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Entenda por que lulopetismo e bolsonarismo pertencem ao mesmo lado; ou melhor, estão no mesmo modo

Vamos começar explicando o título deste artigo. A política não é questão de lado e sim de modo (modo de regulação de conflitos). Forcei ontem, em vários faceposts e tweets, a afirmação de que lulopetismo e bolsonarismo estão do mesmo lado – o lado contrário à democracia – para reduzir ao absurdo essa divisão. O objetivo é dizer que ambos adotam o mesmo modo: o modo-populista.

Tudo começou com os seguintes tweets:

Lulopetismo e bolsonarismo não são dois lados. Estão no mesmo lado. O lado dos populismos, que são adversários da democracia. Quem quer ir para outro lado precisa escolher o lado da democracia. Aí, sim, estará do outro lado: não será Fidel, nem Pinochet, não será Maduro, nem Orbán, não será Ortega, nem Erdogan.

Os militantes (ditos de esquerda ou de direita) querem que você escolha entre Fidel Castro e Augusto Pinochet, entre Nicolás Maduro e Viktor Orbán, entre Daniel Ortega e Recep Erdogan. Se você não escolhe, então eles dizem que você fica em cima do muro, não assume um lado. Uma prova de que são autocratas: para eles não existe o lado da democracia.

Sinto muito, militantes lulopetistas e bolsonaristas. Não posso escolher entre Fidel e Pinochet. Não posso escolher entre Maduro e Orbán. Não posso escolher entre Ortega e Erdogan. Porque tenho lado. Já escolhi o lado da democracia: não aceito ditadores e não aceito populistas.

Critiquei duramente o neopopulismo lulopetista e critico o populismo-autoritário bolsonarista. Isso é ter lado: o lado da democracia. Porque os populismos (de qualquer coloração) subvertem, cada qual a seu modo, a democracia.

Os que chamam quem não adere a um dos populismos (de esquerda ou de direita) em disputa de isentões estão apenas justificando que escolheram o lado da autocracia. Os tais isentões têm lado: o lado da democracia.

Para entender por que lulopetismo e bolsonarismo estão no mesmo lado, ou melhor, adotam o mesmo modo – o modo dos populismos i-liberais e majoritaristas, que usam a democracia contra a democracia – é bom ler o artigo Por que é importante distinguir os diversos tipos de populismo.

Desenhando. Populistas-autoritários (tidos por “de direita” ou “de extrema-direita”) e neopopulistas (tidos por “de esquerda”) dizem-se em lados opostos para não revelar que adotam o mesmo modo. Os democratas estamos do outro lado (na linguagem deles), quer dizer, adotamos um outro modo (na nossa linguagem).

No diagrama acima não aparecem os diversos tipos de populismo. Faltou o populismo não-autoritário: o populismo como sinônimo de demagogia, que é um comportamento político comum nas democracias.

Também não aparecem, no diagrama acima, as diversas forças políticas que povoam o campo autocrático. Existem adversários da democracia que, a rigor, não são populistas: os que não aderem à via eleitoral, como os revolucionários (ditos de esquerda ou extrema-esquerda) e os reacionários (ditos de direita ou extrema-direita). Estes, porém, são hoje quase vestigiais. As ameaças atuais à democracia não vêm mais, a não ser marginalmente, dos comunistas e fascistas e sim dos populistas.

Por último, não aparece no diagrama acima as diversas forças políticas que estão no campo da democracia: os populistas não-autoritários (demagogos), os democratas-formais, os liberais-políticos (bastante minoritários) e os inovadores-democráticos (que são raríssimos).

No artigo Os diferentes adversários da democracia no Brasil, publicamos o seguinte diagrama mais completo:

O Denis Lerrer Rosenfield, no Estadão de 05/08/2019, escreveu o que já estamos dizendo há muito tempo: “Na verdade, o inimigo real dos bolsonaristas não é o PT, mas o centro do espectro partidário”. Faltou dizer que esse centro (democrático) é também o inimigo real dos lulopetistas.

UMA NOTA SOBRE A POLÍTICA COMO QUESTÃO DE LADO

É um malware. Descobre-se facilmente o malware observando que não se trata apenas de combater a direita ou de combater a esquerda e sim de combater! Para quem tem um projeto de poder (seja ele qual for) que se estruture hierarquicamente e queira instaurar modos autocráticos de regulação de conflitos, é necessário ter sempre um inimigo, mas qualquer inimigo serve: pode ser a Eurásia ou a Lestásia (para lembrar os Estados imaginários criados por George Orwell na sua célebre distopia 1984). A Eurásia podem ser os capitalistas ou os exploradores do povo. A Lestásia podem ser as elites e os coxinhas. Ou a Eurásia podem ser os machistas e homofóbicos. E a Lestásia podem ser os fascistas e os agentes do imperialismo ianque. O pior é que um estamento de mesma natureza pode ser, em alguns casos, amigo e, em outros, inimigo: por exemplo, para os esquerdistas os militares que apoiam Maduro, na Venezuela, são amigos, enquanto que os militares que lutam contra as FARC, na Colômbia, são inimigos.

Este é o “malware de lado”, que toma a política como continuação da guerra por outros meios. Sempre tem que haver dois lados e tudo se resume, então, a estar do lado certo. Assim marchou, por exemplo, o ditador Erdogan para consolidar o seu projeto de poder neo-otomanista: ele precisa de um inimigo, mas tanto faz se são os gulenistas, os kemalistas, os laicistas ou os curdos. Sem um inimigo não se pode justificar a ereção de uma estrutura de dominação, armada para derrotar o inimigo e, portanto, estruturada segundo padrões hierárquicos e regulada por modos autocráticos (como exige a guerra). Sem um inimigo (seja ele qual for) não é possível extrair a obediência de um contingente de pessoas e colocá-las a serviço do seu projeto (e a seu serviço), atemorizando-as permanentemente com a iminência do avanço ou da volta do inimigo (seja ele, na URSS stalinista: Leon Trótski; no romance de Orwell: Emmanuel Goldstein; ou, no Brasil atual: para os bolsonaristas, Lula da Silva e o PT; para os lulopetistas, Jair Bolsonaro e os bolsonaristas).

Para não esquecer o que o PT fez no verão passado, por Rodrigo da Silva

Quando devemos nos preocupar? Agora, exatamente agora!