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Abaixo a “falsa simetria”: Lula e Bolsonaro são dois populistas muito diferentes

Partimos da classificação de Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018) – Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes – que divide os regimes políticos em 4 tipos: democracia liberal, democracia eleitoral, autocracia eleitoral e autocracia fechada (não-eleitoral).

Um mapa mundi com essa classificação pode ser visto na figura abaixo:

O diagrama abaixo especifica os tipos de regimes políticos segundo a classificação (LTL RoW) adotada:

Na posição 1 na figura acima temos – entre 34 regimes, no total – as dez democracias liberais mais bem colocadas no cruzamento dos rankings da Freedom House, da The Economist Intelligence Unit e do V-Dem: Noruega, Suécia, Finândia, Nova Zelândia, Dinamarca, Suiça, Irlanda, Holanda, Luxemburgo, Austrália. Democratas liberais, o são – obviamente – porque preferem os regimes vigentes nesses países.

Há quem prefira as democracias (apenas) eleitorais – na posição 2 da figura acima – vigentes, entre 55 regimes no total, no México, na Argentina, na Bolívia, no Brasil, na Bulgária, no Equador, na Guatemala, na Polônia, na África do Sul e no Senegal.

Há quem prerira as autocracias eleitorais – na posição 3 – da Albânia, da Angola, do Congo, do Haiti, do Irã, da Nicarágua, da Venezuela, das Filipinas, da Rússia ou da Índia. As autocracias eleitorais (o tipo de regime mais numeroso do mundo na atualidade) vigem hoje em 60 países.

E, por incrível que pareça, ainda há os que preferem as autocracias fechadas – na posição 4 – da China, de Cuba, da Guiné, da Coréia do Norte, da Arábia Saudita, da Somália, da Tailândia, do Vietnam, do Iêmem e do Sudão. Autocracias fechadas (não-eleitorais) ainda estão presentes em 30 países.

Ocorre que, diante da ascensão dos novos populismos do século 21 – o neopopulismo, dito de esquerda e o populismo-autoritário, dito de extrema-direita – qualquer classificação de regimes políticos que não levar em conta o processo pelo qual as democracias são parasitadas por esses populismos perde potência analítica. Sugerimos, portanto, a seguinte classificação de tipos e subtipos de regimes políticos.

Assim, não basta mais a alguém se dizer democrata. Agora é necessário dizer se é um democrata liberal, um democrata eleitoral não-populista ou democrata eleitoral neopopulista. Democratas eleitorais populistas podem enfrear o processo de democratização, fazendo democracias liberais decaírem para democracias eleitorais e democracias eleitorais não ascenderem à condição de democracias liberais.

Não é difícil identificar democratas eleitorais neopopulistas, sobretudo na América Latina: Hugo Chávez na Venezuela, Lula e Dilma no Brasil, Evo Morales e Luis Arce na Bolívia, Rafael Correa e Lenin Moreno no Equador, Manuel Zelaya e Xiomara em Honduras, Fernando Lugo no Paraguai, Maurício Funes e Salvador Cerén em El Salvador, Cristina Kirchner e Alberto Fernández na Argentina, López Obrador no México, Pedro Castillo no Perú. E, para não ficarmos apenas com exemplos da AL, João Lourenço em Angola. Todavia, isso seria incorreto, na medida em que Angola, assim como Venezuela e Nicarágua, já viraram autocracias eleitorais.

Democracias eleitorais parasitadas por neopopulismos ditos de esquerda podem, no limite, decaírem para autocracias eleitorais (como aconteceu na Venezuela de Maduro e na Nicarágua de Ortega). De qualquer modo, não chegarão a ser democracias liberais. Democracias eleitorais parasitadas por populismos-autoritários ditos de extrema-direita podem virar autocracias eleitorais (como aconteceu na Hungria de Orbán e na Índia de Modi). De qualquer modo, se transformam em democracias de baixa intensidade.

Uma coisa, porém, é classificar regimes em tipos e subtipos. Outra coisa é classificar atores políticos. No diagrama abaixo apontamos dois exemplos de cada tipo. Todo exemplo de inclinação pessoal, todavia, é incerto. Aqui derivamos a classificação dos atores políticos do tipo de regime vigente nos respectivos países que governam. Mas tal derivação nem sempre é correta. Para citar dois exemplos: Trump é um autocrata-eleitoral, mas o regime vigente nos EUA durante seu governo era uma democracia liberal; Bolsonaro é, igualmente, um autocrata eleitoral, mas o regime vigente no Brasil sob seu governo é uma democracia eleitoral.

Enfoquemos agora a situação pre-eleitoral do Brasil em julho de 2022. Já existem várias candidaturas. Para os que preferem democracias liberais a todos os outros tipos de regime, o ideal seria ter candidaturas na posição 1 (democratas liberais). Não havendo, pelo menos candidaturas na posição 2.1 (democratas eleitorais não-populistas), conforme ilustrado na figura abaixo:

Aqui ficam muito claras as diferenças entre os dois candidatos mais bem colocados na corrida eleitoral brasileira de 2022. Lula está na posição 2.2 (democrata eleitoral neopopulista) e Bolsonaro na posição 3.2 (autocrata eleitoral populista-autoritário).

Lula, como se vê, é muito diferente de Bolsonaro – ainda que ambos sejam inadequados do ponto de vista da democracia liberal. Nada, portanto, de “falsa simetria” (como reclamam, com razão, os lulopetistas). Lula e Bolsonaro são dois populistas muito diferentes.

Bernard Manin: Los principios del gobierno representativo – Capítulo IV

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