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Meus artigos de junho de 2023 na Crusoé

Não é por falta do que fazer que uma oposição democrática não se articula

Augusto de Franco, Crusoé (29/06/2023)

É preciso dizer, antes de qualquer coisa, que a democracia liberal não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo. Mas só há possibilidade de controle democrático sobre o governo se houver oposição democrática livre e valorizada. O primeiro passo para isso é aceitar a oposição democrática como legítima e necessária ao bom governo democrático.

Governo existe em qualquer regime. Oposição democrática só nas democracias. Dado o nosso profundo e generalizado analfabetismo democrático, são muito poucos os que entendem que não existe democracia sem oposição democrática. Acham que oposição só se justifica quando o governo é ruim ou comete atos ilegais. Ou acham que oposição é para derrubar o governo, para desgastar o governo preparando a próxima disputa eleitoral – e não parte do metabolismo normal das democracias.

1 – Então este é o primeiro ponto de uma pauta para a oposição democrática no Brasil. O governo deve aceitar, como uma contribuição positiva para a democracia brasileira, a existência de uma oposição democrática – até porque o bolsonarismo fora do governo tenderá a fazer uma oposição antidemocrática ao novo governo. Não deve confundir a oposição democrática com a oposição antidemocrática, nem chamar quem não é governista de fascista ou golpista, nem fazer ameaças sórdidas de que quem critica ou não apoia o governo é porque está querendo a volta de Bolsonaro (ou de outro bolsonarista). O fato do governo não aceitar isso é a primeira razão para uma oposição democrática existir e conquistar seu espaço político.

2 – O segundo ponto é o respeito ao critério da rotatividade ou alternância democrática. Como se sabe, nenhuma força política neopopulista (como o PT) sai facilmente do governo apenas pelo voto. O próprio PT não saiu, de vez que Dilma foi removida por impeachment. Mas também não saíram Hugo Chávez, que faleceu e foi substituído por Nicolás Maduro (e que virou um ditador), Evo Morales, que sofreu uma espécie de golpe parlamentar, mas logo voltou ao comando da Bolívia por meio do seu correligionário Luis Arce, Rafael Correa, que fez seu sucessor Lenin Moreno (com o qual rompeu em meio ao mandato), Fernando Lugo, que sofreu impeachment, Manoel Zelaya, que foi preso (depois de se homiziar na embaixada brasileira em Honduras, com o apoio de Lula) e voltou ao governo por meio de sua mulher Xiomara, Cristina Kirchner, que sobreviveu como vice-presidente de Alberto Fernández, após breve interregno do governo de Maurício Macri. A única exceção, entre os aliados históricos do PT na América Latina, foi Salvador Cerén, da FMLN, sucessor de Maurício Funes em El Salvador, que entregou com poucos solavancos o governo após uma derrota eleitoral. Não caberia aqui mencionar Daniel Ortega, que virou um ditador sanguinário, mas que assumiu o poder por meios não-democráticos com a chamada revolução sandinista, perdeu uma eleição para Violeta Chamorro, se arrependeu de ter aberto aquele processo eleitoral e voltou eleitoralmente ao poder em 2007, ao que tudo indica para nunca mais sair. Dados esses antecedentes, seria bom que Lula, que disse que ia governar com uma frente ampla democrática, fizesse então o compromisso público de que o candidato à sua sucessão seja escolhido pela coordenação política dessa frente (ou seja, não deveria ser alguém do PT ou dos partidos de esquerda satelizados pelo PT). Claro que o PT jamais aceitará isso, até porque não existe a tal “frente ampla”. Eis a segunda razão para a existência de uma oposição democrática.

Isso é muito importante, porquanto a alternância ou rotatividade – um dos critérios da legitimidade democrática – não diz respeito ao indivíduo no cargo e sim à força política ou à aliança que detém o poder. Sair Lula e entrar Dilma em 2010, não foi rotatividade. Sair Lula e entrar Haddad (ou Janja) em 2026 também não será (e, ao que tudo indica, Lula não vai sair). Sair Chávez e entrar Maduro não foi. Sair Funes e entrar Cerén (ambos da FMLN) também não foi rotatividade. Sair Ortega e entrar outro comandante da FSLN não será.

3 – O terceiro ponto é a defesa da Constituição de 1988 e a rejeição da tese de convocação de uma nova Constituinte, pelo menos durante o terceiro mandato de Lula, que deveria ser um mandato de transição. Mas o PT só aceita que o terceiro mandato de Lula seja um governo de transição para mais (um ou dois, como quer Dirceu) governos do PT. Por isso tem que haver uma oposição democrática com condições de denunciar e de quebrar o continuismo lulopetista.

4 – O quarto ponto é a garantia da liberdade de imprensa com o abandono da velha proposta lulopetista de controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação profissionais. Alguém tem que permanecer vigilante para evitar que isso aconteça. Mais uma razão para a existência de uma oposição democrática.

5 – O quinto ponto é a garantia da lei e da ordem pelo que reza a Constituição, sem qualquer interferência partidário-governamental na formação e promoção de oficiais, nem no papel constitucional das Forças Armadas. Cabe a uma oposição democrática zelar para que isso não aconteça, ao mesmo tempo que é seu papel esclarecer que a missão das FFAA não pode ser interpretada como licença para golpes de Estado (disfarçados como intervenção constitucional).

6 – O sexto ponto é a preservação da moeda e a garantia das reformas de modernização do Estado promovidas na última década (incluindo a continuidade das privatizações) e o compromisso com as reformas futuras, com destaque para a tributária, a administrativa e a política (com o fim da reeleição e a reforma partidária – a democratização interna dos partidos e o fim da partidocracia). Pelo visto restou à oposição democrática defender esse ponto.

7 – O sétimo ponto é a renúncia à política externa ideológica do Sul Global. Aqui existem vários subpontos da maior importância.

7.1 – O primeiro deles é o apoio à resistência ucraniana e a condenação da invasão militar de Putin e o apoio às sanções impostas à Rússia. Lula e o PT não apoiam essas medidas.

7.2 – O segundo é a defesa da democracia liberal de Taiwan (contra as tentativas ilegais de anexação do ditador Xi Jinping). Também por tudo que já declarou sobre a China, o PT dificilmente concordará com tal defesa.

7.3 – O terceiro é a condenação explícita e inequívoca das ditaduras latinoamericanas de esquerda (como Cuba, Venezuela e Nicarágua) e africanas (como Angola).

7.4 – O quarto é a despolitização do papel dos BRICs (dominado por autocracias como Rússia, China e Índia), não admitindo o seu uso para combater os supostos imperalismo norte-americano e expansionismo da OTAN.

7.5 – O quinto, no plano político global, é optar preferencialmente pela coalizão das democracias liberais (União Europeia, Canadá, USA, Costa Rica, Coréia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia etc.) em detrimento do bloco das ditaduras (Rússia, China, Índia, Irã, Síria, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Hungria, Turquia etc).

7.6 – O sexto, na América Latina, é que o Brasil deve privilegiar as três únicas democracias liberais existentes: Costa Rica, Chile e Uruguai. E não, como já foi dito, as ditaduras ou as democracias (apenas) eleitorais parasitadas por forças políticas neopopulistas (como Bolívia, Peru, Argentina, Honduras, México e agora, infelizmente, Colômbia).

Nada disso tem a ver com as necessárias relações comerciais do Brasil com esses países, sejam autocracias fechadas ou eleitorais ou mesmo democracias eleitorais parasitadas pelo populismo dito de esquerda. É preciso separar as duas coisas e não usar as relações comerciais como biombo para justificar alianças políticas ou geopolíticas antidemocráticas. À oposição democrática caberá criticar essa orientação ideológica adotada pelo governo Lula.

8 – O oitavo ponto é o compromisso de não aparelhar novamente o Estado com militantes petistas. E de não tentar reinstituir a participação assembleísta e conselhista, arrebanhada e controlada por “movimentos sociais” que atuam como correias-de-transmissão do partido, para subordinar a dinâmica social à lógica do Estado aparelhado. A oposição democrática deve denunciar essas tentativas ao menor sinal de que elas estão em curso.

9 – O nono ponto é a chamada “política social” (entendida, lamentavelmente, por Lula e pelo PT, como política de oferta governamental centralizada para os extremamente pobres). Programas de transferência condicionada de renda, como o Bolsa Família, ainda que tenham impacto na redução da miséria (ou da extrema-pobreza) – e, portanto, sejam necessários – não são bons programas de emancipação da pobreza. Ao fim e ao cabo, são programas de manutenção da pobreza (provendo os níveis mínimos de recursos para a reprodução física e intergeracional da pobreza). Cabe à oposição democrática exigir que o governo, além de manter programas de combate à extrema-pobreza ou à miséria, adote programas de emancipação das pessoas da pobreza por meio do investimento em capital humano e em capital social, promovendo o desenvolvimento social de pessoas e comunidades e evitando que os sujeitos desses programas se tornem beneficiários passivos e permanentes de programas assistenciais.

10 – O décimo e último ponto é parar de praticar a política como uma continuação da guerra por outros meios, dividindo a sociedade por meio de uma única clivagem (povo x elites) e adotando a dinâmica do “nós” (o povo, quer dizer, os que seguem o líder) contra “eles” (as elites, ou seja, os que não aceitam se subordinar à hegemonia petista). Para concluir, embora isso seja pedir demais – mas cabe à oposição democrática insistir – o PT deveria declarar que vai abandonar sua estratégia de conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o objetivo de se delongar do governo (falsificando o critério da rotatividade democrática). A oposição democrática tem o papel de defender a pacificação do país contra a degeneração da política como guerra.

Não é, portanto, por falta de pauta – ou do que fazer – que uma oposição democrática não se articula.


O golpe do PT

Augusto de Franco, Crusoé (23/06/2023)

A história do PT é a de denunciar e se fazer de vítima de golpes de Estado que não aconteceram. O partido tem uma fixação no golpe. Diante de qualquer coisa que o contrarie, seus militantes gritam: “É golpe!”.

Os processos do mensalão e do petrolão envolvendo Dirceu, Genoíno, Delúbio, Vaccari, Ferreira, Palocci, João Paulo, Bernardo, Lacerda, Vaccarezza, Delcídio, Vargas e Silvinho Land Rover — entre tantos e tantos outros — foram um golpe das elites.

O impeachment constitucional de Dilma, presidido pelo lulista Lewandowski do STF, foi golpe de Estado (como declarou repetidamente Lula, inclusive depois de eleito pela terceira vez – e não convocou embaixadores para dizê-lo, mas o fez, inclusive, em solo estrangeiro).

A própria prisão de Lula foi golpe: para tirá-lo da disputa eleitoral (só não se entende porque Lula ainda não entrou na justiça com um processo de reparação pelos 580 dias que esteve preso injustamente).

Fica-se pensando que tudo o que o PT precisaria agora é de uma tentativa crível de golpe de Estado, como aquele que ocorreu na Turquia em 15 de julho de 2016, contra o populista Erdogan, porém fracassou. A investida foi orquestrada por uma facção pertencente às Forças Armadas (sublevando mais de 11 mil militares) e deu pretexto para que Erdogan consolidasse sua ditadura na Turquia. No balanço final, 265 pessoas foram mortas, 15.846 foram presas e – o melhor para o ditador: a possibilidade do expurgo – mais de 45.000 militares, policiais, juízes, governadores e funcionários públicos foram detidos ou suspensos, incluindo 2.700 juízes, 15.000 professores e todos os reitores universitários do país.

Na falta de uma coisa assim no Brasil a solução é requentar a tentativa periférica de golpe tabajara dos generais de pijama de Bolsonaro e de alguns desavisados golpistas da ativa. Ou até torcer para que os descontentes intentem um novo putsch igualmente fracassável, porém mais crível. Provavelmente, não vai acontecer.

Claro que houve tentativa de golpe bolsonarista, isso é crime e os responsáveis devem ser punidos. Mas o objetivo politico do requentamento constante da frustrada intentona bolsonarista é escalar a polarização: é investir na política como continuação da guerra por outros meios, não na pacificação.

Uma prova de que não há o menor esforço de pacificação por parte dos que venceram o pleito de 2022 é que é visível que o ódio aumentou nas mídias sociais (e em todo lugar). Não é só fruto do ressentimento bolsonarista e morolavajatista, mas também da implacável revanche lulopetista (aos bolsonaristas e aos morolavajatistas). Não há nenhuma pacificação em curso na sociedade brasileira.

Já esgotou a paciência de muita gente ouvir bolsonaristas dizendo que Bolsonaro, como era troncho, nunca seria capaz de dar um golpe de Estado e, por isso, teria sido melhor reelegê-lo.

Claro que Bolsonaro não tinha força político-militar para dar um golpe tradicional (como não deu), mas que ele queria dar, tudo indica que queria. Por outro lado, sua permanência prolongada no governo poderia acabar criando condições para uma confusão institucional de tal ordem que a quebra do regime democrático, quem sabe, ficaria mais viável.

Além do que, mesmo sem poder dar um golpe de fato (à moda antiga), ele estava erodindo a democracia quase todo dia.

Por último, com seu negacionismo, seu armamentismo, seu autoritarismo e seu golpismo, ele representava uma ameaça social à vida civilizada moderna. Ao liderar uma legião de zumbis desmiolados, Bolsonaro remexeu a lama da cultura patriarcal que estava decantada no subsolo das consciências – e isso é um perigo danado, nem propriamente político, mas social (à convivência social pacífica e humanizante).

Por tudo isso, a sua derrota eleitoral não foi a melhor saída. Ele não deveria ter terminado o mandato. Deveria ter sido constitucionalmente impedido, ainda no auge da pandemia. Só não o foi porque o PT queria mantê-lo, usando-o como alavanca para voltar ao poder. E conseguiu.

Sim, se tivesse havido um movimento pelo impeachment, novas lideranças emergiriam. E o PT, muito provavelmente, não voltaria ao governo. Por isso Lula sempre foi contra o impeachment. Os antidemocráticos bolsonaristas acabaram servindo de escada para uma força não convertida à democracia voltar ao poder.

Como assim, uma força não convertida à democracia? É isso mesmo. Lula e o PT não estão convertidos à democracia. Quem está convertido à democracia não apoia ditaduras. Não diz que Maduro é um democrata. Não se recusa a defender a Ucrânia contra a invasão de Putin. Não se alia às maiores autocracias do planeta contra as democracias liberais.

O truque petista atual é eternizar uma polarização pretérita com Bolsonaro, insistindo, requentando e repetindo ad nauseam notícias sobre o golpe (na verdade, sobre a tentativa de golpe) bolsonarista como se ainda fosse uma ameça real atual. É tudo para fazer o governo Bolsonaro durar até 2026. Quando a imprensa cai nessa (ou adere conscientemente ao truque, como estamos vendo) vira assessoria de imprensa do governo. E se for pelo que diz a imprensa chapa-branca, ainda teremos de aguentar mais 1.288 dias de governo Bolsonaro dando golpe de Estado toda semana.

Os analistas governistas estão se aproximando dos limites da honestidade. Se um petista dissesse que Maduro é um democrata e que deve urdir uma narrativa falsa para prevalecer sobre a narrativa dos seus inimigos, eles diriam: “Ah! Isso é uma franja do PT, não tem influência”. Mas foi o Lula que disse. Aí eles fingem que não ouviram. E passam para o próximo assunto imaginando que a gente vai logo esquecer.

O fato é que os velhos dirigentes do PT – aqueles mesmos que foram responsáveis pelo mensalão e pelo petrolão – estão todos aí de volta. Não fizeram nenhuma autocrítica. Simplesmente urdiram e estão repetindo (como quer Lula) uma “narrativa” segundo a qual sempre foram as pessoas mais honestas e generosas do mundo, injustamente perseguidas. Foi a CIA. Foi um golpe.

A denúncia sistemática de um golpe contra o PT é a maneira safada que o partido achou para dissuadir qualquer restrição ou freio institucional a um novo tipo de golpe, em doses homeopáticas, que o partido quer perpretar contra a democracia brasileira para alterar, por dentro, o DNA do nosso regime. Não colocando tanques nas ruas e sim conquistando hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. Não destruindo as instituições, mas sim ocupando-as e fazendo maioria em seu interior. Se deixar, o PT tenta fazer maioria em todo lugar, de grêmios estudantis, passando por sindicatos e assemelhados, ONGs e movimentos sociais, até em rodas de samba, terreiros de Umbanda, torcidas organizadas de futebol e assembleias de condomínios.

Uma vez controlando o governo e os órgãos chaves do Estado, o processo de conquista de hegemonia volta-se novamente para a sociedade. Caberá então ao Estado, controlado pelo organismo, educar a sociedade para estabelecer sua hegemonia de longa duração sobre ela.


Quando a imprensa vira assessoria de imprensa

Augusto de Franco, Crusoé (15/06/2023)

Está claríssimo que tramava-se um golpe de Estado nos subterrâneos (e até na superfície) do governo Bolsonaro. Também está claro que esse golpe não teria condições de se concretizar, por falta de força político-militar para tanto. Mas isso não significa que não tivesse sido intentado. E, se Bolsonaro fosse reeleito, as condições objetivas para um golpe poderiam, quem sabe, se constelar mais adiante.

Por isso foi tão importante impedir a reeleição de Bolsonaro. Ainda que, desgraçadamente, a única maneira de fazer isso — no segundo turno — tenha sido votar num líder com pouca intimidade com a democracia e que hoje está alinhando o Brasil ao eixo das maiores (e menores) autocracias do planeta. Pela vitória apertada de Lula parece óbvio que um protesto do tipo voto nulo, mesmo se fosse massivo, não alcançaria o objetivo de impedir a reeleição de Bolsonaro.

O fato, porém, é que isso passou. Hoje não há mais a menor condição (objetiva ou subjetiva) para um golpe bolsonarista. Bolsonaro perdeu, está fora e, provavelmente, ficará inelegível. Os bolsonaristas continuam não contando com força político-militar para desfechar um golpe.

Então, ficar insistindo nesse ponto só serve para desviar a atenção das pessoas das ameaças reais que ainda pairam sobre a democracia brasileira, não mais da parte do populismo-autoritário bolsonarista e sim do neopopulismo lulopetista. Não a ameaça de um golpe de Estado, pois que essa nunca foi mesmo a estratégia do PT e sim a de controlar a sociedade a partir do Estado conduzido pelo partido hegemônico (e hegemonista), não de modo fulminante, mas pouco a pouco, quase homeopaticamente.

O processo lento de conquista da hegemonia conduzido por um líder e por um partido não convertidos à democracia (que acham que não há ditadura na Venezuela e que Maduro é um democrata, que acham que o ditador Putin tem suas razões pois foi agredido pela Otan, a serviço do imperialismo americano e do neocolonialismo das nações democráticas europeias) significa também uma ameaça real — inclusive porque mais realista — à nossa democracia.

A quem caberia fomentar o debate público, chamando a atenção da população para esses perigos? Ora, em qualquer democracia, este seria o papel próprio de uma oposição democrática.

É desagradável ficar vaticinando, mas tem hora que é inevitável. Se não surgir uma oposição democrática, nosso regime vai se autocratizar. Teremos ao final menos e não mais democracia. O fato de existir uma oposição antidemocrática (bolsonarista) não tem nada a ver com isso.

Governo há em qualquer regime. Oposição só nas democracias. Em outras palavras, não há democracia sem oposição. E não há democracia liberal sem que a oposição democrática seja aceita, reconhecida e valorizada como componente fundamental do regime político.

Caberia também à imprensa – aos meios de comunicação profissionais – chamar a atenção para esses pontos. Mas, por algum motivo, a chamada “mídia” não faz isso. Pelo contrário, contribui para não esclarecer ao confundir qualquer oposição com a oposição bolsonarista. Tudo que é contra o governo é colocado no mesmo balaio dos golpistas de 8 de janeiro. Isso chega a ser uma falsificação grosseira. O contingente de pessoas que não concordam com o PT é muito maior do que o de bolsonaristas, conforme mostra o diagrama abaixo. E o fato de não haver uma oposição democrática articulada e partidariamente definida não significa que não haja um campo imenso para o seu florescimento.

Não vemos isso — aqui é preciso reconhecer — porque regredimos. Regredimos nas análises (que ficaram mais superficiais) e nos comportamentos (que ficaram mais adversariais). Fomos assolados pela volta de um passado do qual nos imaginávamos desvencilhados.

Em parte, explica-se. Jornalistas políticos, em sua maioria, não fazem mais análises de conjuntura, mas crônicas da corte. Deixam-se emprenhar por “plantações” governistas como se fossem revelações de bastidores. E dificilmente resistem à tentação de dar conselhos ao governo. Involuntariamente ou não, fazem parte do que poderíamos chamar de “sistema de governo ampliado“, em que um vai pautando o outro com “narrativas” que favorecem ao governo como se fossem apurações de fatos.

Sim, os veículos de imprensa se pautam mutuamente. O que vira notícia comum é uma notícia, não um fato. Há um fato na origem, mas se ele não for garimpado e interpretado por um órgão e repercutido por outros, não fará parte da “realidade“. É uma caixa de reverberação (e de captura de fluxos). Basta ver como são parecidas – quando não iguais – as manchetes de todos os principais portais de notícias do país.

Agora, por exemplo, tudo no jornalismo virou cálculo sobre maioria e minoria no Congresso. Policies viraram politics (o que significa que, a rigor, não há mais política pública, apenas política privada). Só se fala em correlação de forças para a governabilidade. O episódio envolvendo a substituição da ministra do Turismo é uma prova. Nada se ouve sobre planos e desempenho do Ministério do… Turismo (política pública), mas apenas sobre o número de votos congressuais que o governo Lula ganhará ou perderá (uma contabilidade de política privada).

Podemos afirmar que, lamentavelmente, boa parte da imprensa vira assessoria de imprensa do governo, quando se deixa pautar pelos interesses do governo ao ficar exibindo um filme antigo para eternizar uma polarização pretérita com Bolsonaro, sobretudo quando permanece insistindo, requentando e repetindo ad nauseam notícias sobre o golpe (na verdade, a tentativa de golpe) bolsonarista como se ainda fosse uma ameaça real atual. E quando a imprensa vira assessoria de imprensa temos o primeiro sinal de que um processo de autocratização da democracia pode estar em curso.

Não estamos dizendo que é ilegal, nem imoral. Dentro de certos limites, faz parte do jogo democrático. Mas a popularidade do governo hoje depende de alguns (poucos) grandes meio de comunicação, de dois institutos de pesquisa e de umas três dezenas de influencers governistas. Já a governabilidade depende do Judiciário. Estamos, porém, chegando aos limites do que é legítimo no jogo democrático.

De qualquer modo, esse não é um bom arranjo de governabilidade em uma democracia. Porque não é um arranjo propriamente político, mas estabelecido por fora da política, tentando compensar – artificialmente – a correlação desfavorável de forças no parlamento. Mas parlamentos (livres) são as instituições por excelência da democracia, não governos (que existem também em qualquer autocracia).

Goste-se ou não da sua composição, o Congresso que temos foi legitimamente eleito. E nele conquistar democraticamente governabilidade depende do surgimento de uma oposição democrática, para que possa haver jogo (a democracia é um jogo plural, um jogo que não pode ser jogado numa dinâmica bipolar). Do contrário vira guerra do “nós” (o governo) x “eles” (a maioria congressual, misturando indevidamente oposição antidemocrática e oposição democrática). Para tanto, porém, um Parlamento desfavorável ao governo não pode ser execrado pela imprensa como se fosse o principal inimigo da pátria. Se a imprensa é uma instituição (lato sensu) da democracia, ela tem por dever diferenciar os populistas (digam-se de esquerda ou de direita) dos democratas não populistas.


A aceitabilidade da derrota

Augusto de Franco, Crusoé (08/06/2023)

Comecemos examinando a difícil situação do PT com algumas perguntas e respostas:

O PT tem maioria no parlamento? Não tem. Tem 13% da Câmara e o apoio leal de 25% dos deputados (130 em 513). Pode-se dizer que é hiperminoritário.

O PT pode reeditar o mensalão? Não pode. Hoje há mais vigilância democrática das instituições e da sociedade.

O PT consegue convocar grandes manifestações de rua para pressionar o parlamento? Não consegue mais. E nada garante que uma manifestação chapa-branca não será sucedida por uma manifestação oposicionista maior.

O PT pode comprar votos no parlamento por meio de emendas e cargos? Pode, sim. Mas nada assegura que assim conseguirá  aprovar medidas que contrariem a inclinação majoritária.

O que restou então ao PT para conseguir manter a popularidade do governo? Restaram ainda grandes meios de comunicação simpáticos, dois institutos de pesquisa de opinião e uma turma de intelectuais que criam narrativas (como a de que o PT e Lula são social-democratas ou de que a democracia no Brasil corre risco se o governo Lula não der certo). Mas esse pessoal tem limites: não vai avalizar versões lulopetistas delirantes (por exemplo, de que a Venezuela é uma democracia ou de que a Ucrânia é tão culpada pela guerra quanto Putin).

Então como Lula e o PT vão conseguir governabilidade? Bem… a única saída que restou foi tentar manietar o parlamento a partir da intervenção política de um judiciário controlado. Mas isso significaria autocratizar o regime.

Podemos dizer que essa é uma situação muito difícil para o PT? Sim como o PT acha que não há para onde recuar, a ele só restará avançar nesse caminho insano – tipo “dobrar a aposta seguindo às cegas” – que, ao fim e ao cabo, levará à autocratização do regime. Provavelmente, porém, isso tem poucas chances de se consumar.

Qual é então o problema de fundo do PT? Nada disso seria problema se o PT admitisse o princípio democrático da aceitabilidade da derrota. Mas tudo isso vira uma maldição quando o PT adota como imperativo não sair do governo (em 2026 e além).

Eis-nos então diante de uma das regras não-escritas da democracia, sem a qual ela não pode perdurar (na verdade, nem funcionar direito): aquela que Felipe González chamou certa vez de “aceitabilidade da derrota”.

Nas democracias plenas (ou liberais, ou não populistas – tudo isso, em termos práticos, é agora a mesma coisa) a rotatividade ou alternância faz parte do metabolismo normal do regime. As eleições periódicas são um meio de estabilizar o regime democrático, contemplando as diversas forças em interação, dissolvendo as tensões que – uma vez acumuladas – ameaçariam o modo propriamente democrático de regulação de conflitos. A aceitabilidade da derrota impede (ou dificulta) que a política seja praticada como uma continuação da guerra por outros meios.

Ao contrário, nas democracias parasitadas por populismos, as eleições são um meio de (ou um instrumento para) chegar ao governo, nele delongando-se por tempo suficiente para tomar o poder ou alcançar o controle da sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido hegemônico (e hegemonista). Neste caso, a rotatividade não é desejável, pois atrapalha a consecução dessa estratégia. Uma derrota eleitoral é encarada então como uma tragédia. Logo, é necessário fazer tudo para que ela não aconteça e é por isso que nenhum partido populista sai facilmente do poder apenas pelo voto. A não aceitabilidade da derrota transforma a política em uma continuação da guerra por outros meios.

Vamos ver dois exemplos, das duas (únicas) democracias liberais da América do Sul:

O caso do Chile. Aylwin é substituído por Frei, que é substituído por Lagos, que é substituído por Bachelet, que é substituída por Piñera, que é substituído novamente por Bachelet, que é substituída novamente por Piñera, que é substituído por Boric. E o mundo não acabou.

O caso do Uruguai. Sanguinetti é substituído por Lacalle, que é substituído por Sanguinetti novamente, que é substituído por Batlle, que é substituído por Vázquez, que é substituído por Mujica, que é substituído novamente por Vazquez, que é substituído por Lacalle Pou. E o mundo não acabou.

Para o PT, entretanto, pelos motivos expostos acima, perder uma eleição é sempre o fim do mundo. Significa ter de interromper a implementação de sua estatégia, que depende, em grande parte, de se manter na chefia do governo e do Estado por tempo suficiente para conquistar hegemonia em todo lugar onde isso for possível. Essa estratégia sempre foi de longo prazo na medida em que o PT não tinha força suficiente para se apossar das instituições decisivas de modo fulminante após uma vitória eleitoral.

No entanto, depois do impeachment de Dilma, dos reveses eleitorais de 2016, 2018 e 2020 e da prisão de Lula, houve uma mudança de ritmo. Com a volta do grande líder ao jogo político ocorreu uma centralização, na sua pessoa, dos processos de decisão interna do partido. Isso aconteceu na história com vários condutores de rebanhos cujas personalidades passaram a ser cultuadas, com horríveis consequências.

O problema dessa aposta num líder salvador, em alguém que, pela sua alta gravitatem, vai fazer uma ligação direta com as massas bypassando as mediações institucionais para dar um curto-circuito na política das elites e inaugurar um novo mundo, é que todos os líderes são mortais. Quando eles desaparecem, quebra-se o encanto. Então, quando esses líderes vão envelhecendo e seus propósitos últimos estão longe de ser concretizados, há uma aceleração brutal da corrida pelo poder a qualquer custo (aproveitando-se cada minuto, enquanto eles estão vivos).

No caso do PT, a organização hegemonista sabe que, sem ele, Lula, fundido que foi à entidade coletiva, será praticamente impossível prosseguir (a menos que se convertesse à democracia liberal – o que não vai fazer porque não é da sua “natureza”: o escorpião não vira sapo). É por isso que Lula e o PT avançam mais do que permitiriam as condições objetivas dadas. A correlação de forças configurada hoje na sociedade brasileira não autoriza o que o líder, os dirigentes e os militantes partidários estão fazendo. Se ainda não há uma oposição democrática pujante, há uma resistência social imensa ao partido, uma situação altamente desfavorável no parlamento e a maior parte do empresariado que conta de fato não apoia o partido (pior do que isso, não gosta muito dele).

Mas Lula, o PT e a militância se comportam como se tivessem vencido a eleição com 80% dos votos e estivéssemos numa situação pré-revolucionária. Só para dar alguns exemplos, eles transigem com Putin e odeiam o “nazista” Zelensky, acham que o agressor responsável pela guerra da Ucrânia é a Otan a serviço do imperalismo norte-americano e do neocolonialismo europeu, desprezam as democracias liberais (que alguns ainda chamam de “burguesas”) afastando-se das nações mais civilizadas do mundo, investem na coalizão de mega-autocracias do planeta chamada BRICS e defendem abertamente as ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua.

Com todas essas evidências as forças políticas democráticas da sociedade brasileira vão acabar concluindo que o PT já não pode ser considerado um player válido da democracia e que seu líder, na verdade, está longe, muito longe, de ser um democrata.

E vão fazer isso logo que descobrirem que a alegação de que o PT é democrático porque governou o país por mais de uma década e não deu golpe de Estado, é uma empulhação. Golpe de Estado nunca foi a estratégia do PT e sim hegemonizar a sociedade.

Sim, felizmente o regime político vigente no Brasil continua sendo uma democracia, mas o PT e Lula não se converteram à democracia.


Não somos governados por um democrata

Augusto de Franco, Crusoé (02/06/2023)

Lula é hiperminoritário no Parlamento. Seu partido, o PT, detém 13% da Câmara e conta com apoio leal de apenas 25% dos deputados (só 130 em 513).

Não podendo reeditar o mensalão do seu primeiro mandato, não sobra a Lula alternativa senão despejar mais dinheiro em emendas e distribuir mais cargos. Mas isso não garante a aprovação de medidas que contrariem a inclinação majoritária (como se viu na aprovação do marco temporal na Câmara na última terça-feira, 30 de maio).

Não tendo condições de mobilizar grandes massas nas ruas para pressionar os parlamentares, não lhe resta quase nada além de intensificar a atividade da imprensa chapa-branca.

A popularidade do governo Lula depende hoje dos grandes meios de comunicação simpáticos, de dois institutos de pesquisa e dos intelectuais que criam fake news (como a de que o PT e Lula são social-democratas ou de que a democracia corre grave risco se o governo não der certo).

Não tem como Lula governar com uma base parlamentar tão minoritária. Não tem. Só se manietar o Parlamento a partir de um Judiciário controlado, mas isso significaria abolir o regime democrático. Esse foi, aliás, o caminho de autocratização adotado na Venezuela.

Afinal, chegamos então na Venezuela. A fala de Lula na recepção irresponsável ao ditador Maduro (repetida no dia seguinte), foi indefensável até para os jornalistas amigos. Então o que eles fizeram? Contornaram o assunto falando que a Venezuela é importante na luta pela preservação da Amazônia e coisa e tal.

O curioso é que jornalistas de diferentes canais de TV apresentaram essa mesma justificativa, como se estivessem dublados. Sinal de que tem alguém, como diz Lula, elaborando as “narrativas” que devem ser divulgadas para mudar a opinião das pessoas. Esse alguém é o partido chamado PT, que, ao contrário do que pensam os tolos, existe e está atuante. A popularidade do governo Lula depende hoje dessa rede de contra-informação. Pode-se dizer que, afinal, aprenderam alguma coisa com Putin.

Ao legitimar o regime ditatorial da Venezuela (e defender o governo assassino de Nicolás Maduro) chamando-o de “democracia” porque promove eleições, Lula confrontou as nações democráticas e todas as sociedades que prezam os direitos humanos, abrindo uma disputa que não é capaz de ganhar. Por que ele fez isso? Várias hipóteses (não excludentes) podem ser levantadas:

1) Falta de consciência de si, arrogância e megalomania (ele “se acha” ou tem uma opinião muito favorável sobre si mesmo).

2) Já deu de barato que não conseguirá fazer um governo “extraordinário” para se notabilizar mundialmente (e ser canonizado como o salvador dos pobres) e aposta, então, em ser um dos grandes líderes desse delírio chamado Sul Global.

3) Está se lixando para as nações democráticas porque se alinhou ao eixo autocrático que reúne ditaduras e regimes eleitorais contraliberais parasitados por populismos (China, Rússia, Irã, Síria, Índia, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Indonésia, Argentina, México, Bolívia, Hungria, Turquia etc.).

Mas, como? Aí nesse saco de gatos estão regimes ditos de esquerda e de direita (ou extrema direita). Pois é. Eventos recentes vêm desabilitando o esquema interpretativo esquerda x direita. A recente reeleição antidemocrática de Erdogan é o melhor exemplo de que não faz mais sentido tal divisão. Erdogan só venceu com o apoio econômico-financeiro das ditaduras de Putin, da Arábia Saudita e do Catar. E sua vitória foi comemorada pelas ditaduras da Venezuela, de Cuba, da Nicarágua e, no Brasil, por militantes do PT. Está na cara que a divisão que importa agora é entre autocracia (seja a dita de direita ou de esquerda) e democracia.

Maduro não é ditador da Venezuela porque é de esquerda ou comunista. Bukele não é protoditador de El Salvador porque é de direita ou capitalista. Ortega não é ditador da Nicarágua porque é de esquerda ou comunista. Erdogan não é ditador da Turquia porque é de direita ou capitalista. Todos esses são ditadores (autocratas eleitorais) porque não aceitam a democracia, são iliberais ou contraliberais. Porque — dizendo-se de esquerda ou de direita — são populistas.

Sim, existem populistas que viraram ditadores e existem populistas que (ainda) não viraram ditadores (ou talvez nunca virem). Todos, porém — dizendo-se de esquerda ou de direita —, amam de paixão eleições, mas odeiam a democracia liberal. No poder ou fora dele, na esquerda, por exemplo, Evo e Arce na Bolívia, Lula e Dilma no Brasil, Lugo no Paraguai, Fernández e Kirchner na Argentina, Funes e Cerén em El Salvador, Petro na Colômbia, Obrador no México. Na direita, Orbán na Hungria, Modi na Índia, Duterte nas Filipinas, Duda na Polônia, Salvini e Berlusconi na Itália e… Putin na Rússia.

Curioso que todos esses (ou quase) são favoráveis a Putin, não porque sejam de esquerda ou de direita, e sim porque não aceitam a democracia liberal.

Entretanto… Boric no Chile é de esquerda, mas não é populista. Lacalle Pou no Uruguai é de direita, mas não é populista. Rodrigo Chavez na Costa Rica é dito social-democrata progressista, mas não é populista. Nenhum deles tem problema com a democracia liberal. Como se sabe, Chile, Uruguai e Costa Rica são as três (únicas) democracias liberais da América Latina.

Segundo os principais institutos que monitoram a democracia no mundo, o Brasil é uma democracia. Para o V-Dem (da Universidade de Gotemburgo), não é uma democracia liberal, mas é uma democracia eleitoral. Para a The Economist Intelligence Unit, não é uma democracia plena, mas uma democracia defeituosa. Para a Freedom House, é um regime livre (e, portanto, uma democracia). Isso, entretanto, diz respeito ao regime político, não ao governante.

O regime brasileiro manteve o mesmo status democrático quando Bolsonaro estava no governo (embora ele, Bolsonaro, não seja um democrata e, como populista-autoritário que é, seja iliberal).

E agora, com Lula no governo, o Brasil continua sendo uma democracia (embora Lula não seja uma pessoa convertida à democracia e, como neopopulista ou populista de esquerda que é, seja contraliberal).

É justamente por isso que Lula elogia ditadores, ou seja, líderes populistas que não se dão bem com a democracia liberal. É a mesma razão pela qual Lula tem tanta dificuldade de apoiar a resistência ucraniana contra o ditador Putin. E é também por isso que Lula não se alinha à coalizão das democracias liberais articulada para resistir ao avanço do eixo autocrático. Pelo contrário, Lula continua achando que os principais inimigos do seu projeto são os EUA (uma democracia liberal) e a União Europeia (um conjunto de democracias liberais) —repetindo o discurso de Putin e Xi Jinping de que os americanos são imperialistas e os europeus, neocolonialistas.

Então, quando Lula legitima o regime ditatorial de Maduro, ele não está “errando”. Está sendo coerente com o que realmente pensa. Se Lula não tivesse sérios problemas com a democracia liberal, não se comportaria como vem se comportando.

Mas o fato, preocupante (e, poder-se-ia mesmo dizer, apavorante) é que não há mais como negar que não somos governados por um democrata.

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