Antes de qualquer coisa é preciso ver que a Turquia não é uma democracia para os principais institutos que monitoram a democracia no mundo. Segundo o V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, é uma autocracia eleitoral (ou seja, não é nem uma democracia liberal, nem uma democracia eleitoral). Segundo a The Economist Intelligence Unit é um regime híbrido (ou seja, não é nem uma full democracy, nem uma flawed democracy). Segundo a Freedom House é um regime não-livre (ou seja, não é nem um regime livre, nem parcialmente livre).
Pois bem. O autocrata eleitoral Recep Tayyip Erdogan venceu as eleições na Turquia depois de fraudar o processo de várias maneiras, inclusive distribuindo dinheiro em espécie aos eleitores. Vai assim para uma terceira década no governo. A primeira lição é clara: populistas não saem facilmente do poder apenas pelo voto (pois não aceitam um dos critérios da legitimidade democrática: a rotatividade ou alternância). Usam as eleições para chegar ao governo e nele se delongar por tempo suficiente para tomar o poder. E Erdogan, como se sabe, é um populista-autoritário, dito de extrema-direita.
Parece óbvio que as eleições na Turquia não foram democráticas. Não há mais liberdade de imprensa no país há muito tempo. A segunda lição é essa: não pode haver eleições democráticas em um regime que não é democrático.
Com efeito, as ditaduras de Putin (ofertando gás natural de graça, para pagar a perder de vista e entrando em cena com sua máquina de propaganda e fake news) e da Arábia Saudita e do Catar (com depósitos em dinheiro vivo) promoveram a vitória do autocrata eleitoral Erdogan. Claro que a vitória de Erdogan tem a ver, fundamentalmente, com o fato de que as liberdades civis e os direitos políticos foram barbaramente reduzidos no país.
A eleição antidemocrática de Erdogan é o melhor exemplo de que não faz mais sentido a divisão esquerda x direita. Erdogan só venceu com o apoio das ditaduras de Putin, da Arábia Saudita e do Catar. E sua vitória foi comemorada pelas ditaduras da Venezuela, de Cuba, da Nicarágua e, no Brasil, por militantes do PT. A terceira lição também é clara: está na cara que a divisão que importa agora é entre autocracia (seja dita de direita ou de esquerda) e democracia.
A quarta lição é que a democracia no mundo ficou mais ameaçada com mais essa reeleição de Erdogan, que serve aos interesses do eixo autocrático (composto por Rússia, China, Índia, Irã, Síria, com a adesão de outras ditaduras de direita e de esquerda, como as ditaduras islâmicas, as ditaduras latino-americanas de Cuba, Venezuela, Nicarágua, as ditaduras asiáticas e africanas). Erdogan cria obstáculos para a entrada na OTAN de países ameaçados pelo avanço do império russo (como está criando no caso da Suécia). Erdogan não apoia a resistência ucraniana à invasão russa. Erdogan contribui para esfacelar a coalizão das democracias liberais europeias aritculada para conter o avanço do eixo autocrático.
Por tudo isso, o mundo democrático está de luto com a reeleição do autocrata Recep Tayyip Erdogan.