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William Waack

Sobre a execução sumária e o linchamento moral de William Waack

Se o que o Waack fez (ao dar uma declaração depreciativa sobre negros, num comentário privado, feito fora do ar, gravado e divulgado por um militante petista) foi racismo, segundo a lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que instituiu, no Brasil, o “Estatuto da Igualdade Racial” – que já é um nome absurdo, pois não existem raças na espécie Homo Sapiens – então que se proceda ao devido processo legal, com acusação, direito de defesa e tudo mais – como é consagrado nas democracias. O que não pode haver é julgamento e execução sumária, sem contraditório. E muito menos linchamento público moral (com motivações claramente políticas) em razão de uma observação privada.

A Globo agiu em relação a Waack (talvez não por acaso) do mesmo modo como agiu quando resolveu dar por verdade que, na gravação do presidente da República feita pelo bandido Joesley em conluio com Janot, havia materialmente a fala de Temer mandando o bandido da Friboi comprar o silêncio de Cunha (o que não está no arquivo de áudio).

Por que se pode afirmar que as motivações para o linchamento moral são políticas? Porque as pessoas engajadas nessa patrulha do politicamente correto não se mobilizaram quando Lula disse que Pelotas é cidade-polo exportadora de veados, nem quando ele disse que as mulheres do PT têm o grelo duro e, nem, ainda, quando os petistas chamaram o Joaquim Barbosa de macaco. Crucificaram Waack porque ele não é de esquerda e nem tão vulnerável (como a maioria dos seus colegas) à patrulha do politicamente correto.

William Waack já era um desafeto da esquerda há muito tempo. Odiavam-no não porque ele apresentava o Jornal da Globo e sim em razão de suas ideias e do programa Painel (onde autocratas de esquerda e de direita não eram convidados). Ele já havia sido vítima de outras campanhas difamatórias, uma delas dizendo que era colaborador da CIA. Agora que a Globo – ao que tudo indica por orientação da sua direção e com a ajuda dos jornalistas militantes petistas, progressistas e covardes diante da patrulha ideológica da esquerda e dos jacobinos (e nenhum deles veio até agora a público em defesa do colega, aceitando a lei do silêncio imposta pela emissora) – está participando de uma armação hedionda para derrubar um governo constitucional, William Waack tornou-se uma peça fora de lugar. Ele sempre pareceu destoar dessa nova orientação da Globo, acatada bovinamente por vários de seus colegas, a partir da decisão da emissora de repetir mentiras para transformá-las em verdade.

Não se pode afirmar que o comentário infeliz de Waack tenha a ver com um juízo geral sobre a inferioridade de pessoas de cor negra. Foi um dito infeliz que expressou um preconceito, mas um preconceito não é suficiente para caracterizar racismo, que exige um conceito. Racistas são os que acreditam em raças estruturando narrativas de separação a partir de diferenças (como cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial et coetera) que são irrelevantes do ponto de vista genético. Portanto, não é apenas um preconceito e sim um conceito, não-científico (como se sabe, não existem raças humanas do ponto de vista biológico: na espécie Homo Sapiens a variabilidade genética representa 3 a 5% da variabilidade total, nos sub-grupos continentais, o que caracteriza ausência de diferenciação genética).

Preconceitos fazem parte de culturas (nas quais todos nós estamos imersos) e o que é aceito em uma cultura não é aceito em outra. Alguns indígenas no Brasil tiram o maior sarro dos gays (não se sabe bem se são gays mesmo) que eventualmente surgem nas tribos: embora não os hostilizem, fazem troça dos seus jeitos e trejeitos. Mas isso, talvez, já seja influência da colonização. Recém-publicado, apenas em inglês, na Suíça, o livro “Gay Indians in Brazil: Untold stories of the colonization of indigenous sexualities” (“Índios gays no Brasil: a história não contada sobre a colonização de sexualidades indígenas”, em tradução livre) (Springer International Publishing, 2017) de Estevão Fernandes e Bárbara Arisi, argumenta que a homossexualidade era comum e bastante aceita entre os índios brasileiros antes da colonização.

Boa parte das pessoas, até há pouco, repetia o dito popular, muito mais preconceituoso, de que “preto quando não caga na entrada, caga na saída”. E isso era aceito socialmente, como troça, ou seja, nunca levado tão a sério a não ser pelos verdadeiros racistas.

De qualquer modo, esses ditos populares, preconceituosos e discriminatórios, não são humanizantes e por isso devem ser coibidos. Mas a cultura inibe tais manifestações de um modo, digamos, sistêmico. A pessoa deixa de falar uma coisa assim porque “sabe” que não é válido socialmente, não é legitimado pela comunidade e não porque haja uma patrulha, um vigilante noturno (semelhante aquele de que falava Rosa ao criticar a ideia de partido de Lenin) controlando o comportamento do outro.

A patrulha do politicamente correto é o problema, porque ela cria superavits de controle (reproduzindo a sociedade de controle) e porque ela ataca o problema na sua manifestação individual, quando se trata de níveis de aceitabilidade (ou inaceitabilidade) que são funções sociais. A questão é que o apedrejamento individual do desviante é conforme a um modo de vida autocrático, não democrático. Por exemplo, a infidelidade conjugal (ou o adultério) de mulheres é desestimulada (na verdade barbaramente reprimida) pelo apedrejamento físico em ditaduras islâmicas e isso é funcional para a reprodução daquele modo-de-vida (autocrático).

Hudson C F Freitas em comentário no Facebook (10/11/2017), mostrou por que o politicamente correto é uma forma de controle:

“O politicamente correto é a forma mais incrivelmente eficaz de censura e controle! Torna as pessoas inimigas que passam a vigiar, fiscalizar, controlar, denunciar e destruir os outros, e a ficar constantemente se vigiando e se controlando, medindo milimetricamente tudo e cada palavra que irá dizer, com medo permanente de também ser denunciado. E o politicamente correto faz assim, age e pensa dessa forma, pois passa realmente a acreditar que isso é bom, que isso é o moralmente correto, que todos devem se limitar a ter o mesmo padrão, eternamente cinza e neutro, de linguagem, pensamento e comportamento”.

De um ponto de vista psicológico, cabe registar que a indignação das pessoas é, em geral, com sua própria sombra (projetada no outro). A pessoa mais indignada, enraivecida diante do ato violador da norma imposta, que deve ser compulsoriamente aceita sob pena de linchamento (físico ou moral), é aquela que sabe que poderia fazer a mesma coisa ou coisa semelhante da que fez o acusado. O acusador, o punitivista, o linchador, é aquele que não aceita a sua própria sombra, sobretudo quando a vê no outro (o que deve ser excruciante para quem se recusa a vê-la em si mesmo).

O acusador do desvio alheio sabe que já contou, em privado, muita piada de português, de argentino, de negro, de judeu, de mulher, de gay – que são, todas, preconceituosas. Quem nunca contou? E não por causa disso a pessoa que contou essas piadas pode ser caracterizada como nacionalista (xenófoba), racista, machista ou homofóbica.

Ou seja, apenas a expressão de preconceito não caracteriza racismo. É necessário um CONCEITO (não científico) de raça como base de uma narrativa estruturada de separação a partir de diferenças que são irrelevantes do ponto de vista genético.

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