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10 pontos sobre a guerra de Putin contra a Ucrânia

As análises políticas sobre a guerra de Putin contra a Ucrânia estão enviezadas. Porque os referenciais estão completamente errados do ponto de vista da democracia. Vamos lá.

1 – Democracias não atacam democracias. Os Estados Unidos e os países membros da OTAN nunca atacaram nenhum país em que o regime fosse democrático. É claro que se fala aqui de ataque bélico, guerra aberta, invasão militar, não em apoiar candidatos, apoiar golpes, financiar governos ou oposições – tudo isso ocorre frequentemente e lamentavelmente. É corriqueira na teoria política a constatação de que duas democracias não guerreiam entre si. É claro que não se deve fazer guerra contra ninguém (nem contra uma democracia, nem contra uma autocracia), mas dizer que democracias não fazem guerra entre si é uma constatação, não uma prescrição.

2 – A Síria, o Afeganistão, o Iraque, a Líbia, o Vietnan, a Coreia, a Alemanha hitlerista não eram democracias e sim ditaduras sanguinárias.

3 – Ditaduras não são regimes legítimos do ponto de vista da democracia. Não observam todos os critérios de liberdade, eletividade, publicidade ou transparência, rotatividade ou alternância, legalidade e institucionalidade que, juntos, compõem a legitimidade democrática.

4 – A OTAN é composta por trinta países cujos regimes são democráticos (com exceção de dois – Hungria e Turquia – que só se tornaram autocrático-eleitorais depois de terem entrado na aliança).

5 – Não há nenhuma expansão da OTAN para cercar a Rússia. Os últimos países que fazem fronteira com a Rússia que entraram na OTAN foram a Estônia, a Letônia e a Lituânia, mais isso foi há quase 20 anos, em 2004.

6 – A Rússia e os países da sua aliança militar (a OTSC, espelho autocrático da OTAN) – Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão etc. – são ditaduras.

7 – A Ucrânia é uma democracia segundo todos os institutos que monitoram a democracia no mundo (como a Freedom House, a The Economist Intelligence Unit e o V-Dem da Universidade de Gotemburgo). Aliás, o Índice V-Dem de Democracia Liberal da Ucrânia vem crescendo acima de 0,25 de 2018 para cá (enquanto a Rússia vem caindo e não alcança nem a metade desses valores).

8 – A Ucrânia não invadiu a Rússia. Foi a Rússia que invadiu a Ucrânia, um país pacífico que nunca manteve hostilidade com outra nação. Justamente por não pertencer à OTAN, a Ucrânia foi invadida pela ditadura russa. Imagine-se como estariam hoje países como a Estônia, a Letônia e a Lituânia se não pertencessem à OTAN. Por tal motivo, Suécia e Finlândia discutem agora a sua entrada na OTAN.

9 – A Ucrânia não tem um governo neonazista. Seu presidente é judeu e sua família foi vitimada pelo nazismo. O movimento Euromaidan que eclodiu em Kiev, entre o final de 2013 e o início de 2014, tinha como pauta unificadora a libertação da Ucrânia da tutela da ditadura russa, a queda do governo Yanukóvytch, fantoche de Moscou e a entrada na União Europeia. Havia grupos neonazistas entre os manifestantes, assim como havia grupos anarquistas, nacionalistas, internacionalistas e até comunistas, mas eles não eram majoritários, nem davam a tônica do movimento.

10 – A expansão da OTAN e o suposto “neonazismo” do governo ucraniano são pretextos adotados pelo ditador russo para a agressão bélica à Ucrânia. Putin não teme a OTAN. Putin não teme o imaginário “neonazismo”. Putin não teme a esquerda, nem a direita (e tanto é assim que se alia com ambas em todo o mundo). O que Putin teme é o exemplo de uma democracia florescente nos países da sua região, que possa inspirar a população russa a derrubar a sua ditadura. Assim, a guerra de Putin contra a Ucrânia é uma guerra contra a democracia.

Conclusão

A invasão militar da Ucrânia pelo ditador Putin mexeu com as profundezas… e aí os padrões autocráticos, que estavam no subsolo da consciência das pessoas, emergiram.

Por mais que fizéssemos mil discursos democráticos, mil críticas à autocracia, não conseguiríamos produzir esse efeito. Foi um divisor de águas. E as águas da esquerda e da extrema-direita correram juntas para um mesmo lado. Não pode ser por acaso que tanto o PT quanto o QAnon apoiem Putin.

O mundo dificilmente será o mesmo depois do guerra de Putin contra as democracias liberais. A invasão da Ucrânia – sobretudo se a resistência da população ucraniana e o apoio das sociedades democráticas crescerem – pode ter um efeito como o da queda do muro de Berlim.

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