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Uma oposição que pede desculpas por ser oposição não cumpre um papel democrático

Em um livro de 2007 (intitulado Alfabetização Democrática) resumi o dilema do equilíbrio competitivo entre partidos:

“Não podemos ajudar um governo dirigido por um partido adversário a melhorar seu desempenho porque se assim fizermos diminuiremos nossas chances de conquistar o governo para o nosso partido. Logo (mesmo declarando publicamente o contrário), temos que torcer e até contribuir para piorar o desempenho do governo dirigido pelo partido adversário. Porque quanto pior for o desempenho desse governo “dos outros”, maiores serão as chances de substituí-lo por um governo “nosso”. Ocorre que um governo, seja ele qual for, é uma instituição pública e seus problemas, portanto, dizem respeito a todos nós. Como um bem comum da nação, o governo, de certo modo, nos pertence. Se o seu desempenho for ruim, as consequências serão ruins para todos. Contribuir para o seu fracasso significa, em alguma medida, prejudicar o país. Por outro lado, contribuir para o seu sucesso pode significar mantê-lo no poder e ao fazermos isso estaremos trabalhando, portanto, objetivamente, para o insucesso do nosso partido”.

Eis o drama. O PT, porém, jamais viveu esse drama. Como notou Carlos Pereira (em artigo no Estado de São Paulo do último 7 de agosto), conquanto “os demais partidos não agiram da mesma forma”, o PT, “quando foi oposição, sempre se opôs de forma sistemática aos governos, mesmo quando as políticas poderiam, em tese, trazer ganhos para a sociedade, como o controle inflacionário e o equilíbrio das contas públicas. Foi assim, por exemplo, quando não participou do governo Itamar e votou contra o Plano Real, votou contra a LRF no governo de FHC, opôs-se ao Teto de Gastos no governo Temer, foi contra a reforma da Previdência no governo Bolsonaro etc.”.

Sabemos que não há democracia sem oposição democrática, mas a oposição democrática tem que ser para valer.

Não há oposição “responsável”, “construtiva”, “propositiva”. Nada disso funciona, objetivamente, como oposição e sim como força auxiliar do governo. O que há é oposição democrática e oposição não-democrática.

A oposição democrática faz parte do metabolismo normal das democracias. Além de, no varejo, apoiar ou criticar medidas governamentais, ela tenta substituir o governo eleitoralmente ou segundo a Constituição, as leis e as regras não-escritas da democracia. Tenta substituir o governo, sublinhe-se. Não manter o governo, não ajudar o governo. Se o sistema é competitivo, cabe ao governo se defender, não à oposição fazer isso.

A oposição não-democrática tenta inviabilizar ou derrubar o governo violando a Constituição, as leis e as regras não-escritas da democracia por meios guerreiros: violentos ou não violentos.

Governos democráticos aceitam e valorizam as oposições democráticas. E não perseguem nem as oposições não-democráticas, a não ser quando violam as leis e as regras não-escritas da democracia. Governos não-democráticos, por outro lado, não aceitam quaisquer oposições e tentam criminalizá-las.

Mesmo quando um governo é autocrático, a oposição democrática tenta derrubá-lo por meios pacíficos, enquanto que a oposição não-democrática tenta derrubá-lo por meios guerreiros. Quando um governo autocrático é derrubado por meios guerreiros o governo que o substitui provavelmente também será autocrático. O caso da ditadura militar brasileira é o melhor exemplo. Ela foi derrubada por meios pacíficos. Se os grupos que queriam derrubá-la por meios guerreiros (insurreição, guerra popular com guerrilhas urbanas ou rurais, foco revolucionário) tivessem vencido, a ditadura militar teria sido substituída por um governo autocrático. A esquerda que aderiu à luta armada não era uma oposição democrática ao regime militar.

A oposição de fato que temos hoje no Brasil é meio irresponsável, destrutiva e nada propositiva. É uma oposição não-democrática (bolsonarista). Mas uma oposição mais preocupada em dizer que é responsável, construtiva e propositiva, do que em fazer oposição de fato, acaba não sendo nem oposição. Uma oposição que pede desculpas por ser oposição, que tem que dizer a toda hora que não é oposição ao Brasil, que é responsável, construtiva e propositiva, não funciona como oposição e sim como escada para o governo. Acaba legitimando o populismo no governo em vez de combatê-lo. Qual o problema? O problema é que nenhum governo populista (diga-se de direita ou de esquerda) permite que um regime eleitoral vire uma democracia liberal ou plena. O leitor que discorda deve encontrar um contra-exemplo.

O problema é que sem uma oposição democrática de verdade, nossa democracia estará sempre em risco. Uma oposição populista (de extrema-direita) a um governo populista (de esquerda) não é uma oposição democrática e, portanto, não protege nossa democracia.

Uma oposição envergonhada que, para se diferenciar do populismo de extrema-direita, não critica o populismo de esquerda, acaba fortalecendo esse populismo. Só pode ser chamada de oposição democrática uma oposição a todos os populismos, no governo ou fora dele. Por isso, democratas fazem oposição democrática ao governo e, simultaneamente, à oposição não-democrática. Por exemplo, hoje no Brasil, fazem oposição ao governo Lula e à oposição bolsonarista.

O melhor exemplo de oposição de mentirinha, de oposição vacilante, leniente e conivente, de oposição que não funciona como oposição, foi dado pelo PSDB nos anos 2003-2015. A oposição “responsável” tucana ao primeiro governo Lula, dizendo que não queria prejudicar o país, ajudou a reelegê-lo – mesmo após o mensalão (sabotando o impeachment constitucional de Lula em 2005 – ver imagem da capa). A oposição “construtiva” tucana ao segundo governo Lula, ajudou a eleger Dilma – mesmo depois de ter vindo à luz uma centena de escândalos petistas. A oposição “propositiva” tucana ao primeiro governo Dilma, ajudou a reelegê-la – mesmo depois do petrolão. Os tucanos só foram oposição de verdade quando o processo de impeachment de Dilma já estava nas ruas – e não por sua iniciativa.

Um centro democrático hoje no Brasil, mesmo que seja acentuadamente minoritário, deve fazer oposição a todas as forças populistas, no governo ou fora dele, digam-se de esquerda ou de direita (ou extrema-direita). Do contrário o PT se delongará no poder por mais de uma década. Ou o bolsonarismo voltará ao governo (se não der lugar a uma alternativa ainda mais autoritária).

Tiranos e proto-tiranos no mundo em 2023

Federico Finchelstein, Fascism, and Populism