essência, como são os desportos, o bridge, o xadrez, ou questões académicas abstrusas, em contraste com outras que vêm com maior clareza que estas coisas não passam de atividades de substiuição, e em consequência disso nunca lhes dão importância suficiente para chegarem a achar que tais atividades lhes servem para satisfazer as suas necessidades de afirmação pessoal. Resta apenas dizer que em muitos casos o próprio ganha-pão é também uma atividade de substituição. Não PURAMENTE uma atividade de substituição, visto que parte da motivação por essa atividade é assegurar as necessidades físicas e (para alguns) um status social, assim como os luxos que a propaganda lhes faz quererem alcançar. Mas muita gente põe no seu trabalho muito mais esforço do que é necessário para ganharem o dinheiro e status que pretendem, e este esforço extra constitui uma atividade de substituição. Esse esforço extra, e o investimento emocional que o acompanha, é uma das forças mais potentes atuando a favor do contínuo desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema, de consequências negativas para a liberdade pessoal (ver parágrafo 131). Em particular para a maior parte dos cientistas e engenheiros criativos, o trabalho é na prática uma atividade de substituição. Este ponto é tão importante que merecerá discussão em separado (parágrafos 87 a 92).

85. […] explicámos como muitas pessoas satisfazem a sua necessidade do processo de afirmação pessoal em maior ou menor grau. Mas pensamos que para a maioria das pessoas a necessidade do processo de afirmação pessoal não está plenamente satisfeita. Em primeiro lugar, porque aqueles que têm um apetite insaciável pelo status, ou que se “agarram” firmemente a uma atividade de substituição, ou que se identificam fortemente com um movimento ou organização para satisfazerem através deles a sua necessidade de poder, são personalidades excepcionais. Para as restantes isso não chega […]. Em segundo lugar, porque o sistema impõe demasiado controle, através de regulamentos ou da colectivização, resultando num défice de autonomia, e na frustração da impossibilidade de alcançar certos objetivos e necessitar refrear demasiados impulsos.

86. Mesmo que a maior parte das pessoas na sociedade tecnológico-industrial estivesse satisfeita, nós (FC) ainda nos oporíamos a esta forma de sociedade, porque (entre outras razões) consideramos insuficiente realizar a própria necessidade de afirmação pessoal através de atividades substitutivas ou através da identificação com uma organização. A afirmação pessoal deve ser obtida através da perseguição de finalidades reais.

OS MOTIVOS DOS CIENTISTAS

87. A ciência e a tecnologia dão-nos os mais importantes exemplos de atividades de substituição. Há cientistas que se dizem motivados pela “curiosidade”, uma noção simplesmente absurda. A maior parte dos cientistas trabalha sobre problemas altamente especializados que não são objeto de nenhuma curiosidade normal. Por exemplo, terão astrônomos, matemáticos ou entomólogos curiosidade sobre as propriedades do isopropiltrimetilmetano? Claro que não. Só um químico a terá por tal coisa, e isso apenas porque a química é a sua atividade de substituição. […] Suponha-se que a falta de financiamento para a educação pós-graduada levasse o químico a tornar-se um mediador de seguros em vez de um químico. Nesse caso ele interessar-se- ia muito por assuntos de seguros, mas nem se preocuparia com o isopropiltrimetilmetano. De qualquer forma não é normal que se dedique tanto tempo e esforço, como os cientistas fazem no seu trabalho, pela satisfação de mera curiosidade. A explicação da “curiosidade” para a motivação dos cientistas cai por terra.

88. A explicação do “benefício da humanidade” também não serve. […] Certas áreas científicas criam possibilidades evidentemente perigosas. No entanto os cientistas nestas áreas são tão entusiásticos acerca dos seus trabalhos como aqueles que desenvolvem vacinas ou estudam a poluição do ar. Olhe-se o caso do Dr. Edward Teller e o seu evidente envolvimento emocional na promoção de centrais nucleares. […] Tal como muitos outros grandes feitos científicos, é muito questionável se as centrais nucleares realmente beneficiam a humanidade. Será que a electricidade mais barata consegue contrabalançar a acumulação de desperdício radioactivo e o risco de acidentes? O Dr. Teller via apenas um lado da questão. É claro que o seu envolvimento emocional com a energia nuclear não partia de um desejo de “beneficiar a humanidade” mas de uma satisfação pessoal com o seu trabalho e com vê-lo ser posto em prática.

89. O mesmo se aplica aos cientistas em geral. Com raras excepções sempre possíveis, a sua motivação não é nem curiosidade nem um desejo de beneficiar a humanidade, mas uma necessidade de atravessar um processo de afirmação pessoal: ter um objetivo (um problema científico por resolver), desenvolver um esforço (investigação) e alcançar o objetivo (solução do problema). A ciência é uma atividade de substituição porque os cientistas trabalham principalmente para a realização que retiram do próprio trabalho.

90. É claro que não é assim tão simples. Há outras motivações com importância para muitos cientistas. Por exemplo, dinheiro e status. Alguns cientistas serão pessoas do tipo com um apetite insaciável pelo status (ver parágrafo 79) e isso pode assegurar-lhes muita da motivação para o trabalho. Nem há dúvidas acerca da maior ou menor suscetibilidade da maioria dos cientistas, como da maior parte da população em geral, à publicidade e às técnicas de marketing, por isso precisam de dinheiro para satisfazer a sua ânsia de mercadorias e serviços. Assim, a ciência não é PURAMENTE uma atividade de substituição. Mas é-o em grande medida.

91. A ciência e a tecnologia constituem, além disso, um movimento de massas, e muitos cientistas preenchem a sua necessidade de poder pela identificação com este movimento de massas (ver parágrafo 83).

92. Assim a ciência caminha na cegueira, sem discernir o que é realmente bom para a raça humana […], obedecendo unicamente às necessidades psicológicas de cientistas, de servidores públicos do governo e de executivos de corporações que fornecem fundos para investigações.

A NATUREZA DA LIBERDADE

93. Nenhuma reforma da sociedade tecnológico-industrial evitará o progressivo estreitamento da esfera da liberdade humana. «Liberdade» é uma palavra que pode ser interpretada de muitas maneiras, devemos antes de qualquer coisa esclarecer a que liberdade nos referimos.

94. Por «liberdade» nos referimos à oportunidade de atravessar o processo de afirmação pessoal, com finalidades reais e não com as finalidades artificiais das atividades substitutivas, sem interferências, manipulações ou supervisão de ninguém, especialmente de nenhuma grande organização. Liberdade significa ter controle (tanto como pessoa como membro de um grupo PEQUENO) dos problemas que afetam nossa existência, nossa vida e nossa morte; comida, roupa, refúgio e defesa contra qualquer temor que possa ter em nosso meio. Liberdade significa ter poder, não poder de controlar outras pessoas, mas poder de controlar a própria vida. Estarás desprovido de liberdade se qualquer outro homem (especialmente uma grande organização) tiver poder sobre ti, não importa a benevolência, a tolerância e a permissividade com que o poder possa ser exercido. É importante não confundir liberdade com a mera permissividade (ver parágrafo 72).

95. É comum ouvirmos que vivemos numa sociedade livre porque temos determinado número de direitos constitucionalmente garantidos. Mas isto não é tão importante como parece. O grau de liberdade pessoal que existe numa sociedade está mais determinado pela estrutura econômica e tecnológica da sociedade do que por suas leis ou por sua forma de governo. [16] Muitas das nações índias de Nova Inglaterra eram monárquicas, e muitas das cidades da Itália renascentista eram controladas por ditadores. Mas lendo sobre essas sociedades fica a impressão de que permitiam mais liberdade pessoal do que a nossa. Em parte era porque faltavam mecanismos eficientes para executar a vontade do governante: não tinha forças policiais modernas bem organizadas, comunicações rápidas de longa distância, câmaras de vigilância, dossiês de informação sobre a vida dos cidadãos médios. Portanto era relativamente fácil escapar do controle.

96. Quanto a nossos direitos constitucionais, consideremos, por exemplo, o concernente à liberdade de imprensa. Certamente não queremos acabar com esse direito: é uma ferramenta muito útil para limitar a concentração de poder político e manter aqueles que o detem sob controle para expor publicamente qualquer má conduta de sua parte. Mas a liberdade de imprensa é de muito pouca utilidade para o cidadão médio enquanto individuo. Os meios de comunicação de massa estão em sua maior parte sob o controle de grandes organizações que estão integradas ao sistema. Qualquer um que tenha um pouco de dinheiro pode imprimir algo, pode distribuí-lo na Internet ou de alguma outra maneira, mas seja lá o que diga estará submerso pelo vasto volume de material lançado pelos meios, portanto não terá um efeito prático. É por isso quase impossível para muitas pessoas e grupos pequenos provocar um efeito na sociedade com palavras. Tomemos o (FC) como exemplo. Se não tivéssemos feito nada violento e tivéssemos apresentado os presentes escritos a um editor, provavelmente não seriam aceitos. Mesmo se fossem aceitos e publicados, provavelmente não atrairiam muitos leitores, porque é mais divertido ver o entretenimento lançado pelos meios do que ler um ensaio sóbrio. Mesmo se estes escritos tivessem muitos leitores, a maioria logo esqueceria o que tinha lido porque suas mentes estão atoladas na massa de material exposta pelos meios. A fim de apresentar nossa mensagem ante o público com alguma oportunidade de criar uma impressão duradoura, tivemos que matar gente.

97. Os direitos constitucionais são úteis até certo ponto, mas não servem para garantir nada além daquilo que pode ser chamado de concepção burguesa da liberdade. Segundo a concepção burguesa, um homem «livre» é essencialmente um elemento da maquinaria social e tem apenas uma determinada série de liberdades prescritas e delimitadas; liberdades que são designadas para servir mais as necessidades do maquinário social do que da pessoa. Assim o homem «livre» burguês tem liberdade econômica porque isso promove o crescimento e o progresso; tem liberdade de imprensa porque a crítica do público se restringe à má conduta por parte dos líderes políticos; tem direito a um juízo imparcial porque a prisão ao desejo do poderoso seria má para o sistema. Esta era claramente a atitude de Simón Bolívar. Para ele, as pessoas merecem liberdade desde que a use para promover o progresso (progresso como o concebe o burguês). Outros pensadores burgueses adotaram um ponto de vista similar da liberdade, como mero meio para finalidades coletivas. Chester C. Tan, «Pensamento Político Chinês no Século XX», página 202, explica a filosofia do líder do Kuomitang, Hu Han-min: «Uma pessoa tem garantia de direitos porque é membro da sociedade e a vida de sua comunidade requer tais direitos. Por comunidade Hu quer dizer «a totalidade da sociedade da nação». E na página 259, Tan declara que, de acordo com Carsum Chang (Chang Chung-mai, cabeça do Partido Socialista Estatal em China), a liberdade deve ser usada em interesse do Estado e das pessoas como conjunto. Mas que espécie de liberdade é essa que só pode ser usada na forma como outro a prescreve? A concepção de liberdade do FC não é como a de Bolívar, Hu, Chang ou outros teóricos burgueses. O problema com tais teóricos é que fizeram do desenvolvimento e da aplicação de teorias sociais sua atividade substitutiva. Consequentemente, as teorias são criadas para servir mais às necessidades dos teóricos do que às necessidades de qualquer pessoa que não teve sorte suficiente para viver numa sociedade onde teorias são impostas.

98. Devemos levar em conta mais um ponto nesta seção: o simples fato de alguém DIZER que tem liberdade suficiente não significa que seja suficientemente livre. A liberdade é em parte restringida por controle psicológico do qual as pessoas não têm consciência, além disso, muitas idéias acerca do que constitui a liberdade são determinadas mais pela convenção social do que por suas necessidades reais. Por exemplo, é provável que muitos esquerdistas do tipo sobressocializado digam que muitas pessoas, inclusive eles mesmos, são menos socializadas do que deveriam, no entanto os esquerdistas sobressocializados pagam um forte preço psicológico por seu alto nível de socialização.

ALGUNS PRINCÍPIOS DA HISTÓRIA

99. Pense a história como a somatória de dois componentes: um errático que consiste em eventos imprevisíveis que seguem uma norma incompreensível e outro regular que consiste em tendências históricas de períodos longos. Aqui nos interessa a segunda tendência.

100. PRIMEIRO PRINCÍPIO. Se uma PEQUENA mudança afeta uma tendência histórica de longo período, então o efeito da mudança será quase sempre transitório – a tendência logo retrocederá a seu estado original. (Exemplo: Um movimento de reforma no sentido de limpar a corrupção política numa sociedade raramente terá mais do que um curto efeito de duração, cedo ou tarde os reformistas relaxam e a corrupção se instala novamente. O nível de corrupção política numa determinada sociedade tende a permanecer constante ou muda paulatinamente apenas com a evolução da sociedade. Normalmente, uma limpeza política só será permanente se for acompanhada de mudanças sociais gerais, uma PEQUENA mudança na sociedade não será suficiente). Se uma pequena mudança numa tendência histórica de período longo se apresenta como permanente, é apenas porque a mudança atua na direção em que a tendência estava se movendo, assim a tendência não se altera, é apenas empurrada socialmente um passo adiante.

101. O primeiro princípio é quase uma tautologia. Se uma tendência não se mantém estável com relação a pequenas mudanças, vagaria a esmo antes de seguir uma direção definida; em outras palavras, não seria uma tendência de longo período.

102. SEGUNDO PRINCÍPIO. Se uma mudança suficientemente grande altera permanentemente uma tendência histórica de longo período, isso alterará a sociedade em seu conjunto. Em outras palavras, uma sociedade é um sistema em que todas suas partes estão interrelacionadas, e não dá para mudar permanentemente uma parte importante sem mudar também todas as outras.

103. TERCEIRO PRINCÍPIO. Se uma mudança suficientemente grande altera permanentemente uma tendência de longo período, então as consequências para a sociedade como um todo não podem ser preditas. (A não ser que várias sociedades tenham passado pela mesma mudança e tenham experimentado as mesmas consequências, em tal caso único, pode-se predizer no terreno empírico que qualquer outra sociedade que passe pela mesma mudança provavelmente experimentará consequências similares).

104. QUARTO PRINCÍPIO. Um novo tipo de sociedade não pode ser desenhado no papel. Isto é, não dá para planejar um novo tipo de sociedade a priori. Podemos construí-la e esperar que funcione a contento.

105. O terceiro e o quarto princípio resultam da complexidade das sociedades humanas. Uma mudança no comportamento humano afetará a economia de uma sociedade e seu meio físico; a economia afetará o meio ambiente e vice- versa, e as mudanças na economia e no meio ambiente afetarão o comportamento humano de uma maneira complexa e imprevisível. A rede de causas e efeitos é demasiado complexa para ser desmaranhada e entendida.

106. QUINTO PRINCÍPIO. Ninguém elege consciente e racionalmente a forma de sua sociedade. As sociedades se desenvolvem através de um processo de evolução social que não está sob o controle racional humano.

107. O quinto princípio é uma consequência dos outros quatro.

108. Como ilustração: pelo primeiro princípio, em termos gerais, uma tentativa de reforma social ou funciona no sentido que a sociedade já desenvolve (simplesmente acelerando a mudança que cedo ou tarde ocorrerá) ou apenas terá um efeito transitório, de maneira que a sociedade logo voltará a sua velha rotina. Se a reforma é insuficiente para uma mudança duradoura no sentido do desenvolvimento de qualquer aspecto importante de uma sociedade, a revolução torna-se necessária. (A qual não envolve necessariamente um levante armado ou a derrubada de um governo). Pelo segundo princípio, uma revolução nunca muda apenas um aspecto da sociedade; e pelo terceiro princípio ocorrem mudanças que os revolucionários não esperavam nem desejavam. Pelo quarto princípio, quando os revolucionários ou utópicos organizam um novo tipo de sociedade, ela nunca funciona conforme planejaram.

109. A Revolução dos Estados Unidos não proporciona um contraponto. A «Revolução» dos Estados Unidos não foi uma revolução no sentido estrito da palavra, foi uma guerra de independência seguida de, digamos, uma extensa reforma política. Os Pais Fundadores não mudaram a direção do desenvolvimento da sociedade estadunidense, nem aspiraram fazê-lo. Apenas libertaram o desenvolvimento da sociedade estadunidense do efeito retardante do governo britânico. Sua reforma política não mudou nenhuma tendência básica, apenas impulsionou a cultura política americana ao longo de sua direção natural de desenvolvimento. A sociedade britânica, da qual a sociedade estadunidense era um replique, moveu-se bastante tempo no sentido de uma democracia representativa. Antes da Guerra de Independência os estadunidenses já a praticavam num grau significativo nas assembleias da colônia. O sistema político estabelecido pela Constituição foi modelado no sistema britânico e nas assembleias coloniais. Mas não há dúvida que os Pais Fundadores subiram um degrau importante. Mas foi um degrau ao longo do caminho que o mundo de fala inglesa estava já fazendo. A prova é que a Grã- Bretanha e suas colônias povoadas predominantemente por gente de descendência britânica acabaram adotando um sistema de democracia representativa essencialmente similar aos Estados Unidos. Se os Pais Fundadores se acovardassem e recusassem assinar a Declaração de Independência, nossa forma de vida hoje não teria sido significativamente diferente. O mesmo ocorreria se estreitássemos os laços com a Grã-Bretanha adotando Parlamento e Primeiro Ministro em vez de Congresso e Presidente. Nenhuma grande mudança ocorreria. Assim a Revolução americana não nos proporciona um contraponto para nossos princípios, mas sim uma boa ilustração deles.

110. Não obstante, é necessário usar o sentido comum na aplicação dos princípios. São expressos numa linguagem imprecisa que permite as mais variadas interpretações e admitem exceções a eles. Assim, os apresentamos não como normas invioláveis, mas como regras singelas, ou guias para se pensar, que podem proporcionar um antídoto parcial às ideias ingênuas acerca do futuro da sociedade. Devemos ter em mente constantemente tais princípios, e sempre que alguma conclusão entrar em conflito com algum deles, deve-se reexaminar cuidadosamente o pensamento e reter a conclusão apenas se tiver boas e sólidas razões para fazê-lo.

A SOCIEDADE TECNOLÓGICO-INDUSTRIAL NÃO PODE SER REFORMADA

111. Os princípios precedentes ajudam a ver que reformar o sistema industrial é tão desesperadamente difícil quanto impedi-lo em seu progressivo estreitamento de nossa esfera de liberdade. Houve uma tendência consistente, anterior à Revolução Industrial, no fortalecimento do sistema com ajuda da tecnologia e com alto ônus à liberdade individual e local. Portanto qualquer mudança desenhada para proteger a liberdade da tecnologia contraria a tendência fundamental no desenvolvimento de nossa sociedade. Consequentemente, tais mudanças seriam transitórias — logo seriam submersas pela corrente da história — ou, se fossem suficientemente grandes permaneceriam e alterariam a natureza de toda nossa sociedade. Isto pelo primeiro e pelo segundo princípio. Além disso, na medida em que a sociedade desenvolve vertentes imprevisíveis (terceiro princípio) não haveria grande risco. Mudanças suficientemente grandes ao ponto de fazer uma diferença duradoura em favor da liberdade não seriam iniciadas, uma vez que seriam fatais ao sistema. Portanto, quaisquer tentativas de reforma seriam demasiado tímidas para serem eficazes. Mesmo se mudanças suficientemente grandes para fazer uma diferença duradoura fossem iniciadas, elas seriam estancadas quando seus efeitos perturbadores se tornasse evidente. Assim, mudanças permanentes em favor da liberdade poderiam ser alcançadas apenas por pessoas preparadas para aceitar as radicais, perigosas e imprevisíveis alterações de todo o sistema. Em outras palavras, por revolucionários, não por reformadores.

112. Pessoas ansiosas por resgatar a liberdade sem sacrificar supostos benefícios da tecnologia sugerirão ingênuos esquemas para algum novo tipo de sociedade que reconcilie liberdade com tecnologia. Aparte do fato de que aquele que faz sugestões raramente propõe algum meio-termo prático para que a nova forma de sociedade possa prevalecer, deduz-se do quarto princípio que mesmo prevalecendo a nova forma de sociedade pode entrar em colapso ou resultar bem diferente do esperado.

113. Portanto, em termos bem gerais, parece improvável que se encontre alguma forma de mudança social que concilie liberdade com moderna tecnologia. Nas próximas seções daremos razões mais específicas no sentido de que liberdade e progresso tecnológico são incompatíveis.

A RESTRIÇÃO DA LIBERDADE É INEVITÁVEL NA SOCIEDADE INDUSTRIAL

114. Como explicamos nos parágrafos 65-67, 70-73, o homem moderno está preso a uma rede de normas e regulamentos, e seu destino depende de ações de pessoas distantes em cujas decisões não pode influir. Isto não é acidental nem resultante de arbitrariedades de burocratas arrogantes. É necessário e inevitável em qualquer sociedade tecnologicamente avançada. O sistema para funcionar TEM QUE regular necessariamente o comportamento humano. No trabalho, a gente tem que fazer o que nos mandam, de outra maneira a produção entraria no caos. As burocracias TÊM QUE estar organizadas de acordo com regras rígidas. A permissão de qualquer ponderação pessoal substantiva a burocratas de nível baixo desorganizaria o sistema criando uma série de problemas relacionados às diferenças na maneira individual no exercício do talento. É verdade que poderiam ser eliminadas algumas restrições à nossa liberdade, mas EM TERMOS GERAIS a regulação de nossas vidas por parte das grandes organizações é necessária para o funcionamento da sociedade tecnológico-industrial. O resultado é um sentimento de impotência por parte das pessoas comuns. Pode ocorrer, no entanto, que as regulações formais tendam a ser substituídas por ferramentas psicológicas que nos façam atender àquilo que o sistema requer de nós (propaganda, técnicas educacionais, programas de «saúde mental», etc.). (Ver parágrafo 73).

115. O sistema TEM QUE forçar pessoas a comportar-se de maneira cada vez mais distante do modelo natural de comportamento humano. Por exemplo, o sistema precisa de cientistas, matemáticos e engenheiros. Não pode funcionar sem eles. Pressiona-se muito aos jovens para que se destaquem nestes campos. Não é natural para um ser humano adolescente passar a maior parte de seu tempo sentado diante de uma mesa absorvido pelo estudo. Um adolescente normal quer passar seu tempo em contato ativo com o mundo real. Entre as pessoas primitivas as coisas para as quais eram treinados estavam em harmonia com os impulsos humanos naturais. Entre os índios americanos, por exemplo, os garotos eram treinados em exercícios ao ar livre — simplesmente o tipo de coisas que lhes agrada fazer. Mas em nossa sociedade os meninos são empurrados a estudar matérias técnicas, que a maioria faz resmungando.

116. Devido à constante pressão que o sistema exerce para modificar o comportamento humano, há um incremento gradual no número de pessoas que não pode ou não poderão ajustar-se às exigências da sociedade: usuários de programas sociais, gangues juvenis, cultistas, rebeldes antigovernamentais, sabotadores, radicais defensores do meio ambiente, avessos à escola e os mais variados tipos de rebeldes.

117. Em qualquer sociedade tecnologicamente avançada o destino das pessoas depende de decisões que elas não podem influir pessoalmente em nenhum grande grau. Uma sociedade tecnológica não pode ser dividida em comunidades pequenas e autônomas, porque a produção depende da cooperação de um grande número de pessoas e máquinas. Tal sociedade tem que ser altamente organizada e as decisões TÊM que ser tomadas para afetar a um grande número de gente. Quando uma decisão afeta, digamos, a um milhão de pessoas, então a cada uma das pessoas participa, em média, com apenas uma millonésima parte na tomada de decisão. O que normalmente ocorre na prática é que a decisão é tomada por servidores públicos, executivos de corporações, ou por especialistas técnicos, mas mesmo quando o público vota uma decisão o número de votantes comumente é demasiado grande para que o voto de qualquer pessoa resulte significativo. Encontramos defensores do sistema que citam casos em que as eleições foram decididas por um ou dois votos, mas tais casos são raros. Assim muitas pessoas são incapazes de influenciar mesuravelmente a decisão majoritária que afeta suas vidas. Não há maneira concebivel de remediar isto numa sociedade tecnologicamente avançada. O sistema trata de «resolver» este problema mediante o uso de propaganda para fazer pessoas QUERER as decisões que foram tomadas para elas, mas mesmo se esta «solução» fosse completamente exitosa fazendo à gente sentir-se melhor, seria aviltante.

118. Os conservadores e alguns outros advogam uma maior «autonomia local». Comunidades locais podem até conseguir autonomia, mas isso se torna cada vez menos possível porque se tornaram mais complicadas e dependentes de sistemas de grande escala como serviços públicos, redes de computadores, sistemas de auto-estradas, meios de comunicação de massa e sistemas modernos de saúde. Também opera na contramão da autonomia o fato de que a tecnologia aplicada numa localidade muitas vezes afeta gente de outras comunidades longínquas. Assim, pesticidas ou produtos químicos usados perto de um riacho podem contaminar o fornecimento de água a centenas de quilômetros rio abaixo, e o efeito estufa afeta todo o planeta.

119. O sistema não existe e não pode existir para satisfazer necessidades humanas. Ao contrário, é o comportamento humano que tem que ser modificado para satisfazer as necessidades do sistema. Isto não tem nada que ver com qualquer ideologia política ou social que pretenda guiar o sistema tecnológico. É culpa da tecnologia, porque o sistema não é guiado por ideologia, mas por necessidades técnicas. [18] É claro que o sistema satisfaz muitas necessidades humanas, mas geralmente faz isto apenas na medida em que lhe é útil fazê-lo. São as necessidades do sistema que são supremas, não as dos seres humanos. Por exemplo, o sistema provê a gente com comida porque não pode funcionar se todo mundo morrer de fome; atende as necessidades psicológicas da gente sempre que é CONVENIENTE fazê-lo, porque não pode funcionar se muita gente se torna depressiva ou rebelde. Mas o sistema por boas razões, sólidas e práticas, têm que exercer pressão constante sobre o povo para moldar nosso comportamento para atender suas necessidades. Demasiado lixo acumulado? Governo, meios de comunicação, sistema educacional, ambientalistas, todo mundo nos inunda com propaganda massiva sobre reciclagem. Precisa mais pessoal técnico? Um coro de vozes exorta os jovens para que estudem ciências. Ninguém pára para perguntar se é desumano forçar adolescentes a gastar grande parte de seu tempo estudando matérias que a maioria odeia. Quando trabalhadores especializados são desqualificados por técnicas avançadas, tendo que passar por «reciclagens», ninguém pergunta o quanto é humilhante para eles serem manipulados dessa maneira. Dá-se como ponto pacífico que todo mundo tem que reverenciar a necessidade técnica e por boas razões: se as necessidades humanas fossem colocadas antes da necessidade técnica haveria problemas econômicos, desemprego, escassez ou coisa ainda pior. O conceito de «saúde mental» em nossa sociedade é definido na medida em que o comportamento do indivíduo se ajusta às necessidades do sistema e sem mostrar sinais de tensão.

120. Os esforços por dar lugar sentimentos de propósito e autonomia no interior do sistema parecem uma piada. Por exemplo: uma companhia em vez determinar que cada um de seus empregados montasse apenas uma seção do catálogo ordenou que cada um montasse o catálogo inteiro, e isto para supostamente dar-lhes uma sensação de propósito e realização. Algumas companhias tentaram dar a seus empregados mais autonomia em seu trabalho, mas por razões práticas isto normalmente só pode ser feito num grau bem limitado e, em qualquer caso, ninguém adota como finalidade proporcionar autonomia a empregados — seus esforços «autônomos» não podem nunca funcionar de acordo com finalidades que elegem pessoalmente, mas apenas de acordo com as finalidades do chefe, tais como a manutenção e o crescimento da companhia. Qualquer companhia logo sairia dos negócios se permitisse agir com seus empregados de outra maneira. Do mesmo modo, em qualquer empresa no interior de um sistema socialista, os trabalhadores têm que dirigir seus esforços de acordo com as finalidades da empresa, de outra maneira esta não cumprirá seu propósito como parte do sistema. Uma vez mais, por razões puramente técnicas não é possível para muitas pessoas ou grupos pequenos ter muita autonomia na sociedade industrial. Inclusive o pequeno proprietário de um negócio normalmente tem apenas uma autonomia limitada. Além da necessidade de atender as regulações do governo, é restringido pelo fato de que tem que se ajustar dentro do sistema econômico e submeter-se a suas exigências. Por exemplo, quando alguém desenvolve uma nova tecnologia, o pequeno empresário muitas vezes é forçado a utilizar determinada tecnologia quer queira quer não, para que continue competitivo.

AS PARTES «MÁS» DA TECNOLOGIA NÃO PODEM SEPARAR-SE DAS PARTES
«BOAS»

121. Além disso, uma razão pela qual a sociedade industrial não pode reformar-se em favor da liberdade é que a tecnologia moderna é um sistema unificado no qual todas as partes dependem umas das outras. Não dá para descartar as partes «más» da tecnologia e conservar apenas as partes «boas». Consideremos por exemplo a medicina moderna. O progresso na ciência médica depende do progresso na química, física, biologia, ciência de computadores e outros campos. O tratamento médico avançado requer equipamentos caros e de alta tecnologia que só uma sociedade avançada tecnologicamente e economicamente rica pode disponibilizar. Claramente não dá para ter muito progresso em medicina sem a totalidade do sistema tecnológico e todas suas implicações.

122. Mesmo se o progresso médico pudesse ser mantido sem o resto do sistema tecnológico, isso traria em si certos males. Suponhamos por exemplo que se descobrisse uma cura para a diabete. Aqueles com tendência genética à diabetes seriam capazes de sobreviver e reproduzir-se tão bem como qualquer outro. A seleção natural contra os genes da diabete pararia e se dispersariam pela população. (Em certo grau isto já pode estar ocorrendo, na medida em que a diabete, enquanto doença incurável, pode ser controlada mediante o uso de insulina). O mesmo ocorrerá com muitas outras doenças, cuja sensibilidade é afetada pela degradação genética da população. A única solução seria algum programa de eugenia ou de engenharia genética extensiva a seres humanos, pelo qual o homem no futuro não seria mais uma criação da natureza, da casualidade, ou de deus (dependendo das opiniões religiosas ou filosóficas), mas um produto manufaturado.

123. Se acreditar que um grande governo AGORA interfere demasiado em tua vida, simplesmente espera até que comece a regular a constituição genética de teus filhos. Tal regulação inevitavelmente será o próximo passo depois da introdução da engenharia genética de seres humanos, porque as conseqüências de uma engenharia genética não regulada seriam desastrosas. Simplesmente imagine um engenheiro genético irresponsável criando um monte de terroristas.

124. A resposta habitual a tais assuntos é falar de uma «ética médica». Mas um código ético não serviria para proteger a liberdade no aspecto do progresso médico; só pioraria o problema. Um código ético aplicável à engenharia genética teria como resultado uma tentativa de regulação da constituição genética dos seres humanos. Alguém (provavelmente a classe alta e media, majoritariamente), decidiria que tais ou quais aplicações seriam «éticas» e outras não pelo que em consequência, estariam impondo seus próprios valores na constituição genética da população em liberdade. Inclusive se um código ético fosse eleito em bases completamente democráticas, a maioria estaria impondo seus próprios valores a uma minoria que poderia ter uma ideia diferente do que constitui um uso ético da engenharia genética. O único código ético que verdadeiramente protegesse a liberdade seria aquele que proibisse QUALQUER engenharia genética em seres humanos, e você pode estar seguro que tal código nunca será aplicado numa sociedade tecnológica. Nenhum código que reduza a engenharia genética a um papel menor poderia manter-se erguido por muito tempo, porque a tentação apresentada ao imenso poder da biotecnologia seria irresistível, especialmente porque para a maioria das pessoas muitas de suas aplicações lhes parecerão óbvia e inequivocamente boas (eliminando doenças mentais e físicas, dando às pessoas habilidades que precisam para prosperar no mundo de hoje). Inevitavelmente, a engenharia genética será usada extensivamente, mas apenas de maneira consequente com as necessidades do sistema tecnológico-industrial. [20].

A TECNOLOGIA É UMA FORÇA SOCIAL MAIS PODEROSA DO QUE A ASPIRAÇÃO DE LIBERDADE

125. Não é possível fazer um acordo DURADOURO entre tecnologia e liberdade, porque a tecnologia é de longe a força social mais poderosa e invade continuamente a liberdade através de REPETIDOS acordos. Imagine o caso de dois vizinhos, cada um dos quais inicialmente possui a mesma quantidade de terra, mas um deles é mais poderoso do que o outro. O poderoso exige um bocado de terra do outro. O débil se nega. O poderoso diz, «Muito bem, cheguemos a um acordo, dá-me a metade do que te pedi». O débil não tem outra alternativa a não ser ceder. Algum tempo depois o vizinho poderoso exige outro bocado de terra, outra vez há um acordo, e assim sucessivamente. Forçando uma longa série de acordos com o homem débil, o poderoso finalmente consegue toda sua terra. Assim funciona o conflito entre tecnologia e liberdade.

126. Deixe-nos explicar por que a tecnologia é uma força social mais poderosa do que a aspiração de liberdade.

127. Normalmente, o progresso tecnológico parece não ameaçar a liberdade, mas com o tempo a afeta seriamente. O pedestre antigamente podia ir onde quisesse e caminhar tranquilamente sem prestar atenção a placas de transito, nem dependia de sistemas de base tecnológica. Quando os veículos a motor apareceram para incrementar a liberdade do homem, não tiraram a liberdade do pedestre, ninguém era obrigado a ter um automóvel, e quem resolvesse comprar um não podia mover-se muito mais rápido do que o pedestre. Mas a introdução de transporte motorizado rapidamente transformou a sociedade, e de tal maneira que passou a restringir gravemente a liberdade de locomoção do homem. O incremento no número de automóveis tornou necessário regular seu uso extensivo. Um carro, especialmente em áreas densamente povoadas, simplesmente não pode ser conduzido de qualquer maneira; seus movimentos são governados pelo fluir do tráfico e por diferentes normas. Seu uso é regulado por várias normas: carteira de motorista, exame de direção, registo, contrato de seguro, manutenção do veículo, multas. Além disso, usar transporte motorizado não é mais uma opção. Desde a introdução do transporte motorizado a logística de nossas cidades mudou de tal maneira que a maioria das pessoas já não vive no entorno de seu lugar de trabalho, das áreas de compra, de recreio, para onde podia ir andando. Hoje as pessoas DEPENDEM do automóvel para transporte. Se não, tem que usar o transporte público, nesse caso tem ainda menos controle de seu próprio movimento do que conduzindo um carro. A liberdade do pedestre foi amplamente restringida, na cidade ele é obrigado a parar continuamente e esperar nos semáforos, que são desenhados principalmente para servir ao tráfego dos veículos. No campo, o tráfego motorizado torna perigoso e desagradável andar ao longo da estrada. (Importante assinalar o ponto que ilustramos com o caso do transporte motorizado: quando uma nova tecnologia é introduzida como opção que se pode ou não aceitar, isso não quer dizer necessariamente que PERMANEÇA opcional. Em muitos casos a nova tecnologia muda a sociedade de tal maneira que a gente se vê FORÇADO a utilizá-la).

128. Enquanto o progresso tecnológico IN TOTUM continuamente estreita nossa esfera de liberdade, cada novo avanço técnico considerado EM SI MESMO parece desejável. Eletricidade, canalização, comunicações rápidas de longa distância… Como alguém poderia argumentar contra qualquer destas coisas, ou contra qualquer outro dos inumeráveis avanços técnicos que fez a sociedade moderna? Seria absurdo resistir a introdução do telefone, por exemplo. Oferece muitas vantagens e nenhuma desvantagem. No entanto tal e como explicamos nos parágrafos 59-76, todos estes avanços técnicos tomados juntos criaram um mundo no qual o destino do homem comum já não está em suas próprias mãos ou de seus vizinhos e amigos. Seu destino está nas mãos de políticos, executivos de corporações e de distantes e anônimos técnicos e burocratas nos quais como indivíduo não tem poder de influência. [21] O mesmo processo continuará no futuro. Tomemos a engenharia genética, por exemplo. Pouca gente resistirá à introdução de uma técnica genética que elimine doenças hereditárias. Aparentemente é inócua e previne muito sofrimento. Assim, esse grande número de melhoras genéticas conjuntas tornará os seres humanos mais parecidos com um produto de engenharia do que com uma livre criação da casualidade (de Deus, ou do que quer que seja, dependendo de tuas crenças religiosas).

129. Outra razão da tecnologia ser uma força social poderosa é que no contexto de determinada sociedade, o progresso tecnológico caminha numa única direção; nunca pode ser revertido. Quando se introduz uma inovação técnica, a gente normalmente se torna dependente dela, a não ser que seja substituída por alguma inovação ainda mais avançada. A gente não apenas se torna pessoalmente dependente de um novo produto tecnológico, como também, e em maior grau, o sistema em seu conjunto se torna dependente dele. (Imagine o que ocorreria ao sistema atual se os computadores, por exemplo, fossem eliminados). Assim o sistema se move em uma única direção, empurrado por uma crescente tecnologização. A tecnologia repetidamente obriga a liberdade a dar um passo atrás, mas a tecnologia nunca pode dar um passo atrás sem derrubar todo sistema tecnológico.

130. A tecnologia avança com grande rapidez e ameaça a liberdade em muitos pontos ao mesmo tempo (aglomerados humanos, normas e regulações, as pessoas ficam cada vez mais dependentes de grandes organizações, bombardeadas por propaganda e outras técnicas psicológicas, engenharia genética, invasão da intimidade por meio de dispositivos de vigilância e computadores, etc.). Reter qualquer UMA dessas ameaças à liberdade requer uma luta social diferente. Aqueles que querem proteger a liberdade estão estupefatos pelo surpreendente número de novos ataques e a rapidez com que se desenvolvem, como consequência, tornam-se apáticos e desanimam. Lutar contra cada uma das ameaças separadamente seria inútil. O sucesso só virá pela luta contra o sistema tecnológico como um todo; mas isto é revolucionário, não reformista.

131. Os técnicos (usamos este termo para descrever todos aqueles que realizam uma tarefa especializada que requer treinamento) tendem a estar tão comprometidos com seu trabalho (sua atividade substitutiva) que quando surge um conflito entre este e a liberdade, quase sempre optam pelo seu trabalho técnico. Isto é óbvio no caso dos cientistas, mas também ocorre em outras partes: educadores, grupos humanitários, organizações de preservação, não vacilam em usar propaganda ou outras técnicas psicológicas para ajudar a conseguir suas louváveis finalidades. As corporações e agências governamentais, quando acham proveitoso, não vacilam em reunir informação sobre pessoas sem respeitar sua intimidade. As agências de execução das leis estão frequentemente em dificuldades com os direitos constitucionais dos suspeitos e muitas vezes de pessoas completamente inocentes, e fazem o que podem legalmente (ou algumas vezes ilegalmente) para restringir ou burlar esses direitos. Muitos destes educadores, servidores públicos governamentais e funcionários do executivo acreditam na liberdade, na preservação da intimidade e nos direitos constitucionais, mas quando estes entram em conflito com seu trabalho, normalmente sentem que seu trabalho é mais importante.

132. É bem sabido que geralmente as pessoas trabalham melhor e com mais gana quando lutam por um prêmio do que quando tentam evitar um castigo ou um resultado negativo. Os cientistas e outros técnicos são motivados principalmente pelos prêmios que conseguem através de seu trabalho. Mas aqueles que se opõem à invasão técnica da liberdade estão trabalhando para evitar um resultado negativo, consequentemente são poucos aqueles que trabalham com persistência e competência nesta tarefa desalentadora. Se alguma vez os reformistas alcançarem uma vitória notável que pareça levantar uma barreira sólida contra futuras erosões da liberdade através do progresso técnico, muitos tenderão a relaxar e desviar sua atenção para empenhos mais agradáveis. Mas os cientistas permanecerão atarefados em seus laboratórios e a tecnologia em seu avanço encontrará caminhos, a despeito de qualquer barreira, para exercer mais e mais controle sobre as pessoas e fazê-las mais dependentes do sistema.

133. Nenhum acordo social — sejam leis, instituições, costumes ou códigos éticos — pode proporcionar uma proteção permanente contra a tecnologia. A história ensina que todos os acordos sociais são transitórios; todos mudam ou eventualmente fracassam. Mas os avanços tecnológicos são permanentes dentro do contexto de uma determinada civilização. Suponhamos por exemplo ser possível chegar a algum acordo social que previna a aplicação da engenharia genética em seres humanos, ou previna de tal maneira que não ameace a liberdade e a dignidade. Não obstante, a tecnologia permanecerá esperando. Cedo ou tarde o acordo social fracassará. Provavelmente cedo, apressando a mudança em nossa sociedade. Então a engenharia genética começará a invadir nossa esfera de liberdade, e esta invasão será irreversível (exceto por um fracasso da própria civilização tecnológica). Qualquer ilusão acerca de conseguir algo permanente através de acordos sociais deveria dissipar-se diante do que atualmente ocorre com a legislação ambiental. Há poucos anos parecia haver barreiras legais seguras prevenindo pelo menos ALGUMAS das piores formas de degradação ambiental. Basta uma mudança no vento político para que essas barreiras desmoronem.

134. Por todas as razões anteriores, a tecnologia é uma força social mais poderosa do que a aspiração de liberdade, mas esta declaração requer uma importante qualificação. Parece que durante as próximas décadas o sistema tecnológico-industrial experimentará uma severa quota de tensão em problemas econômicos e ambientais e, especialmente, em problemas de comportamento humano (alienação, rebelião, hostilidade, uma variedade de dificuldades sociais e psicológicas). Esperamos que a tensão que o sistema provavelmente atravessará lhe cause um colapso, ou ao menos o debilite o suficiente para que ocorra uma revolução e que esta tenha sucesso. Então, nesse momento particular, a aspiração pela liberdade se revelará mais poderosa do que a tecnologia.

135. No parágrafo 125 usamos a analogia do vizinho débil deixado desvalido pelo vizinho forte que lhe tira toda sua terra forçando-o a uma série de compromissos. Mas suponhamos agora que o vizinho forte caia enfermo, tornando-se incapaz de defender-se. O vizinho débil pode tanto obrigar o forte a devolver sua terra como matá-lo. Se deixar o homem forte vivo e apenas forçá-lo a devolver sua terra, é um mentecapto, porque quando o homem forte se recuperar voltará a ficar com toda a terra para ele. A única alternativa sensata para o homem débil é matar o forte enquanto tem uma oportunidade. Da mesma maneira, no momento em que o sistema industrial cai enfermo devemos destruí-lo. Se transigirmos e o deixamos recuperar-se de sua doença, logo destruirá toda nossa liberdade.

OS PROBLEMAS SOCIAIS MAIS SIMPLES SE REVELAM INSOLÚVEIS

136. Se alguém ainda imagina ser possível reformar o sistema de forma a proteger a liberdade da tecnologia, consideremos a maneira desajeitada e quase sempre desafortunada com que nossa sociedade trata outros problemas sociais bem mais simples e globais. Entre outras coisas, o sistema não conseguiu parar o aumento da degradação ambiental, da corrupção política, do tráfico de drogas ou do abuso doméstico.

137. Tomemos nossos problemas ambientais, por exemplo. Aqui o conflito de valores é completo: atualmente o expediente econômico opera contra a salvação de alguns de nossos recursos naturais para nossos netos [22]. Mas sobre esse tema obtemos apenas um monte de tolices e dissimulação por parte daqueles que detêm o poder, enquanto eles não fazem nada no sentido de uma ação clara e consequente, os problemas ambientais com os quais nossos netos terão que conviver vão se acumulando. As tentativas de resolver o problema ambiental consistem em lutas e compromissos entre diferentes facções, algumas ascendem num momento, outras em outro momento. A linha de luta muda ao sabor da opinião pública. Este não é um processo racional, nem tampouco apto para conduzir a uma solução conveniente e definitiva ao problema. Os principais problemas sociais, se alguma vez são «resolvidos», raramente ou nunca o são através de um plano racional e compreensível. Simplesmente se resolvem por si mesmos através de um processo em que vários grupos antagônicos perseguindo seus próprios interesses [23] (normalmente em curto prazo) chegam (principalmente por acaso) a algum modus vivendi mais ou menos estável. De fato, os princípios que formulamos nos parágrafos 100-106 fazem parecer duvidoso que os planos sociais racionais de longo prazo tenham a mínima chance de obter ALGUM sucesso.

138. Assim fica claro que a raça humana tem, na melhor das hipóteses, uma capacidade muito limitada para resolver problemas sociais, até mesmo aqueles que são relativamente globais. Então como resolverá o problema bem mais difícil e sutil da conciliação entre liberdade e tecnologia? A tecnologia apresenta avanços materiais bem delimitados, enquanto que a liberdade é uma abstração que significa coisas diferentes para pessoas diferentes, e sua perda é facilmente ocultada pela propaganda e pela conversa fiada.

139. É importante anotar essa diferença: é possível que nossos problemas ambientais (por exemplo) possam algum dia estabilizar-se através de um plano claro e racional, mas se isto ocorrer será porque a resolução destes problemas se enquadra nos interesses de longo prazo do sistema. NÃO interessa ao sistema preservar a liberdade ou a autonomia de pequenos grupos. Pelo contrário, faz questão de controlar o comportamento humano o mais amplamente possível. [24] Assim, enquanto considerações práticas podem eventualmente forçar o sistema a assumir uma abordagem racional e prudente diante dos problemas ambientais, considerações igualmente práticas lhe forçarão a regular cada vez mais o comportamento humano (provavelmente através de meios indiretos que disfarçarão a supressão de liberdade). Isto não é simplesmente nossa opinião. Eminentes cientistas sociais (por exemplo, James Q. Wilson) enfatizaram a importância de «socializar» as pessoas mais efetivamente.

REVOLUÇÃO É MAIS FÁCIL QUE REFORMA

140. Esperamos ter convencido ao leitor de que o sistema não pode ser reformado de forma a conciliar liberdade e tecnologia. A única saída é livrar- nos do sistema tecnológico industrial como um todo. Isto implica revolução, não necessariamente um levante armado, mas certamente uma mudança radical e fundamental na natureza da sociedade.

141. Ao contrario do que muitos pensam é mais fácil implementar mudanças por uma revolução do que por uma reforma. Realmente, sob determinadas circunstâncias, a revolução é mais simples que a reforma. A razão é que um movimento revolucionário pode inspirar um grau de compromisso que jamais seria alcançado em um movimento reformista. Um movimento reformista meramente tenta resolver um problema social em particular. Um movimento revolucionário tenta resolver todos os problemas com um só golpe e criar um novo mundo. Proporciona um tipo de ideal que leva as pessoas a correr riscos e fazer grandes sacrifícios voluntariamente. Por esta razão é mais fácil derrubar todo o sistema tecnológico do que impor restrições efetivas e permanentes ao desenvolvimento de aplicações de qualquer segmento tecnológico, tal como ocorre com a engenharia genética; sob condições adequadas um grande número de gente pode dedicar-se apaixonadamente a uma revolução contra o sistema tecnológico-industrial. Conforme assinalamos no parágrafo 132, os reformistas que pretendem limitar certos aspectos da tecnologia no intuito de minimizar alguns males. Mas os revolucionários labutam por uma poderosa recompensa – realizar sua visão revolucionária — e de uma forma mais persistente do que os reformistas.

142. A reforma é sempre limitada pelo temor de consequências dolorosas se as mudanças forem além do previsto. Mas na medida em que a febre revolucionária se espalha pela sociedade, as pessoas voluntariamente dedicam um trabalho árduo e ilimitado esforço em prol de sua revolução. Isto se viu claramente nas Revoluções Francesa e Russa. Pode ser que em tais casos apenas uma minoria da população realmente se comprometa, mas esta minoria é suficientemente grande e ativa para converter-se em força dominante na sociedade. Escreveremos mais sobre revolução nos parágrafos 180-205.

CONTROLE DO COMPORTAMENTO HUMANO

143. Desde o começo da civilização, as sociedades organizadas vêm oprimindo seres humanos em favor do funcionamento do organismo social. O tipo de pressão variou muito de uma sociedade para outra. Algumas foram físicas (parca alimentação, trabalho excessivo, poluição ambiental), outras psicológicas (ruído, promiscuidade, ajustar o comportamento humano à sociedade). No passado, a natureza humana manteve-se constante, ou variou apenas em certos aspectos. Consequentemente, as sociedades foram capazes de controlar as pessoas até certos limites. Quando se ultrapassa o limite da resistência humana, as coisas começam a sair das engrenagens: há o incremento de rebeliões, crimes, corrupção, evasão do trabalho, taxa decrescente de nascimentos e daí em diante, de forma que a sociedade também colapsa, seu funcionamento se torna demasiado ineficiente ou é (rápida ou gradualmente) substituída por alguma outra forma mais eficiente de sociedade.

144. Assim, antigamente, a natureza humana pôs certos limites ao desenvolvimento das sociedades. A gente podia ser empurrada a um ponto e não além. Mas hoje isto pode estar mudando, porque a tecnologia moderna está desenvolvendo formas de modificar seres humanos.

145. Imagine uma sociedade submetendo pessoas a condições que as tornam terrivelmente infelizes e que depois lhes dá drogas para retirar esta infelicidade. Ficção científica? Em certo grau isso já está ocorrendo em nossa sociedade. É bem sabido que a taxa de pessoas clinicamente deprimidas aumentou muito nas últimas décadas. Isso se deve ao colapso no processo de afirmação pessoal, como explicamos nos parágrafos 59-76. Salvo engano, o incremento da taxa de pessoas que sofrem de depressão é certamente o resultado de ALGUMAS condições existentes na sociedade de hoje. Em vez de extirpar as condições que geram depressão, a sociedade moderna disponibiliza drogas antidepresivas. Na realidade, os antidepressivos são um meio de modificar o estado interno de um indivíduo de tal maneira que lhe permita suportar condições sociais intoleráveis. (Sim, sabemos que a depressão é com frequência de origem puramente genética. Mas aqui nos referimos a casos em que o meio exerce um papel predominante).

146. As drogas que afetam à mente são apenas um exemplo dos métodos de controle do comportamento humano que a sociedade moderna está desenvolvendo. Vejamos alguns outros.

147. Vamos começar pelas técnicas de vigilância. Videocâmeras ocultas são atualmente usadas na maioria dos supermercados e em outros muitos lugares. Computadores são usados para recolher e processar uma enorme quantidade de informações sobre pessoas. A informação assim obtida aumenta enormemente a efetividade da coação física (ou seja, imposição da lei). [26] Também há os métodos de propaganda que encontram nos meios de comunicação de massas seus veículos efetivos. Desenvolveram-se técnicas eficientes para ganhar eleições, vender produtos, influir na opinião pública. A indústria do entretenimento serve como importante ferramenta psicológica do sistema, inclusive quando distribui grande quantidade de sexo e violência. O entretenimento proporciona ao homem atual um meio de escape. Enquanto está absorvido pela televisão, vídeos, etc. pode esquecer a tensão, a ansiedade, a frustração, a insatisfação. Os povos antigos, quando não tinham nenhum trabalho a fazer, se contentavam em sentar-se durante horas sem fazer nada, porque estavam em paz consigo mesmos e com seu mundo. Atualmente, a maior parte das pessoas está constantemente ocupada ou entretida, de outro modo se «aborreceria», isto é, estaria inquieta, incômoda, irritada.

148. Outras técnicas atacam mais profundamente do que as precedentes. A educação já não é coisa tão simples como dar uma bronca na criança quando não sabe a lição e uma palmadita nas costas quando sabe. Está-se convertendo numa técnica científíca de controle do desenvolvimento da criança. O Sylvan Learning Centers [Centros de Aprendizagem Sylvan], por exemplo, que tiveram muito sucesso motivando crianças ao estudo, também usaram técnicas psicológicas mais ou menos bem sucedidas em muitos colégios convencionais. As técnicas de «paternidade» ensinadas aos pais são desenhadas para fazer com que as crianças aceitem os valores fundamentais do sistema e se comportem da maneira que este considera desejável. Programas de «saúde mental», técnicas de «intervenção», psicoterapia e daí por diante são ostensivamente desenhadas para beneficiar indivíduos, mas normalmente na prática servem como métodos de indução de pensamento e comportamento de acordo com as necessidades do sistema. (Não há nenhuma contradição aqui; um indivíduo cujos atos ou comportamento conduz a um conflito com o sistema vai na contramão de uma força demasiado poderosa para ser conquistada ou evitada, portanto é provável que sofra tensão, frustração, derrota. Seu caminho será bem mais fácil se pensar e se comportar como deseja o sistema. Neste sentido se atua em benefício do indivíduo quando lhe fazem uma lavagem cerebral para que se adeque). Na maioria das culturas o abuso infantil é condenável em suas formas mais indecorosas e óbvias, senão em todas. Atormentar uma criança por qualquer motivo ou por algum motivo torpe é algo que horroriza quase todo mundo. Mas muitos psicólogos interpretam o conceito de abuso bem mais profundamente. Seriam as broncas usadas como parte do sistema de disciplina racional e consequente uma forma de abuso? Em última instância a resposta será positiva pelo grau de eficácia na produção de comportamentos que façam uma pessoa se enquadrar no sistema existente da sociedade. Na prática a palavra «abuso» tende a ser interpretada no sentido de incluir qualquer método de criação infantil que produza comportamentos inconvenientes ao sistema. Assim, quando vão além da prevenção da crueldade óbvia e privada de sentido, os programas para prevenção contra o «abuso infantil» são dirigidos para o controle do comportamento humano por parte do sistema.

149. Provavelmente, as investigações continuarão a incrementar a efetividade das técnicas psicológicas de controle do comportamento humano. É improvável que apenas técnicas psicológicas sejam suficientes para adaptar seres humanos ao tipo de sociedade que a tecnologia está criando. Provavelmente terão que usar métodos biológicos. Já mencionamos o uso de drogas em relação com isto. A neurologia pode proporcionar outros caminhos de modificação da mente humana. A engenharia genética em seres humanos já está tomando a forma de “terapia genética”, e não há razão para acreditar que tais métodos não sejam usados para modificar aspectos do corpo que afetam ao funcionamento mental.

150. Como mencionamos no parágrafo 134, a sociedade industrial parece estar entrando num período de grave tensão, em parte por causa dos problemas do comportamento humano e em parte devido a problemas econômicos e ambientais. Uma proporção considerável destes dois últimos resulta da maneira como que se comportam os seres humanos. Alienação, baixa autoestima, depressão, hostilidade, rebelião; crianças que não estudam, gangues juvenis, uso de drogas ilegais, roubo, pedofilia, outros crimes, sexo inseguro, gravidez precoce, crescimento da população, corrupção política, ódio racial, rivalidade étnica, conflito ideológico (por exemplo, pró-eleição, contra aborto), extremismo político, terrorismo, sabotagem, grupos antigovernamentais, grupos de ódio. Tudo isto ameaça gravemente a sobrevivência do sistema. Por tanto se verá FORÇADO a usar todos os meios práticos de controle do comportamento humano.

151. O colapso social que vemos hoje certamente não é resultado de mera casualidade. Só pode ser o resultado das condições de vida que o sistema impõe à gente. (Argumentamos que a condição mais importante é o colapso do processo de afirmação pessoal). Se o sistema tem sucesso impondo suficiente controle sobre o comportamento humano para assegurar sua própria sobrevivência, estamos diante de um novo divisor de águas na história da humanidade. Enquanto antigamente os limites da resistência humana impunham limites ao desenvolvimento das sociedades (tal como explicamos nos parágrafos 143, 144) a sociedade tecnológico-industrial será capaz de traspassar esses limites apenas modificando os seres humanos, seja por métodos psicológicos, biológicos ou por ambos. No futuro, os sistemas sociais não serão adaptados para ajustar-se às necessidades dos seres humanos. Pelo contrário, os seres humanos serão adaptados para ajustar-se às necessidades do sistema. Para ser exato, as sociedades passadas usaram meios de influenciar o comportamento humano, mas estes foram primitivos e de baixa efetividade comparados com os meios tecnológicos que estão desenvolvendo-se agora.

152. Em termos gerais, o controle tecnológico sobre os seres humanos provavelmente não será introduzido com uma intenção totalitária e nem mesmo através de um desejo consciente de restringir a liberdade humana. No entanto, alguns psicólogos expressaram publicamente opiniões indicando seu desprezo pela liberdade humana. O matemático Claude Shannon foi citado em Omni (agosto de 1987) dizendo «visualizo um tempo no que seremos para os robôs o que os cachorros são para os humanos, e eu apoio às máquinas». Cada novo degrau na afirmação do controle sobre a mente humana será considerado como uma resposta racional a um problema enfrentado pela sociedade, tal como curar alcoolismo, reduzir taxa de crime ou induzir jovens ao estudo de ciências e engenharia. Em muitos casos, haverá uma justificativa humanitária. Por exemplo, quando um psiquiatra prescreve um antidepressivo a um paciente deprimido, faz um favor a essa pessoa, claro. Seria desumano negar remédio a alguém que precisa. Quando os pais mandam a seus filhos ao Centro de Aprendizagem Sylvan para que sejam condicionados a ter entusiasmo pelos estudos, fazem isso preocupados pelo bem-estar de seus filhos. Talvez alguns destes pais preferissem não haver necessidade de seu filho passar por um treinamento especializado para conseguir trabalho e que seu filho não precisasse passar por uma lavagem cerebral para converter-se num especialista em computadores. Mas, o que fazer? Não podem mudar a sociedade, e seu filho pode ficar desempregado se não tiver certas habilidades. Assim, o mandam para o Sylvan.

153. Assim, o controle sobre o comportamento humano é introduzido não por uma decisão fria de autoridades, mas por um processo de evolução social (evolução RÁPIDA, digamos). É impossível resistir a esse processo porque cada avanço, considerado em si mesmo, parecerá benéfico, ou coisa parecida, o mal imbutido no avanço parece menor que o recuo. (Ver parágrafo 127). A propaganda, por exemplo, é usada para muitos propósitos bons, tais como desestimular o abuso infantil ou o ódio racial. A educação sexual é obviamente útil, apesar de sempre resultar (quando tem sucesso) na transferência dessa responsabilidade da família para o Estado, representado pela escola pública.

154. Suponhamos que se descubra uma tendência biológica que incremente a probabilidade de uma criança tornar-se criminosa, e suponhamos algum tipo de terapia genética possa extirpar essa tendência. É de se esperar que a maioria dos pais cujos filhos possuam essa tendência os submetam à terapia. Seria desumano agir de outra maneira, já que a criança provavelmente teria uma vida miserável se crescesse para ser um criminoso. Contudo, muitas ou a maioria das sociedades primitivas tiveram uma taxa baixa de crimes em comparação com a nossa, sem métodos de alta tecnologia para criar crianças ou sistemas cruéis de castigo. Já que não há razão para supor que mais homens modernos do que primitivos iniciaram tendências depredadoras, a alta taxa de crimes em nossa sociedade é certamente resultante das pressões que as condições modernas submetem as pessoas, às quais muitos não podem ou não poderão ajustar-se. Assim, um tratamento concebido para extirpar tendências criminosas potenciais é, ao menos em parte, uma maneira de redesenhar as pessoas que se ajustem aos requisitos do sistema.

155. Nossa sociedade tende a considerar como «doença» qualquer forma de pensamento ou comportamento inconveniente, e isto é plausível porque aquele que não se ajusta ao sistema, sofre e causa problemas ao sistema. Desta maneira, manipular um indivíduo para ajustá-lo é visto como «cura» de uma «doença», portanto, coisa boa.

156. No parágrafo 127 assinalamos que se o uso de um novo artigo tecnológico é INICIALMENTE opcional, ele não SE MANTÊM necessariamente opcional, porque a nova tecnologia tende a mudar de tal maneira a sociedade que se torna difícil ou impossível a uma pessoa agir sem usar essa tecnologia. Isto também se aplica à tecnologia do comportamento humano. Num mundo em que a maioria das crianças é lançada em programas de incentivo ao estudo, alguns pais serão praticamente forçados a pôr seus filhos em tais programas, porque se não o fizerem, seus filhos crescerão para ser, comparados com os outros, não capacitados, e portanto, desempregados. Suponhamos que se descubra um tratamento biológico que, sem efeitos secundários, gradualmente reduza a tensão psicológica que muita gente sofre em nossa sociedade. Se muita gente resolve experimentar o tratamento, então o nível geral de tensão se reduzirá. O que possibilitará ao sistema incrementar as pressões que produzem a tensão. Isto fará com que mais gente experimente o tratamento e assim sucessivamente, de forma que no futuro a tensão pode ser tão pesada que poucos sobreviverão sem sofrer o tratamento de redução da tensão. Na verdade, alguma coisa assim parece já estar ocorrendo. Trata-se de uma das mais importantes ferramentas psicológicas da nossa sociedade criada para ajudar pessoas a reduzir o estresse (ou, pelo menos temporariamente escapar dele), a saber: o entretenimento de massa (ver parágrafo 147). Nosso uso dele é «opcional»: nenhuma lei nos obriga a ver televisão, ouvir rádio, ler revistas. No entanto o entretenimento de massa é um meio de escapar e reduzir a tensão, sendo que muitos de nós nos tornamos dependentes. Todo mundo se queixa da má qualidade da televisão, mas quase todo mundo a vê. Poucos deram um pontapé na mania da televisão, mas é raro hoje em dia alguém conseguir viver sem usar NENHUMA forma de entretenimento de massa (no entanto até bem recentemente na história da humanidade a maior parte das pessoas vivia muito bem sem outro entretenimento que aquele que cada comunidade local criava para si mesma). Sem a indústria do entretenimento o sistema provavelmente não teria sido capaz de produzir impunemente tanta tensão na produção, como faz.

157. Se a sociedade industrial sobreviver, provavelmente a tecnologia chegará a algo próximo do controle total do comportamento humano. Não há dúvida alguma de que o pensamento e o comportamento humano têm importantes bases biológicas. Experiências têm demonstrado que sentimentos como desejo, prazer, cólera e medo podem ser conectados e desconectados mediante estímulo elétrico de determinadas partes do cérebro. Pode-se destruir ou resgatar recordações mediante estímulo elétrico de partes do cérebro. Os remédios podem induzir alucinações ou mudanças de humor. Pode haver ou não um alma humana imaterial, mas, se há, é claramente menos poderosa que os mecanismos biológicos do comportamento humano, senão os pesquisadores não poderiam manipular tão facilmente os sentimentos e o comportamento humano com drogas e correntes elétricas.

158. Provavelmente, não seria prático todas as pessoas andarem com eletrodos inseridos na cabeça para poderem ser controladas pelas autoridades. Mas o fato dos pensamentos e sentimentos humanos estarem tão abertos a intervenções biológicas mostram que esta questão é principalmente um problema técnico; um problema de neurônios, hormônios e moléculas complexas; uma área sujeita ao ataque científico. Diante da característica de nossa sociedade em resolver problemas técnicos, é altamente provável que ocorrerão grandes avanços no controle do comportamento humano.

159. A resistência do público prevenirá a introdução do controle tecnológico do comportamento humano? Seguramente, se fizessem uma tentativa de introduzir tal controle de uma só vez. Mas na medida em que é introduzido através de uma longa sequência de pequenos avanços, não terá resistência racional e efetiva. (Ver parágrafos 127, 132, 153).

160. ÀQUELES que pensam que tudo isto parece ser ficção científica, assinalamos que a ficção científica de ontem é o fato de hoje. A Revolução Industrial alterou radicalmente o meio e o modo de vida do homem. Provavelmente, com a tecnologia avançando cada vez mais no corpo e mente humana, o homem será alterado tão radicalmente quanto seu meio e modo de vida.

A RAÇA HUMANA NUMA ENCRUZILHADA

161. Mas nos adiantamos em nossa história. Uma coisa é desenvolver no laboratório uma série de técnicas psicológicas ou biológicas para manipular o comportamento humano e outra o integrar estas técnicas ao funcionamento de um sistema social. O segundo problema é o mais difícil dos dois. Por exemplo, se técnicas de educação psicológica funcionam indubitavelmente a contento nos «colégios laboratório» onde são desenvolvidas, isso não significa necessariamente que será fácil aplicá-las efetivamente em todo nosso sistema educativo. Todos sabemos como são muitos de nossos colégios. Os professores estão demasiado ocupados tomando facas e pistolas das mãos das crianças para ter tempo de submetê-las às últimas técnicas para convertê-los em especialistas em computadores. Assim, apesar de todos seus avanços técnicos referentes ao comportamento humano, o sistema até agora não foi notavelmente afortunado no controle de seres humanos. Aquele que se adequa ao controle do sistema pode ser chamado de «burguês». Mas há um número crescente de pessoas que de uma forma ou de outra são avessos ao sistema: usuários de programas sociais, gangues juvenis, cultistas, satanistas, nazistas, ambientalistas radicais, milicianos, etc.

162. Atualmente, o sistema está envolvido numa luta desesperada para superar certos problemas que ameaçam sua sobrevivência, entre os quais os mais importantes são os relacionados ao comportamento humano. Se prosperar em adquirir rapidamente controle suficiente sobre este, provavelmente sobreviverá. De outra maneira fracassará. Acreditamos que o problema será resolvido, o mais provável, dentro das próximas décadas, entre 40 e 100 anos, digamos.

163. Para que o sistema sobreviva à crise das próximas décadas, esses problemas têm que ser resolvidos ou pelo menos colocados sob controle. Os principais problemas que o sistema enfrenta são relacionados à «socialização» dos seres humanos; isto é, tornar as pessoas suficientemente dóceis de forma que seu comportamento não o ameace mais. Conseguindo isso, não parece haver nenhum novo obstáculo ao desenvolvimento da tecnologia, e provavelmente avançaria para sua conclusão lógica: o controle total da Terra, incluindo seres humanos e o restante dos organismos importantes. O sistema pode converter-se numa organização unitária e monolítica ou mais ou menos fragmentada. Pode constituir um número de organizações que coexistam numa relação que inclua elementos tanto de cooperação como de competição, exatamente como ocorre hoje com o governo, as corporações e outras grandes organizações que tanto cooperam como competem entre si. Quase toda liberdade humana terá desaparecido, porque os indivíduos e os grupos pequenos serão impotentes com respeito às grandes organizações armadas com supertecnologia e um arsenal de ferramentas psicológicas e biológicas avançadas para manipular seres humanos, além do instrumental de vigilância e coação física. Pouca gente terá algum poder real e provavelmente até mesmo estes terão uma liberdade muito limitada, porque seu comportamento também será regulado; exatamente como ocorre hoje com nossos políticos e executivos de corporações que podem manter suas posições de poder apenas enquanto seu comportamento permanecer dentro de limites bastante estreitos.

164. Não pense que o sistema interromperá o desenvolvimento de novas técnicas de controle de seres humanos e da natureza, quando terminar a crise das próximas décadas e o incremento do controle não for mais necessário para sua sobrevivência. Pelo contrário, uma vez passado os tempos difíceis, o sistema incrementará o controle mais rapidamente, porque não mais lhe estorvarão as dificuldades do tipo que experimenta atualmente. A sobrevivência não é o motivo principal do controle. Como explicamos nos parágrafos 87-90, os técnicos e os cientistas desenvolvem seu trabalho em grande parte como uma atividade substitutiva, satisfazem sua necessidade de poder resolvendo problemas técnicos. Continuarão fazendo isto com enorme entusiasmo. Entre os problemas mais interessantes e desafiantes a serem resolvidos estão aqueles relacionados à compreensão do funcionamento do corpo e da mente humana e na intervenção em seu desenvolvimento. Pelo
«bem da humanidade», claro.

165. Mas suponhamos, por outra parte, que a tensão das décadas vindouras possa ser demasiado forte para o sistema. Se este colapsa pode haver um período de caos, um «tempo de problemas» tais como aqueles que a história experimentou em várias épocas no passado. É impossível predizer o que surgirá desse tempo de problemas, mas, seja como for, a raça humana terá uma nova oportunidade. O maior perigo está na tragédia da sociedade industrial poder reconstituir-se por si mesma dentro dos primeiros anos depois do colapso. Pois haverá muita gente (especialmente do tipo faminto por poder) que estará ansiosa para voltar a pôr em funcionamento as fábricas.

166. Portanto aqueles que odeiam a servidão à qual o sistema industrial está reduzindo a raça humana enfrentarão duas tarefas. Em primeiro lugar, temos que trabalhar para aumentar a tensão social dentro do sistema bem como incrementar a probabilidade de que entre em colapso, ou seja, debilitado o suficiente para que uma revolução contra ele seja possível. Em segundo lugar, é necessário desenvolver e propagar uma ideologia que se oponha à tecnologia e ao sistema industrial. Tal ideologia pode converter-se na base de uma revolução contra a sociedade industrial desde que o sistema se debilite o suficiente. E tal ideologia ajudará a assegurar que, na medida em que a sociedade industrial entra em colapso, seus restos se tornem pedaços irreparáveis, de forma que não possa mais ser reconstruída. As fábricas devem ser destruídas, os livros técnicos queimados, etc.

SOFRIMENTO HUMANO

167. O sistema industrial não entrará em colapso exclusivamente por causa de uma ação revolucionária. Não será vulnerável ao ataque revolucionário a não ser que seus próprios problemas internos de desenvolvimento o levem a dificuldades muito sérias. O sistema pode entrar em colapso espontaneamente ou através de um processo híbrido, em parte espontâneo, mas auxiliado pelos revolucionários. Se o colapso for repentino, muita gente morrerá, já que a população mundial se tornou tão excessiva que não pode sustentar-se por muito tempo sem tecnologia avançada. Se o colapso for gradual o suficiente para que a redução da população ocorra mais por causa da redução da taxa de nascimento do que pelo aumento da taxa de morte, o processo de desindustrialização provavelmente será mais caótico e implicará muito sofrimento. É ingênuo pensar que a tecnologia possa ser reduzida por etapas ajeitando-se suavemente de um modo ordenado. Os tecnófilos lutarão teimosamente a cada etapa contra isso. Seria crueldade trabalhar para o colapso do sistema? Talvez sim, talvez não. Em primeiro lugar, os revolucionários não serão capazes de derrubar o sistema a não ser que este já esteja suficientemente debilitado para que tenha alguma chance de sobreviver; e quanto mais ele crescer, mais desastrosas serão as consequências do colapso. Pode ser que quanto mais os revolucionários acelerarem o começo do fim do sistema, menor será a extensão do desastre resultante de sua queda.

168. Em segundo lugar, vale a pena lutar e morrer contra a perda da liberdade e da dignidade? Para muitos de nós, liberdade e dignidade são mais importantes que uma vida longa ou fugir do sofrimento físico. De qualquer forma, todos temos que morrer algum dia e pode ser melhor morrer lutando por uma vida plena, ou por uma causa, do que viver uma vida longa mas vazia e carente de sentido.

169. Em terceiro lugar, não é de forma alguma verdadeiro que a sobrevivência do sistema levará a um menor sofrimento do que o resultante de seu colapso. O sistema já causou, e continuará causando, um sofrimento intenso em todo mundo. As culturas antigas que proporcionaram relações satisfatórias interpessoais e com o meio ambiente durante centenas ou milhares de anos, foram despedaçadas pelo contato com a sociedade industrial, e o resultado foi um catálogo inteiro de problemas econômicos, ambientais, sociais e psicológicos. Um dos efeitos da intrusão da sociedade industrial foi que muitos dos controles tradicionais da população no mundo se desequilibraram, provocando a explosão demográfica, e todas suas implicações. Além disso, há um sofrimento psicológico que está se espalhando por todos os pretensamente afortunados países de ocidente (ver parágrafos 44-45). Ninguém sabe o que resultará da redução do ozônio, do efeito estufa e de outros problemas ambientais ainda em curso. Como a proliferação nuclear ensinou, a nova tecnologia não pode manter-se fora do alcance das mãos de ditadores e das nações irresponsáveis do terceiro mundo. Te agradaria especular sobre o que Iraque ou Korea do Norte farão com a engenharia genética?

170. «Oh!» dizem os tecnófilos, «a ciência arrumará tudo isso! Venceremos a fome, eliminaremos o sofrimento psicológico, faremos todo mundo saudável e feliz!» Sim, certamente. Isso é o que disseram há 200 anos. Supunha-se que a Revolução Industrial eliminaria a pobreza, tornaria todo mundo feliz, etc. O resultado atual é completamente diferente. Os tecnófilos são desesperadamente ingênuos (ou enganam a si mesmos) em seu entendimento dos problemas sociais. Não se dão conta (ou preferem ignorar) do fato de que a introdução de grandes mudanças, inclusive as aparentemente benéficas, numa sociedade, leva a uma longa sequência de outras mudanças, muitas das quais são impossíveis de predizer (parágrafo 103). O resultado é o colapso da sociedade. Pelo que é muito provável que, em suas tentativas por acabar com a pobreza e a doença, o engenheiro dócil, as personalidades satisfeitas, os tecnófilos criarão sistemas sociais terrivelmente agitados, inclusive mais do que o presente. Por exemplo, os cientistas presumem que acabarão com a fome criando geneticamente novas plantas alimentícias. Mas isto permitirá à população humana continuar expandindo-se indefinidamente, e é bem sabido que o aglomerado conduz ao aumento da tensão e da agressão. Iste é meramente um exemplo dos problemas PREVISÍVEIS que se apresentarão. Enfatizamos que, como mostrou a experiência passada, o progresso técnico conduzirá a outros novos problemas que NÃO podem ser previstos (parágrafo 103). De fato, depois da Revolução Industrial, a tecnologia tem criado novos problemas à sociedade bem mais rapidamente do que tem resolvido os velhos. Um longo período de tentativa e êrro onde os tecnófilos resolvem os bugs de seu Admirável Mundo Novo (se alguma vez o conseguiram). Nesse meio tempo trouxeram um grande sofrimento. Assim, pois, não está claro que a sobrevivência da sociedade industrial traga menos sofrimento do que seu colapso. A tecnologia mantem à raça humana numa situação tal que não é provável que tenha alguma saída fácil.

O FUTURO

171. Mas suponhamos agora que a sociedade industrial sobreviva às próximas décadas, que os bugs se resolvam, e que funcione a contento. Que tipo de sistema será? Consideremos algumas possibilidades.

172. Suponhamos primeiramente que os cientistas de computadores tenham sucesso desenvolvendo máquinas inteligentes que podem fazer tudo melhor do que os seres humanos. Nesse caso provavelmente todo trabalho será efetuado por um vasto e altamente organizado sistema de máquinas e nenhum esforço humano será necessário. Qualquer dos dois casos pode ocorrer. Pode- se permitir às máquinas tomar suas próprias decisões sem supervisão humana ou o controle humano sobre as máquinas pode se tornar restrito.

173. Se se permite às máquinas tomar suas próprias decisões não podemos fazer nenhuma conjectura sobre os resultados, porque é impossível adivinhar como se comportarão. Só assinalamos que a sorte da raça humana estará a sua mercê. Pode-se argumentar que nunca será tão estúpida a ponto de entregar todo o poder às máquinas. Mas não estamos sugerindo que a raça humana voluntariamente transfira o poder às máquinas nem que estas se apoderem dele deliberadamente. O que sugerimos é que facilmente essa situação pode resultar em uma dependência tal que não haveria outra alternativa a não ser aceitar todas suas decisões. Como vivemos em um tempo em que a sociedade e os problemas que enfrenta se tornam mais e mais complexos e as máquinas mais e mais inteligentes, o homem tende a deixar que as máquinas tomem cada vez mais decisões por ele, simplesmente porque estas conduzem a melhores resultados do que os seres humanos. Eventualmente pode-se chegar ao ponto em que as decisões necessárias para manter o sistema em marcha serão tão complexas que os seres humanos serão incapazes de tomá-las inteligentemente. Nessa etapa as máquinas possuirão o controle efetivo. A gente não poderá simplesmente desligá-las, porque estaríamos tão dependentes que isso seria equivalente ao suicídio.

174. Por outro lado, é possível conservar o controle humano sobre as máquinas. Nesse caso o homem médio pode ter controle sobre certas máquinas, tais como seu carro ou seu computador pessoal, mas o controle sobre grandes sistemas de máquinas estará nas mãos de uma minúscula elite como ocorre hoje, mas com duas diferenças. Devido à melhora das técnicas a elite terá maior controle sobre as massas e, como não será mais necessário o trabalho humano, as massas serão supérfluas, um ônus inútil no sistema. Se a elite for cruel, simplesmente decidirá exterminá-las. Se forem humanos, podem usar propaganda ou outras técnicas psicológicas ou biológicas para reduzir a taxa de nascimento até que se extingam, deixando o mundo à elite. Ou, se esta consiste em liberais bondosos, podem decidir desempenhar o papel de bons pastores do resto da humanidade. Para isto, se encarregarão de que todo mundo satisfaça suas necessidades físicas, que todas as crianças se criem sob condições psicologicamente higiênicas, que todo mundo tenha um gosto são para mantê-lo ocupado e que qualquer que possa estar insatisfeito receba um «tratamento» para curar seu «problema». Por suposto, a vida estará tão vazia de sentido que as pessoas terão que ser desenhadas biológica ou psicologicamente para extirpar sua necessidade de afirmação pessoal ou «sublimá-la» em direção ao poder como um passatempo inofensivo. Estes seres humanos desenhados podem ser felizes em tal sociedade, mas a maioria não será livre. Será reduzida à categoria de animais domésticos.

175. Mas suponhamos agora que os cientistas de computadores não são afortunados desenvolvendo a inteligência artificial, pelo que o trabalho humano seguirá sendo necessário. Mesmo assim, as máquinas cuidarão de cada vez mais tarefas simples pelo que terá um excedente de trabalhadores humanos nos níveis mais baixos de habilidade. (Vemos que isto já está passando. Há muita gente com dificuldade ou impossibilidade em encontrar um trabalho. Por razões intelectuais ou psicológicas não podem adquirir o nível de treinamento necessário para tornarem-se úteis no presente sistema). Para aqueles que estão empregados as exigências serão cada vez maiores: precisarão mais e mais treinamento, mais e mais habilidade, e terão que ser inclusive mais fiéis, conformistas e dóceis, porque serão cada vez mais como células de um organismo gigante. Suas tarefas serão cada vez mais especializadas, pelo que seu trabalho estará, num sentido, fora de contato com o mundo real, estando concentrados numa minúscula porção de realidade. O sistema terá que usar qualquer meio que possa, seja psicológico ou biológico, para desenhar à gente para ser dócil, para ter as habilidades que requeira o sistema e «sublimar» seu impulso pelo poder em alguma tarefa especializada. Mas a afirmação de que a gente de tal sociedade terá que ser dócil pode requerer reservas. Esta pode encontrar útil a competitividade, sempre que se encontrem maneiras de dirigí-la dentro de canais que sirvam às necessidades do sistema. Imaginamos uma sociedade futura na que há uma competição inacabável pela posição de prestígio e poder. Mas muito pouca gente atingirá a cume, onde está o verdadeiro poder. (Ver o final do parágrafo 163). Uma sociedade na qual uma pessoa pode satisfazer sua afirmação pessoal só empurrando a grande quantidade de outra gente fora do caminho e privando- os de SUA oportunidade pelo poder é muito repugnante.

176. Alguém pode imaginar palcos que incorporem aspectos de outras possibilidades que acabamos de tratar. Por exemplo, pode ser que as máquinas se encarreguem da maioria do trabalho que seja de importância real e prática, mas que se mantenham ocupados os seres humanos dando-lhes trabalhos relativamente triviais. Sugeriu-se, por exemplo, que um grande desenvolvimento das indústrias de serviços pode dar trabalho aos seres humanos. Assim, as pessoas passariam seu tempo limpando os sapatos uns dos outros, conduzindo uns aos outros de táxi, fazendo artesanato, preparando a mesa de outros, etc. Parece-nos uma maneira profundamente desprezível de viver, e duvidamos que muitos encontrem realização ocupando-se em labutas desprovidas de sentido. Procurarão outras perigosas saídas (drogas, crime, «cultos», grupos de ódio) a não ser que estejam desenhados biológica ou psicologicamente para adaptar-se a semelhante tipo de vida.

177. É desnecessário dizer que o cenário acima esboçado não esgota todas as possibilidades. Apenas indicam o tipo de resultados que parecem mais prováveis. Mas podemos imaginar cenários inverosímeis que são mais aceitáveis do que os que acabamos de descrever. É totalmente provável que, se o sistema tecnológico-industrial sobreviver nos próximos 40 a 100 anos terá desenvolvido durante esse tempo certas características gerais: as pessoas (ao menos aquelas do tipo «burguês», que estão integradas no sistema e o fazem funcionar e que, portanto, têm todo o poder) serão mais dependentes que nunca das grandes organizações, estarão mais «socializados» do que nunca e suas qualidades físicas e mentais a um gráu significativo (possivelmente muito grande) serão mais projetadas neles do que resultado da casualidade (ou da vontade de Deus, ou o quer que seja); e o que restar de natureza selvagem será reduzido a restos preservados para o estudo científico e mantidos sob a supervisão e direção destes (portanto não será nunca mais verdadeiramente selvagem). Em longo prazo (digamos em poucos séculos) é provável que nem a raça humana nem nenhum dos outros organismos importantes existam da forma como os conhecemos hoje, porque uma vez iniciada a modificação de organismos através da engenharia genética não há mais razão para parar em nenhum ponto em particular, de forma que as modificações provavelmente continuarão até que o homem e outros organismos tenham sido transformados completamente.

178. Seja lá como for não há dúvida que a tecnologia está criando um novo ambiente físico e social radicalmente diferente do espectro ambiental que a seleção natural adaptou à raça humana, física e psicologicamente. Se o homem não se adapta a esse novo ambiente será redesenhado artificialmente, a não ser que se adapte através de um longo e doloroso processo de seleção natural. O primeiro caso é bem mais provável que o segundo.

179. Seria melhor desfazer-se de todo esse sistema fedorento e aguentar as consequências.

ESTRATÉGIA

180. Os tecnófilos estão nos conduzindo a uma viagem totalmente imprudente ao desconhecido. Muita gente sabe o que o progresso tecnológico está fazendo conosco, no entanto toma uma atitude passiva porque acha que é inevitável. Mas o FC não acredita que o seja. Cremos que se pode parar, e daremos aqui algumas indicações de como proceder para pará-lo.

181. Como afirmamos no parágrafo 166, as duas tarefas principais para o presente são promover a tensão social e a instabilidade na sociedade industrial e desenvolver e propagar uma ideologia que se oponha à tecnologia e ao sistema industrial. Quando o sistema esteja suficientemente instável e com tensão, pode que seja possível uma revolução contra a tecnologia. O modelo seria similar ao da Revolução Francesa e Russa. A sociedade francesa e a russa, algumas décadas anteriores às suas respectivas revoluções, mostraram um incremento dos sinais de tensão e debilidade. Enquanto, desenvolveram-se ideologias que ofereciam uma nova visão do mundo que eram bastante diferentes à velha. No caso russo, os revolucionários trabalhavam ativamente para minar a velho ordem. Então, quando o velho sistema foi posto sob suficiente tensão adicional (por meio de uma crise financeira em França e em Rússia por uma derrota militar) foi varrido pelos revolucionários. O que propomos é algo na mesma linha.

182. Objetar-se-á que as revoluções francesa e russa fracassaram. Mas a maior parte das revoluções tem duas finalidades. Uma é destruir a forma velha de sociedade e a outra é estabelecer a nova forma concebida pelos revolucionários. As revoluções francesa e russa fracassaram (felizmente) em criar o novo tipo de sociedade que sonhavam, mas foram bastante afortunadas destruindo a velha sociedade. Não temos ilusões acerca da facilidade de criar uma nova forma de sociedade ideal. Nossa finalidade é apenas destruir a forma existente.

183. Uma ideologia com objeto de ganhar apoio entusiasta tem que ter um ideal positivo bem como um negativo; tem que estar A FAVOR de algo bem como CONTRA algo. O ideal positivo que propomos é a Natureza. Isto é, natureza SELVAGEM: aqueles aspectos do funcionamento da Terra e suas coisas viventes que são independentes da administração humana e livres de sua interferência e controle. E como natureza selvagem incluímos a natureza humana, ou seja, aqueles aspectos do funcionamento da pessoa que não estão sujeitos a regulações pela organização social mas que são produtos da casualidade, ou do livre arbítrio, ou Deus (dependendo das opiniões religiosas ou filosóficas).

184. A natureza constitui uma contraposição perfeita à tecnologia por várias razões. A natureza (aquela que está fora do poder do sistema) é o oposto da tecnologia (que procura expandir infinitamente o poder deste). Muita gente concordará que a natureza é bela e tem um tremendo apelo popular. Os ambientalistas radicais JÁ sustentam uma ideologia que exalta a natureza e se opõe à tecnologia. [30] Não é necessário estabelecer qualquer utopia quimérica ou algum novo tipo de ordem social com base na natureza. Ela cuida de si mesma; foi uma criação espontânea existente muito antes de qualquer sociedade humana, e por incontáveis séculos muitas sociedades humanas diferentes coexistiram com ela sem fazer-lhe excessivo dano. Apenas com o advento da Revolução Industrial o efeito foi realmente devastador. Para aliviar o ataque contra a natureza não é necessário criar um tipo especial de sistema social, basta desfazer-se da sociedade industrial. Sabemos que isto não resolverá todos os problemas. A sociedade industrial já provocou um dano tremendo e as feridas demorarão muito tempo até serem curadas. Além disso, mesmo sociedades pré-industriais podem danificar significativamente natureza. Não entanto, desfazer-se da sociedade industrial séria um grande passo. Aliviaria o pior ataque de forma que feridas poderiam começar a curar-se. Tiraria a capacidade da sociedade organizada de continuar incrementando seu controle sobre a natureza (incluindo a humana). Qualquer tipo de sociedade pode existir depois do desaparecimento do sistema industrial, a verdade é que muita gente viverá próximo da natureza, porque na ausência de tecnologia avançada não há outra alternativa em que a gente POSSA viver. Para alimentar-se temos que ser camponeses, pastores, pescadores ou caçadores etc. Em termos gerais, a autonomia local tenderia a aumentar, porque a falta de tecnologia avançada e de comunicações rápidas limitará a capacidade dos governos ou outras grandes organizações para controlá-las.

185. E quanto às consequências negativas da eliminação da sociedade industrial bom, não dá para comer o bolo e guardá-lo ao mesmo tempo. Para ganhar uma coisa é necessário sacrificar outra.

186. Muita gente odeia o conflito psicológico. Por esta razão odeia qualquer pensamento sério sobre questões sociais difíceis, e lhes agrada que tais assuntos lhes sejam apresentados em termos simples: ISTO é tudo bom e AQUILO é tudo mau. Portanto, a ideologia revolucionária deve desenvolver- se nos dois níveis.

187. No nível mais sofisticado deve dirigir-se a pessoas que sejam inteligentes, pensativas e racionais. O objetivo deve ser criar um núcleo de pessoas avessas ao sistema industrial, mas com bases racionais e sensatas, com total apreciação dos problemas e ambiguidades implicadas, e o preço a pagar para desfazer-se do sistema. É particularmente importante atrair gente deste tipo, já que são capazes e contribuirão para influenciar outros. Essas pessoas devem ser o mais racional possível. Fatos nunca devem ser intencionalmente distorcidos e a linguagem destemperada deve ser evitada. Isto não quer dizer que não se possa apelar às emoções, mas se deve ter cuidado para evitar falsificar a verdade ou fazer alguma outra coisa que destrua a respeitabilidade intelectual da ideologia.

188. No segundo nível, deve se propagar de uma forma simplificada que permita à maioria pouco pensante ver o conflito da tecnologia contra a natureza em termos que não sejam ambíguos. Mas, inclusive neste segundo nível, a ideologia não deve se expressar numa linguagem demasiado pejorativa, imoderada ou irracional que aliene às pessoas do tipo pensativo e racional. Algumas vezes a má e imoderada propaganda atingem avanços de período curto impressionantes, mas será mais vantajoso a longo prazo manter a lealdade de um pequeno número de pessoas inteligentes e comprometidas do que acordar as paixões de uma multidão pouco pensante e inconstante que muda sua atitude ao sabor de um truque de melhor propaganda. De qualquer maneira, pode ser necessária propaganda do tipo entusiasta quando o sistema estiver perto do ponto de colapsar-se e tenha uma luta final entre ideologias rivais para determinar qual se converterá em dominante quando a velha visão do mundo acabar.

189. Antes dessa luta final, os revolucionários não devem esperar ter uma maioria de pessoas a seu lado. A história está feita por minorias ativas e determinadas, não pela maioria, que raramente tem uma ideia clara e consistente do que realmente quer. Até que chegue o momento do empurrão final para a revolução, a tarefa será menos ganhar o apoio superficial da maioria do que construir um núcleo pequeno de gente profundamente comprometida. No que tange à maioria, será suficiente a conscientização sobre a existência de uma nova ideologia e lembrá-la disso frequentemente. Naturalmente é preferível ter apoio da maioria desde que este apoio não debilite o núcleo seriamente comprometido.

190. Qualquer tipo de conflito social ajuda a desestabilizar o sistema, mas deve-se tomar cuidado sobre quais conflitos devemos estimular. O conflito deve ser travado entre as massas populares e a elite que sustenta o poder na sociedade industrial (políticos, cientistas, executivos de negócios de alto nível, servidores públicos governamentais, etc.). NÃO deve ser travado entre os revolucionários e as massas populares. Por exemplo, seria má estratégia condenar os estadunidenses por seus hábitos de consumo. Em vez disso, o estadunidense médio deve ser retratado como vítima dos anúncios da indústria de mercado, que o absorveram para comprar muito lixo que não precisa e que é uma parca vantagem diante de sua liberdade perdida. Qualquer abordagem das duas é consequente com os fatos. É meramente uma questão de atitude culpar a indústria publicitária de manipular ao público ou condenar o público por permitir ser manipulado. Por uma questão de estratégia o público nunca deve ser culpado.

191. Deve-se pensar duas vezes antes de estimular qualquer outro conflito social entre a elite que sustenta o poder (e que maneja a tecnologia) e o público em geral (sobre os quais a tecnologia exerce seu poder). Por um lado, outros conflitos tendem a distrair a atenção do conflito mais importante (entre o poder da elite e o público em geral, entre a tecnologia e a natureza); por outro lado, outros conflitos podem tender a estimular a tecnologização, porque cada lado do conflito quer usar o poder tecnológico para vencer seu adversário. Isto se vê claramente na rivalidade entre as nações. Também aparece nos conflitos étnicos dentro destas. Por exemplo, nos Estados Unidos muitos líderes negros estão ansiosos por ganhar poder para os afroamericanos situando pessoas negras na elite tecnológica. QUEREM COLOCÁ-LOS ali para que tenham muitos servidores públicos governamentais, cientistas e executivos de corporações negras, e assim sucessivamente. Nesse sentido, estão fazendo com que a subcultura afroamericana seja absorvida pelo sistema tecnológico. Em termos gerais, devem ser estimulados apenas aqueles conflitos sociais que possam se encaixar no marco do conflito do poder da elite contra as pessoas comuns, da tecnologia contra a natureza.

192. Não se deve desencorajar conflitos étnicos pela via da militância partidária e dos direitos das minorias (ver parágrafos 21, 29). Os revolucionários devem enfatizar que mesmo sofrendo maior ou menor desvantagens, tais desvantagens tem um significado periférico. Nosso inimigo real é o sistema tecnológico-industrial e na luta contra ele as distinções étnicas não têm importância.

193. O tipo de revolução que temos em mente não implica necessariamente em levante armado contra algum governo. Pode ou não conter violência física, mas não será uma revolução POLÍTICA. Seu foco estará na tecnologia e na economia, não na política. Pode-se conceber (remotamente) que a revolução se restrinja apenas numa mudança massiva de atitudes para com a tecnologia resultando numa desintegração relativamente gradual e sem dor. Mas, se isto ocorrer, seremos muito afortunados. É bem mais provável que a transição a uma sociedade não tecnológica seja muito difícil e esteja cheia de conflitos e desastres.

194. Os revolucionários devem inclusive EVITAR assumir poder político, seja por meios legais ou ilegais, até que o sistema industrial esteja estruturalmente deteriorado e tenha provado seu um fracasso aos olhos de muita gente. Suponhamos por exemplo que algum partido «verde» ganhe o controle do congresso dos Estados Unidos numa eleição. Para evitar trair ou minar sua própria ideologia deveriam tomar medidas vigorosas para voltar o decrescimento econômico. Ao homem comum os resultados pareceriam desastrosos: haveria desemprego em massa, falta de comodidade, etc. Mesmo se os piores efeitos pudessem ser evitados através de uma administração sobre-humanamente hábil, mesmo assim a gente teria que começar a renunciar aos luxos. Cresceria a insatisfação, o partido «verde» seria descartado e os revolucionários sofreriam um sério revés. Por esta razão não devem tentar adquirir poder político até que o sistema se encontre convertido em tal confusão que qualquer apuro será visto como resultado do fracasso do sistema industrial e não da política dos revolucionários. A revolução contra a tecnologia provavelmente terá que ser uma revolução desde abaixo não desde acima.

195. A revolução tem que ser internacional e mundial. Não pode ser levada a cabo na base de nação a nação. Quando se sugere que os Estados Unidos, por exemplo, deve reduzir o progresso tecnológico ou o crescimento econômico as pessoas ficam histéricas e começam a gritar que se ficarmos atrás em tecnologia os japoneses tomarão a dianteira. Santos robôs! O mundo sairá de sua órbita se os japoneses chegarem a vender mais carros do que nós! (O nacionalismo é um grande promotor da tecnologia). Mais razoavelmente discute-se que se as nações relativamente democráticas ficarem atrás em tecnologia enquanto perigosas nações ditatoriais como a China, Vietnã e Coréia do Norte continuam progredindo, eventualmente os ditadores podem dominar o mundo. É por isso que o sistema industrial deve ser atacado em todas as nações simultaneamente na medida em que isto seja possível. Verdadeiramente não há garantias de que o sistema industrial possa ser destruído simultaneamente em todo mundo, e é inclusive concebível que a tentativa de derrocar o sistema pode lançá-lo na mão de ditadores. Esse é o perigo que temos que correr. E vale a pena correr esse risco na medida em que a diferença entre um sistema industrial «democrático» e outro controlado por ditadores é pequena, comparado com a diferença entre um sistema industrial e outro não industrial. A estrutura tecnológico-econômica de uma sociedade é bem mais importante do que sua estrutura política na hora de determinar a maneira como vive o homem comum. (Ver parágrafos 95, 119). Pode-se arguir que um sistema industrial controlado por ditadores seria preferível, porque normalmente se revelam ineficientes, portanto é mais provável que entre em colapso. Vide Cuba.

196. Os revolucionários podem considerar positiva a tendência da economia mundial de convergir para um todo unificado. Acordos de livre comércio como NAFTA e GATT são provavelmente prejudiciais a médio e curto prazo, mas em longo prazo talvez possam ser vantajosos porque fomentam a interdependência econômica entre as nações. Será mais fácil destruir o sistema industrial em uma base mundial se a economia mundial estiver unificada do que derrubá-la em uma nação principal levando ao colapso todas as nações industrializadas.

197. Algumas pessoas acreditam que o homem moderno tem muito poder, muito controle sobre a natureza; eles defendem uma atitude mais passiva por parte da raça humana. Na melhor das hipóteses se expressam pouco claramente, porque não distinguem entre o poder das GRANDES ORGANIZAÇÕES e o poder das PESSOAS e dos PEQUENOS GRUPOS. É um erro pretender impotência e passividade, porque as pessoas PRECISAM de poder. O homem moderno como entidade coletiva – quer dizer, o sistema industrial – tem um imenso poder sobre a natureza, e nós (FC) consideramos isto funesto. Mas as PESSOAS e os GRUPOS PEQUENOS DE PESSOAS atuais têm bem menos poder do que teve o homem primitivo. Em termos gerais, o vasto poder do “homem moderno” sobre a natureza é exercido não por indivíduos o por grupos pequenos, mas por grandes organizações. A extensão com que uma PESSOA comum atualmente pode exercer o poder da tecnologia situa-se dentro de estreitos limites e apenas sob a supervisão e o controle do sistema. (É necessária uma licença para tudo e com ela vêm regras e regulamentos). A pessoa só tem aqueles poderes tecnológicos que o sistema resolve conceder. Seu poder PESSOAL sobre a natureza é pequeno.

198. INDIVÍDUOS e PEQUENOS GRUPOS primitivos na realidade tinham um poder considerável sobre a natureza; ou melhor, DENTRO da natureza. Quando o homem primitivo precisava comida sabia como encontrar e preparar raízes comestíveis, como seguir a pista de uma caça e capturá-la com armas feitas em casa. Sabia como proteger-se do calor, do frio, da chuva, dos animais perigosos, etc. Mas provocou relativamente pouco dano à natureza porque o poder COLETIVO da sociedade primitiva era insignificante comparado com o poder COLETIVO da sociedade industrial.

199. Em vez de almejar impotência e passividade, deve-se argumentar que o poder do SISTEMA INDUSTRIAL deve ser destruído, e que isto INCREMENTARÁ amplamente o poder e a liberdade das PESSOAS e dos PEQUENOS GRUPOS.

200. Enquanto o sistema industrial não estiver despedaçado, sua destruição deve ser a ÚNICA meta revolucionária. Outras finalidades distrairiam a atenção e a energia da meta principal. Mais importante, se os revolucionários se dão ao luxo de ter qualquer outra finalidade, se verão tentados a usar a tecnologia como uma ferramenta para atingir essa outra finalidade. Se cederem a essa tentação, cairão diretamente na armadilha tecnológica, porque a tecnologia moderna é um sistema unificado e estreitamente organizado, de forma que a conservação de ALGUMA tecnologia obrigará a conservar A MAIOR PARTE da tecnologia. É tudo ou nada.

201. Suponhamos por exemplo que os revolucionários adotem a «justiça social» como finalidade. Sendo como é a natureza humana, a justiça social não se daria espontaneamente, teria que ser forçada. Com este objeto os revolucionários teriam que manter as organizações e o controle central. Para isso precisariam transporte rápido e comunicação de longa distância, portanto toda a tecnologia necessária para sustentá-los. Para alimentar e vestir os pobres teriam que usar tecnologia agrícola e fabril. E assim sucessivamente. De forma que a tentativa de assegurar justiça social lhes forçaria a reter a maior parte do sistema tecnológico. Não é que tenhamos nada contra a justiça social, mas não dá para permitir que ela interfira no esforço de acabar com o sistema tecnológico.

202. Seria desesperador aos revolucionários tentar atacar o sistema sem usar ALGUMA tecnologia moderna. Na pior das hipóteses têm que usar os meios de comunicação para propagar sua mensagem. Mas devem usar tecnologia moderna para UM só propósito: atacar o sistema tecnológico.

203. Imagine um alcoólico sentado com um tonel de vinho em frente. Suponha que comece a dizer, «o vinho não é mau se usado com moderação, porque pequenas quantidades são boas…». Bom, você já sabe o que vai acontecer. Não esqueça nunca que a raça humana é como um alcoólatra com um tonel de vinho.

204. Os revolucionários devem ter tantos filhos quanto possam. Há uma forte evidência científica de que as atitudes sociais são em grande número herdadas. Ninguém sugere que uma atitude social seja o resultado direto da constituição genética de uma pessoa, mas parece que os traços da personalidade são em parte herdados e que alguns deles tendem dentro do contexto de nossa sociedade, a tornar uma pessoa mais próxima de sustentar esta ou aquela atitude social. Foram propostas algumas objeções a estas recomendações, mas são débeis e parecem ser motivadas ideologicamente. Em qualquer acontecimento, ninguém nega que as crianças normalmente tendem a sustentar atitudes sociais similares as de seus pais. Em nosso ponto de vista não importa muito se as atitudes passam geneticamente ou através da formação na infância. Em qualquer caso passam.

205. O problema é que muita da gente que está inclinada a rebelar-se contra o sistema industrial está também preocupada com o problema da população, portanto creem oportuno ter poucos filhos ou nenhum. Desta forma podem estar entregando o mundo a gente que mantém ou ao menos aceita o sistema industrial. Para assegurar a resistência da próxima geração de revolucionários a atual deve reproduzir-se abundantemente. Fazendo isso piorará o problema da população apenas ligeiramente. E o problema importante é acabar com o sistema industrial, porque uma vez tenha passado a população mundial necessariamente decairá (ver parágrafo 167); ao passo que se o sistema industrial sobrevive, continuará desenvolvendo novas técnicas de produção de comida que podem permitir à população mundial incrementar-se quase indefinidamente.

206. Com respeito à estratégia revolucionária, os únicos pontos que insistimos absolutamente são que a única finalidade predominante tem que ser a eliminação da tecnologia moderna e que nenhuma outra finalidade pode permitir-se competir com esta. Para o resto, deve-se ter uma abordagem empírica. Se a experiência indica que alguma das recomendações feitas nos parágrafos precedentes não vai dar bons resultados, então se devem descartar.

DOIS TIPOS DE TECNOLOGIA

207. Um argumento que provavelmente surgirá contra nosso modelo de revolução é que certamente fracassará, porque (supostamente) através da história a tecnologia progrediu sempre, nunca regrediu. Assim a regressão tecnológica é impossível. Mas esta pretensão é falsa.

208. Distinguimos dois tipos de tecnologia, que chamamos tecnologia de pequena escala e tecnologia dependente de organizações. A primeira é a que podem usar comunidades de pequena escala sem assistência exterior. A segunda é a que depende de organizações sociais de grande escala. Não sabemos de casos significativos de regressão de tecnologia de pequena escala. A tecnologia dependente de determinada organização social pode sofrer uma regressão quando essa organização entra em colapso. Exemplo: Quando o Império Romano caiu, sua tecnologia de pequena escala sobreviveu porque qualquer artesão inteligente de uma aldeia podia construir, por exemplo, uma roda de água, qualquer ferreiro hábil podia obter aço por métodos romanos… e assim sucessivamente. A tecnologia dependente de organizações romanas sofreu uma regressão. Seus aquedutos se desmoronaram e não se reconstruíram nunca. Perderam-se suas técnicas de construção de calçadas. O sistema romano de saneamento urbano foi esquecido, o mesmo ocorreu nos tempos modernos com o saneamento das cidades européias semelhantes à antiga Roma.

209. A razão pela qual a tecnologia parece progredir sempre é porque até um século ou dois antes da Revolução Industrial a maioria era de pequena escala. Mas a maior parte desenvolvida posteriormente é tecnologia dependente de organizações. Tomemos como exemplo a geladeira. Sem uma linha de montagem industrial ou sem as facilidades logísticas de uma loja pós- industrial seria virtualmente impossível a um punhado de ferreiros locais construir uma geladeira. Se por algum milagre tivessem a sorte de construí-la, seria inútil sem uma fonte segura de energia elétrica. Pelo que teriam que condensar uma corrente e construir um gerador. Isto requer grandes quantidades de fio de cobre. Imagine tentar fazer tudo isso sem maquinaria moderna. E onde conseguiriam um gás apropriado para a refrigeração? Seria muito mais fácil construir uma casa de gelo, preservar os alimentos desidratando-os ou colhendo-os, como faziam antes da invenção da geladeira.

210. Claramente, se o sistema industrial fosse de uma vez profundamente colapsado, a tecnologia frigorífica seria rapidamente perdida. O mesmo passaria com outras tecnologias dependentes de organizações. E uma vez perdida essa tecnologia para uma geração levaria séculos para reconstruí-la, simplesmente porque levou séculos para construí-la pela primeira vez. Os livros técnicos sobreviventes seriam poucos e dispersos. E a sociedade industrial, se fosse construída desde o princípio sem ajuda externa, só se poderia fazer numa série de etapas: precisas ferramentas para fazer ferramentas para fazer ferramentas para fazer ferramentas… Requer um longo processo de desenvolvimento econômico e de organização social. E, inclusive na ausência de uma ideologia oposta à tecnologia, não há razão para pensar que alguém estaria interessado em reconstruir a sociedade industrial. O entusiasmo pelo «progresso» é um fenômeno particular da forma moderna de sociedade, e parece não ter existido antes do século XVII ou por aí.

211. Na última parte da Idade Média, tinha quatro civilizações importantes que estavam igualmente «avançadas»: Europa, o mundo islâmico, Índia, e o Longínquo Oriente (Chinesa, Japão, Coréia). Três destas civilizações permaneceram mais ou menos estáveis e só Europa se dinamizou. Ninguém sabe porque Europa se dinamizou neste período, os historiadores têm suas teorias, mas só são especulações. De qualquer forma, está claro que o desenvolvimento rápido para uma forma tecnológica da sociedade só ocorre sob condições especiais. Pelo que não há razão para dar por certo que uma regressão tecnológica duradoura não pode ocorrer.

212. Poderia a sociedade EVENTUALMENTE desenvolver-se novamente em direção a uma forma tecnológica industrial? Quiçá, mas não há razão para se preocupar com isto, porque nós não podemos predizer ou controlar os acontecimentos na faixa de 500 ou 1000 anos. Esses problemas têm que ser solucionados pelas pessoas que então estiverem vivas.

O PERIGO DO ESQUERDISMO

213. Devido a sua necessidade pela rebelião e por serem membros de um movimento, os esquerdistas ou as pessoas de tipo psicológico similar são com frequência atraídos por movimentos de rebeldia ou ativismos cujos objetivos e membros não são inicialmente esquerdistas. O resultado da entrada de esquerdistas pode, facilmente, transformar um movimento não esquerdista num esquerdista, de maneira que as finalidades esquerdistas substituem ou mudam os objetivos iniciais do movimento.

214. Para evitar isto, um movimento que exalta a natureza e que se opõe à tecnologia, deve fazer um acordo contra os esquerdistas e deve evitar a colaboração com estes. O esquerdismo está em larga escala em contradição com a natureza selvagem, com a liberdade humana e com a eliminação da tecnologia moderna. O esquerdismo é coletivista; está procurando vincular o mundo inteiro (ambos, a natureza e a raça humana) num todo unificado. Mas isto implica o manejo da natureza e da vida humana por uma sociedade organizada, e requer tecnologia avançada. Não dá para ter o mundo unido sem meios de transporte rápidos e sem comunicações, não dá para fazer com que todo mundo se submeta sem técnicas psicológicas sofisticadas, não dá para construir uma «sociedade planejada» sem uma base tecnológica necessária. Além de tudo, o esquerdismo é conduzido pela necessidade de poder, e o esquerdista requer tal poder em bases coletivas, através da identificação com um movimento de massas ou uma organização. O esquerdismo provavelmente nunca renunciará à tecnologia, porque a tecnologia é uma fonte demasiado valiosa de poder coletivo.

215. O anarquista também procura o poder, mas o procura em bases individuais ou de pequenos grupos; quer que estes sejam capazes de controlar as circunstâncias de suas próprias vidas. Opõe-se à tecnologia porque ela faz que pequenos grupos dependam de grandes organizações. Esta declaração se refere a um determinado tipo de anarquismo. Uma ampla variedade de atitudes sociais foram respostas «anarquistas», talvez muitos que se consideram anarquistas não aceitem esta declaração. Convém ressaltar, por outra parte, que há um movimento anarquista não-violento cujos membros provavelmente não aceitam a FC como anarquista e seguramente não aprovarão nossos métodos violentos.

216. Alguns esquerdistas se opõem à tecnologia apenas aparentemente, eles se opõem quando não tem acesso nem controlam a tecnologia do sistema. Na medida em que o esquerdismo domina a sociedade, o sistema tecnológico torna-se um instrumento nas mãos dos esquerdistas, eles não apenas o utilizam com entusiasmo como também promovem seu crescimento. Ao fazê- lo eles repetem um padrão visto no passado. Quando os bolcheviques na Rússia ainda estavam sem o poder nas mãos, eles se opunham energicamente à censura e à polícia secreta, eles defendiam a autodeterminação para as minorias étnicas, e assim por diante; mas logo que tomaram o poder, elas impuseram uma censura ainda mais rigorosa e criaram uma polícia secreta ainda mais cruel que a dos tsares, e passaram a oprimir as minorias étnicas da mesma forma que os tsares faziam. Nos Estados Unidos, décadas atrás, quando os esquerdistas eram minoria nas universidades, os professores esquerdistas eram vigorosos defensores da liberdade acadêmica. Hoje, nas universidades onde os esquerdistas são maioria, já demonstram disposição de tolher a liberdade acadêmica de vertentes que em sua visão se afasta daquilo que julgam ser o “politicamente correto”. O mesmo vai acontecer com os esquerdistas com relação à tecnologia: no momento em que esta cair sob seu controle ela será utilizada para oprimir outras pessoas.

217. Por repetidas vezes nas revoluções recentes, os esquerdistas sequiosos por poder são os primeiros a colaborar tanto com não-esquerdistas revolucionários como com esquerdistas de inclinação mais libertária, para depois traí-los e tomar o poder para si próprios. Robespierre fez isso na Revolução Francesa, os bolcheviques na Revolução Russa, os comunistas na Espanha em 1938, e Castro e seus seguidores em Cuba. Diante desse passado histórico do esquerdismo, seria absolutamente insensato aos não-esquerdistas revolucionários colaborar com esquerdistas hoje.

218. Diversos pensadores salientaram que esquerdismo é uma espécie de religião. Esquerdismo não é uma religião no sentido estrito, porque a doutrina esquerdista não postula a existência de qualquer ser sobrenatural. Mas para a esquerda, o esquerdismo psicológico desempenha um papel muito similar àquele que a religião desempenha para algumas pessoas. O esquerdista tem de acreditar em esquerdismo, fato que exerce um papel essencial em sua psique. Suas crenças não são facilmente modificadas pela lógica ou pelos fatos. Ele tem uma profunda convicção de que é o esquerdismo é moralmente Correto, com um capital histórico Correto, e que ele tem não apenas o direito, mas o dever moral de impor o esquerdismo em todas as pessoas. (No entanto, muitas das pessoas às quais estamos nos referindo como “esquerdistas” não se julgam esquerdistas e não descrevem seu sistema de crenças como esquerdismo. Usamos o termo “esquerdismo” porque desconhecemos outra palavra que melhor designe o espectro de crenças relacionadas a feminismo, direitos gay, politicamente correcto, etc, e pelo fato destes movimentos terem uma forte afinidade com a antiga esquerda.). (Ver parágrafos 227-230).

219. O esquerdismo é uma força totalitária. Sempre que o esquerdismo alcança o poder tende a invadir cada canto privado e a moldar cada um na fôrma esquerdista. Em parte, isso é devido ao caráter quase religioso do esquerdismo; tudo que se contrapõe à crença esquerdista representa o Pecado. Mais importante, o esquerdismo é uma força totalitária porque o esquerdista se move pelo poder. O esquerdista procura satisfazer sua necessidade de poder através da identificação com um movimento social e tenta assumir o controle de todo o processo no intuito de atingir os objetivos do movimento. (Veja parágrafo 83). Não importa o quanto o movimento avançou na realização dos seus objetivos, o esquerdista nunca está satisfeito, porque o seu ativismo é um substituto da atividade (veja parágrafo 41). Ou seja, o que move o esquerdismo não se ater às ostensivas metas do movimento; na realidade ele é motivado pela sensação de poder que ele adquire na luta e por alcançar uma meta social. Por conseguinte, o esquerdista nunca está satisfeito com as metas que ele já alcançou; sua necessidade de alçar ao poder leva-o sempre a ostentar alguma nova meta. O esquerdista prega a igualdade de oportunidades para as minorias, mas ele tem critérios estatísticos próprios sobre isso. Quando chegam ao poder e a realidade mostra minorias ainda sem oportunidades, e se em algum canto da sua mente surge uma atitude negativa com relação a essas minorias, e isso não se refere apenas às minorias étnicas; ninguém pode ser autorizado a ter uma atitude negativa para com homossexuais, deficientes, obesos, idosos, feios, e assim por diante. Quer dizer, não é suficiente que os cidadãos sejam informados sobre os perigos do tabagismo; uma advertência tem que ser carimbada em cada pacote de cigarros. Depois, a publicidade do cigarro tem de ser limitada, se não for proibida. Os esquerdistas nunca estarão satisfeitos até que o uso de tabaco seja proibido, depois será a vez do álcool e, em seguida da maconha, de certos tipos de alimento, etc. Os ativistas têm lutado contra o abuso infantil, o que é razoável. Mas agora eles querem pôr termo a toda palmadinha. Quando alcançarem isso eles vão querer proibir algo mais que consideram nocivo e, em seguida, outra coisa e depois outra. Eles nunca estarão satisfeitos até que na prática tenham controle total sobre todas as crianças. Então passarão para outra causa.

220. Suponha que você peça para os esquerdistas fazerem uma lista de todas as coisas erradas na sociedade e, em seguida, suponha que você institua CADA mudança social que eles pediram. Seguramente dentro de alguns anos a maioria dos esquerdistas encontrará algo de novo para queixar-se, alguns novos “males” sociais para corrigir, porque mais uma vez o esquerdista é motivado menos pela angústia dos males sociais do que pela necessidade de afirmar-se pessoalmente pela imposição de supostas soluções.

221. Devido às restrições arraigadas em seus pensamentos e comportamento pelo seu elevado nível de socialização, muitos esquerdistas do tipo sobressocializado não podem afirmar-se da forma como outras pessoas fazem. Para eles afirmação pessoal tem apenas uma saída moral aceitável, lutar para impor sua moral a todo mundo. Talvez isso seja uma condição necessária, um ingrediente de qualquer movimento revolucionário. Isto representa um problema com o qual temos de admitir que não sabemos como lidar. Não sabemos como aproveitar as energias do Verdadeiro Fiel para uma revolução contra a tecnologia. Atualmente, todos nós podemos dizer é que não serão os Verdadeiros Fiéis que garantirão o sucesso da revolução a menos que seu compromisso seja exclusivamente com a destruição de tecnologia. Eles podem querer usar a tecnologia como ferramenta ideal para a prossecução alheia.

222. Esquerdistas, especialmente os do tipo sobressocializado, são fiéis, no sentido de Eric Hoffer do livro, “O Verdadeiro Fiel”. Mas nem todos os fiéis são do mesmo tipo psicológico enquanto esquerdistas. Presumivelmente um Verdadeiro Fiel nazi, por exemplo, é psicologicamente muito diferente de um Verdadeiro Fiel esquerdista. Devido a sua capacidade de devoção a uma só causa, os Verdadeiros Fiéis são úteis. Podem ser um ingrediente necessário a todo movimento revolucionário. Mas isto apresenta um problema que devemos reconhecer não saber como tratar. Não estamos seguros de como aproveitar as energias do Verdadeiro Fiel para uma revolução contra a tecnologia. No presente, tudo o que podemos dizer é que nenhum Verdadeiro Fiel será útil à revolução, a menos que seu comprometimento único seja destruir a tecnologia. Se estiver comprometido também com outra idéia, pode querer usar a tecnologia como ferramenta para perseguir outro ideal (ver parágrafos 220, 221).

223. Alguns leitores podem dizer: “Essas coisas sobre esquerdismo são um monte de asneiras. Sei que João e Joana são típicos esquerdistas e eles não têm todas estas tendências totalitárias”. É bem verdade que muitos esquerdistas, talvez a maioria, são pessoas decentes que acreditam sinceramente na tolerância a outros valores (até certo ponto) e não aprovam a utilização de métodos e instrumentos inadequados para atingir os seus objetivos sociais. Nossas observações sobre esquerdismo não são destinadas a serem aplicadas a cada indivíduo esquerdista, mas para descrever o caráter geral do esquerdismo enquanto movimento. E o caráter de um movimento em geral não é necessariamente determinado pela proporção numérica dos diversos tipos de pessoas envolvidas no movimento.

224. As pessoas que galgam a posições de poder no movimento esquerdista tendem a ser esquerdistas cada vez mais sequiosos por poder, porque as pessoas mais sequiosas por poder são aquelas que lutam duramente para chegar a posições de poder. Depois que os sedentos por poder conquistam o controle do movimento, muitos esquerdistas independentes sentem-se angustiados e traídos e passam a desaprovar muitas das ações de seus líderes, mas não chegam ao ponto de opor-se a eles. A fé no movimento é mantida e por não poderem renunciar a esta fé seguem junto com os líderes. Verdadeiramente, alguns raros esquerdistas corajosamente se opõem à uma eventual tendência totalitária, mas geralmente caem no vazio, porque os sedentos por poder estão melhor organizados, são mais cruéis, maquiavélicos e cuidam de escorar-se em uma forte base.

225. Este fenômeno apareceu claramente na Rússia e em outros países onde os esquerdistas tomaram o poder. Antes do fracasso do comunismo na URSS, os esquerdistas de ocidente raramente criticaram esse país. No máximo admitirão que a URSS fez muitas coisas ruins, mas depois tentarão encontrar desculpas para os comunistas e começarão a falar sobre os erros do ocidente. Sempre se opuseram à resistência militar de ocidente à agressão comunista. Esquerdistas de todo mundo protestaram vigorosamente contra a ação militar dos EUA no Vietnã, mas quando a U.R.S.S. invadiu o Afeganistão não fizeram nada. Não porque aprovassem a ação soviética, mas por sua fé esquerdista, simplesmente não puderam opor-se ao comunismo. Hoje nas universidades onde a «correção política» se tornou dominante, provavelmente há esquerdistas que particularmente desaprovam a supressão da liberdade acadêmica, mas a adotam assim mesmo.

226. Assim o fato de que muitos esquerdistas serem pessoalmente moderados e bastante tolerantes não significa que o esquerdismo como é deixe de ser uma tendência totalitária.

227. Nossa discussão do esquerdismo tem uma debilidade séria. Estamos ainda longe de aclarar o que queremos dizer com a palavra «esquerdista». Não parece que possamos avançar muito sobre isto. Hoje o esquerdismo está fragmentado em todo um espectro de ativismo. No entanto, nem todos têm esta tendência e alguns movimentos (por exemplo, os ambientalistas radicais) parecem incluir ambas as personalidades, do tipo esquerdista e inteiramente não esquerdistas, os quais devem discernir melhor antes de colaborar com os primeiros. Variedades de esquerdistas se convertem gradualmente em variedades de não esquerdistas e nós mesmos estaríamos com frequência em dificuldades para decidir se uma determinada pessoa é ou não um esquerdista. Enquanto não for precisamente definida, nossa concepção é explicada pela discussão que apresentamos neste artigo, e só podemos aconselhar ao leitor para que use seu próprio juízo para decidir quem é um esquerdista.

228. Mas será útil catalogar alguns critérios para o diagnóstico. Estes critérios não podem ser aplicados de uma maneira seca. Algumas pessoas podem reunir alguns dos critérios sem ser esquerdistas, alguns esquerdistas podem não reunir nenhum dos critérios. Novamente convém usar o bom senso.

229. O esquerdista está orientado para um coletivismo em grande escala. Enfatizamos a obrigação do indivíduo de servir à sociedade e a obrigação da sociedade de cuidar do indivíduo. O esquerdista tem uma atitude negativa para o individualismo. Com frequência usa um tom moralista. Tende a defender o controle de armas, educação sexual e outros métodos psicológicos de educação “iluminados”. Defende o planejamento, a ação afirmativa, o multiculturalismo. Tende a identificar-se com vítimas. Tende a ser contra a competição e a violência, mas encontra desculpas para aqueles esquerdistas que usam a violência. Agrada-lhe muito usar chavões da esquerda como «racismo», «sexismo», «homofobia», «capitalismo», «imperialismo», «neocolonialismo», «genocídio», «mudança social», «responsabilidade social». Talvez o melhor diagnóstico seja a característica de tender a simpatizar com os seguintes movimentos: feminismo, direitos dos homossexuais, minorias étnicas, incapacitados, direitos dos animais, correção política. Qualquer um que simpatize com força com TODOS estes movimentos é quase com certeza um esquerdista. [36]

230. Os esquerdistas mais perigosos são aqueles que estão mais famintos de poder, são frequentemente caracterizados pela arrogância ou por um enfoque dogmático da ideologia. Não obstante, os mais perigosos de todos podem ser certos tipos sobressocializados quem evitam explosões irritantes de agressividade e se refreiam de fazer publicidade de seu esquerdismo, mas trabalham rápida e discretamente promovendo valores coletivistas, técnicas psicológicas «iluminadas» para socializar crianças, para incrementar a dependência do indivíduo ao sistema, e coisas assim. Estes cripto-esquerdistas (como os podemos chamar) estão próximos de certos tipos burgueses no que tange a ações práticas, mas diferem deles em psicologia, ideologia e motivação. O burguês corrente tenta manter as pessoas sob o controle do sistema para proteger seu modo de vida, ou o faz simplesmente porque suas atitudes são convencionais. O cripto-esquerdista tenta manter as pessoas sob o controle do sistema porque é um Verdadeiro Fiel a uma ideologia coletivista. Diferencia-se do esquerdista comum do tipo sobressocializado pelo fato de que seu impulso de rebeldia é mais débil e está mais firmemente socializado. Diferencia-se do burguês corrente seu impulso (bem sublimado) pelo poder seja mais forte do que aquele do burguês comum bem socializado pelo fato de que há uma profunda carência em seu interior que lhe força a consagrar-se a uma causa e submergir-se numa coletividade. E pode ser que [interrompido]

NOTA FINAL

231. Ao longo deste artigo fizemos declarações imprecisas, outras que deviam ter todo tipo de qualificações somadas a elas e algumas outras podem ser inteiramente falsas. A falta de informação suficiente e a necessidade de brevidade nos impossibilitam formular nossas afirmações mais precisamente ou acrescentar todas as qualificações necessárias. Portanto, uma discussão desta natureza precisa confiar bastante no juízo intuitivo e isso algumas vezes pode não funcionar adequadamente. Assim, não pretendemos que este artigo expresse mais do que uma rude abordagem da verdade.

232. Contudo, estamos razoavelmente seguros de que o esquema geral do quadro que pintamos é mais ou menos correto. Retratamos o esquerdismo em sua forma moderna como um fenômeno peculiar de nosso tempo e como um sintoma do colapso dos processos de afirmação pessoal. Mas talvez estejamos estar equivocados sobre isto. Os tipos sobressocializados que tentam satisfazer seu impulso de afirmação impondo sua moralidade a todo mundo certamente têm estado ativos há muito tempo. Mas ACREDITAMOS que o papel decisivo exercido pelos sentimentos de inferioridade, baixa autoestima, impotência, identificação com vítimas por parte de gente que não é vítima, é uma peculiaridade do esquerdismo moderno. A identificação de não vítimas com vítimas pode ser vista em certa extensão no esquerdismo do século XIX e no cristianismo primitivo, mas até onde o podemos explicar, os sintomas de baixa autoestima, etc., não eram tão evidentes nestes movimentos, ou em nenhum outro, como o são no esquerdismo moderno. Mas não estamos em posição de alegar com segurança que tais coisas não existiam antes do esquerdismo moderno.

Notas do texto original

30. (Parágrafo 184) Uma vantagem adicional da natureza como contraposição à tecnologia é que, em muita gente, inspira uma espécie de reverência similar à religião, de maneira que a natureza quiçá possa ser idealizada em bases religiosas. Sabe-se que em muitas sociedades a religião serviu como suporte e justificativa para a ordem estabelecida, mas também é verdade que com frequência proporcionou uma base para a rebelião. Assim, pode ser útil introduzir um elemento religioso na rebelião contra a tecnologia, principalmente porque hoje a sociedade ocidental não tem uma base religiosa forte. Em nossos dias, a religião também é usada como suporte barato e transparente ao egoísmo intolerante e míope (alguns conservadores a usam desta maneira), é inclusive difundida cinicamente para fazer dinheiro fácil (por muitos evangélicos), ou degenerada por um irracionalismo tosco (seitas protestantes fundamentalistas, «cultistas»), ou está simplesmente estancada (catolicismo). O que mais se aproxima de uma religião forte, estendida e dinâmica que ocidente viu em tempos recentes foi a quase religião do esquerdismo, mas hoje está fragmentado e não tem finalidades claras, unificadas e inspiradas. Assim, há um esvaziamento religioso em nossa sociedade que pode ser preenchido por uma religião enfocada na natureza em oposição à tecnologia. Mas seria um erro tentar confeccionar artificialmente uma religião para exercer este papel. Algo semelhante a uma religião inventada provavelmente seria um fracasso. Tomemos a religião «Gaia», por exemplo. Seus membros creem REALMENTE nela ou simplesmente fingem? Se estiverem fingindo, isso resultará em fracasso.

Provavelmente é melhor não tentar introduzir a religião do conflito da natureza com a tecnologia a menos que você REALMENTE creia nessa religião e que ela corresponda ao anseio profundo, forte e genuíno de outras pessoas.

[5, parágrafo 42] Pode argumentar-se que as pessoas em sua maioria não querem tomar decisões, preferem que os líderes pensem por elas. Há um elemento de veracidade nisto. As pessoas gostam de tomar as decisões por si próprias em pequenos assuntos, mas tomar decisões sobre questões difíceis, fundamentais, requer que se lide com conflitos psicológicos, e a maior parte detesta isso. Daí tendem a transferir para outros a tomada de decisões difíceis. A maior parte das pessoas é formada por seguidores e não por líderes, mas gostam de ter acesso direto aos seus líderes e participarem até certo ponto na tomada de decisões difíceis. Pelo menos até este ponto precisam de autonomia.

[6, parágrafo 44] Alguns dos sintomas mencionados são semelhantes aos que se observam em animais enjaulados. […]

[9, parágrafo 61] Não considerando os marginalizados. […]

[10, parágrafo 62] Alguns sociólogos, pedagogos, profissionais de “saúde mental” e similares fazem o melhor que podem para colocar as aspirações sociais no grupo 1, tentando garantir que todos tenham uma vida social satisfatória.

[11, parágrafo 63] Será que a ânsia de incessante aquisição de bens materiais é uma criação artificial da indústria publicitária e do marketing? […] não podemos afirmar que a moderna cultura orientada para o consumo seja exclusivamente uma criação da indústria publicitária e do marketing.

Evidentemente a indústria publicitária e o marketing tiveram um papel importante na criação desta cultura. As grandes empresas que gastam milhões em publicidade não iriam gastá-los sem terem provas sólidas de reavê-los com o aumento de vendas. Um membro de FC conheceu há anos um gestor de vendas que teve a franqueza de lhe dizer “o nosso papel é fazer as pessoas comprar coisas que não querem nem precisam”. Descreveu a seguir que um novato sem treino não conseguia com seus argumentos vender nada a potenciais compradores, ao passo que um vendedor experiente vendia muito do mesmo e às mesmas pessoas. […]

[13, parágrafo 66] Os esforços dos conservadores para que se reduza a regulamentação governamental trazem poucos benefícios ao cidadão comum. Para já, apenas uma fração dos regulamentos pode ser eliminada porque a maior parte deles é necessária. Depois, a maior parte da desregulamentação afeta os negócios e não o indivíduo médio, por isso o efeito será o de retirar poder ao governo para passá-lo para as grandes empresas. Para o cidadão médio isto significa a substituição da interferência do governo na sua vida pela interferência das grandes empresas, as quais podem, por exemplo, passar a descarregar mais resíduos industriais na água que se bebe, provocando mais cancro. Os conservadores tomam o cidadão comum por parvo, aproveitando o seu ressentimento do Grande Estado para promoverem o poder do Grande Capital.

[14, parágrafo 73] Quando alguém aprova os fins a que se destina uma determinada campanha publicitária, em geral chama-lhe “educação” ou aplica-lhe eufemismo semelhante. Mas propaganda é propaganda, não importa o propósito em que é direcionada.

Em inglês: (original): http://www.time.com/time/reports/unabomber/wholemanifesto.html

Em espanhol: http://www.sindominio.net/ecotopia/textos/unabomber.html

Extratos em português: http://home.dbio.uevora.pt/~oliveira/Imprensa/FuturoSocIndustr.htm#2

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