Reina uma confusão bárbara no Brasil atual entre 1) a imprensa (o jornalismo tradicional broadcasting: rádio, TV, jornais e revistas), 2) a imprensa de facção (como a da Mídia Ninja e a do Diário do Centro do Mundo lupetistas ou alinhados a outras organizações esquerdistas, a do Conexão Política e do Terça Livre bolsonaristas e a de O Antagonista lavajatista) e 3) as mídias sociais (interativas).
A liberdade de imprensa, pilar da democracia, se aplica a todos os três tipos de mídia, mas não da mesma forma à primeira e às duas últimas (quando se associam sistematicamente para produzir fake news ou para conformar contingentes de combatentes de uma causa). E é fake dizer que os três tipos de mídia são a mesma coisa.
Como se sabe, a produção e difusão industriadas de fake news e de agitação e propaganda militante é mais difícil (ainda que não impossível) na imprensa tradicional (onde vige algum tipo de constrangimento institucional), mas corre solta na imprensa de facção e nas mídias sociais manipuladas pelas facções que delas fazem uso instrumental (para combater por uma ideia e não para informar). Claro que a liberdade de proferimento de opiniões deve sempre estar garantida. O que não significa que as fake news não devem ser coibidas pelo Estado democrático de direito.
Sobre O Antagonista, em particular, não é bem de fake news que se trata, ainda que pareça óbvio que a ele se aplica o que disse Demétrio Magnoli em artigo no último sábado (20/04/2019) na Folha de São Paulo:
“O site O Antagonista publica fragmentos de notícias verídicas, mas descontextualizadas, oferecendo munição aos guerrilheiros das redes, que as convertem em petardos difamatórios contra os magistrados escolhidos como alvos. Pretende-se, no fim, eliminar as restrições legais à perseguição de inimigos políticos do Partido dos Procuradores”.
Ou seja, publicações como O Antagonista (e sua revista Crusoé) são admitidas numa democracia, não devem ser proibidas, nem censuradas, mas é lícito dizer (e o distinto público saber) que são jornalismo de facção. São braços de partidos (ainda que informais). Fazem agitação e propaganda em prol de uma causa: no caso, a cruzada de limpeza ética conduzida pelo “partido da polícia”.
É fake news, portanto, dizer que O Antagonista faz o mesmo tipo de jornalismo do que O Globo, a Folha de São Paulo ou a Veja. Não faz. Faz política partidária (ou para-partidária).
O Antagonista é tão veículo de imprensa quanto o Diário do Centro do Mundo e o Terça Livre. A única diferença é que o primeiro é lavajatista, enquanto o segundo é lulopetista e o terceiro é bolsonarista. Fazem, todos, jornalismo de facção.
Voltemos, entretanto, ao tema das fake news.
As campanhas do Brexit, do Trump e de Bolsonaro foram baseadas no uso político, estrategicamente urdido e centralizado, de fake news. Com um detalhe: os que lançaram mão desse tipo de manipulação da opinião pública o faziam acusando seus adversários de propagarem fake news. Diz-se que a recente campanha de Bibi, em Israel, também apelou para a falsificação pura e simples.
Examinemos agora, a título de exemplo, as fake news bolsonaristas.
FAKE NEWS BOLSONARISTAS
Durante a campanha
Fake 1 – Bolsonaro é liberal. Era fake. Ele é (sempre foi), um nacionalista e, portanto, um estatista no sentido político termo.
Fake 2 – Bolsonaro não tem nada a ver com a velha política. Era fake. Ele passou quase 30 anos no baixo-clero do Congresso e cerca de 10 anos no PP – o partido de Paulo Maluf – uma das agremiações mais corruptas da base parlamentar de Lula.
Fake 3 – O ministério da Educação distribuiu um kit gay para crianças. Era fake. Isso nunca aconteceu.
Fake 4 – As escolas ensinam ideologia de gênero. Era fake. A maioria esmagadora das escolas, de ensino fundamental e médio, nunca fez isso.
Fake 5 – Os petistas estão distribuindo mamadeiras com bico de piroca para bebês. Era fake. Simplesmente uma mentira inventada, sem qualquer base na realidade.
Fake 6 – Há uma ameaça comunista. Era fake. Não havia e não há comunismo nenhum, há muito tempo, nem aqui, nem na China (um regime ditatorial que adota o capitalismo de Estado). O que havia era um partido neopopulista (dito de esquerda) no governo (entre 2003 e 2016). O governo Temer, que lhe sucedeu, não tinha nada ver com comunismo, nem mesmo com esquerda.
Fake 7 – Todos os partidos (menos os que apoiam Bolsonaro) são de esquerda. Era fake. Apenas alguns partidos, da coalização petista, diziam-se de esquerda. A maioria dos partidos jamais reivindicou tal condição (e nem apresentou ideias ou comportamentos que permitissem essa caracterização).
Fake 8 – O Brasil está a um passo de virar uma Venezuela. Era fake. O Brasil sempre esteve muito distante de virar uma Venezuela, seja pela complexidade da sociedade brasileira, seja porque o lulopetismo é outro tipo de bolivarianismo (diferente do chavismo), seja porque o PT foi apeado do governo pelo impeachment.
Fake 9 – A facada desferida por Adélio Bispo em Bolsonaro foi um atentado político, terrorista, organizado a mando dos comunistas, dos petistas e psolistas. Era fake. Todas as investigações conduzidas pela Polícia Federal, sob o comando de Sérgio Moro, mostraram que não se tratou de um atentado político e sim de um atentado contra um político e não se conseguiu encontrar qualquer evidência de que Adélio agiu a mando de qualquer organização.
Fake 10 – Há uma conspiração para fraudar as urnas eletrônicas. Era fake. Como, aliás, o resultado eleitoral mostrou.
Fake 11 – Toda a imprensa é comunista e ataca Bolsonaro porque sabe que a fonte de recursos públicos vai secar. Era fake. Isso só se aplicaria aos veículos da rede suja do PT, não aos grandes órgãos de imprensa. E, mesmo assim, esses veículos apoiavam uma alternativa populista, não comunista.
Durante o governo
Fake 12 – Toda a imprensa é comunista, em especial a Folha de São Paulo e o Grupo Globo. É fake. Os motivos são os mesmos já apontados acima.
Fake 13 – O dinheiro depositado por Queiroz (amigo de Bolsonaro, funcionário de Flávio Bolsonaro, ligado aos milicianos) na conta da primeira dama Michele foi a devolução de um empréstimo informal feito por Jair. É fake. Se não fosse fake, Bolsonaro já teria apresentado alguma evidência da existência da transação.
Fake 14 – Articulação significa negociação espúria, velha política, troca de votos por cargos ou dinheiro. É fake. Sem negociação não há política democrática.
Fake 15 – O Congresso ameaça não aprovar as reformas porque está querendo aprisionar e enlamear Bolsonaro com a velha política do toma-lá-dá-cá. É fake. Pelos mesmos motivos apresentados acima. Ademais, negociação de cargos e emendas parlamentares não tem nada de errado em si e fazem parte do jogo político em qualquer democracia do mundo.
Fake 16 – O STF é um tribunal comandado por corruptos e comunistas. É fake. Por razões tão óbvias que quase não merece explicação. O tribunal é heterogêneo, congregando juízes de distintas orientações políticas.
ESTÁ LIBERADO O VALE-TUDO?
Nada disso – que fez e continua fazendo o bolsonarismo – pode ser corrigido por um regime democrático? Deve ficar tudo por isso mesmo, ainda que a produção dessas mentiras tenha desequilibrado ilegitimamente o jogo político? É o vale-tudo então?
A liberdade de proferimento de opiniões deve valer em princípio (e por isso é inaceitável a censura prévia), mas a irresponsabilidade de produzir mentiras para travar a guerra política não pode ficar impune. Do contrário um candidato poderia espalhar falsamente que seu concorrente estuprou a própria filha de 5 anos e, em nome da liberdade de expressão, isso não poderia ser punido. Ou um chefe político poderia dizer que seus adversários estão a serviço de uma nação estrangeira, ou que roubaram, torturaram e mataram dezenas de pessoas. Se não pudesse haver nenhum tipo de coibição no Estado democrático de direito a justiça eleitoral não tiraria do ar programas eleitorais que fazem acusações mentirosas e que cometem calúnia, injúria e difamação. E isso, como sabemos, é feito com frequência no Brasil e em outros países.
Em suma, a democracia não é regime do vale-tudo e sim o regime da lei. A defesa da liberdade de imprensa não pode legitimar o uso político de fake news, assim como não pode admitir a calúnia, a injúria e a difamação.


