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Existe uma organização bolsonarista?

Sim, é preciso dizer com todas as letras: existe uma organização bolsonarista que quer dirigir um processo revolucionário (para trás) no Brasil

1 – Há uma organização informal que dirige os ataques à democracia feitos diariamente pelos bolsonaristas, nas mídias sociais e em todos os lugares. Pode-se mostrar que esses ataques não são espontâneos: são dirigidos, orquestrados. Não são frutos de atividade diletante e sim profissional, ainda que contem com uma militância voluntária para serem replicados em escala.

2 – Essa organização – que não é o PSL ou qualquer outra entidade legal – segue orientações ideológicas (não necessariamente políticas) de Olavo de Carvalho e de Steve Bannon. Politicamente, ela é comandada pelo próprio presidente da República e por seus filhos e atua por meio de uma centena de hubs de uma extensa rede descentralizada (ou multicentralizada) de pessoas com topologia mais centralizada do que distribuída. Esses hubs (em grande parte olavistas, como, por exemplo, Allan dos Santos, Bernardo Küster, Bruno Garschagen, Daniel Lopez, Filipe Valerim, Flávio Gordon, Flavio Morgenstern, Leandro Ruschel e Nando Moura) são as correias de transmissão entre o comando e a massa dos militantes e simpatizantes.

3 – Essa organização não esposa ideias conservadoras da legítima direita liberal, mas ideias reacionárias de uma extrema-direita i-liberal e antissistema. Subjetiva ou objetivamente, ela se identifica e se conecta com o populismo-autoritário, nacionalista e majoritarista, em expansão na atualidade, representado por, para dar alguns exemplos, na Europa (incluindo a Turquia) e nas Américas (em ordem alfabética): Anders Vistisen, Andrej Babis, Donald Trump, Geert Wilders, Gyöngyösi Márton, Heinz-Christian Strache, Jaroslaw Kaczynski, Jörg Meuthen, Marine Le Pen, Matteo Salvini, Nigel Farage, Olli Kotro, Recep Erdogan, Santiago Abascal, Steve Bannon, Tomio Okamura, Viktor Orbán, Vlaams Belang.

4 – Essa organização não é um player válido da democracia: permanece mais ou menos oculta, não se expõe ao debate, mas se dedica a manipular, de modo constante e sistemático, o processo de formação da opinião pública, usando bots nas mídias sociais, mas, sobretudo, pessoas-bot (borgs), visando manter e aumentar o número de seus sectários. Este é o objetivo (muitas vezes incompreendido) dos frequentes discursos e ações antidemocráticas do presidente da República: investir na polarização e na perversão da política como continuação da guerra por outros meios para alimentar e expandir diariamente o contingente dos agentes políticos antissistema (agentes que também servirão como muque de campanha e núcleo aglutinador de uma base eleitoral mais ampla para a recondução de Bolsonaro à presidência em 2022).

5 – Essa organização não atua abertamente violando as leis, mas esgarçando o tecido social (ou deformando o campo social) que permite a continuidade do processo de democratização, tornando-o menos colaborativo e mais adversarial, quer dizer, fazendo crescer, na base da sociedade e no cotidiano do cidadão, os graus de inimizade política.

6 – Essa organização não tem como objetivo precípuo apoiar o bom desempenho de um governo normal, que atue dentro do concerto institucional vigente e sim aboli-lo ou alterá-lo, ainda que homeopaticamente. Ou seja, é uma organização revolucionária (para trás) que não quer apenas governar nos marcos da democracia que temos, mas usar o governo para operar, passo a passo, uma mudança do regime político, convertendo nossa democracia eleitoral em uma democracia eleitoral cada vez menos liberal e, no limite, se for possível, em uma autocracia eleitoral.

7 – Essa organização não está propriamente por trás do governo. Ela está no centro do governo. Não é composta por uma ala radical do governo e sim pelo chefe de governo, seus filhos, seus gurus e seus sequazes com um grau de separação (dos quais, em grande parte, sabemos os nomes e sobrenomes). Não há nada, portanto, de teoria da conspiração aqui. Os ideólogos do bolsonarismo é que são conspiracionistas.

Sim, não há um miligrama de conspiracionismo aqui. Estamos falando de uma organização informal, mais informal ainda do que o The Movement de Steve Bannon. São apenas pessoas conectadas à famiglia e aos seus mais chegados (como Filipe Martins, por exemplo), com múltiplas ramificações que abarcam desde uma parte dos ruralistas mais reacionários aos evangélicos fundamentalistas (que assumiram como narrativa ideológica a falsificação, urdida por seitas dispensacionalistas americanas, de uma “civilização ocidental judaico-cristã”), e desde uma parte dos jacobinos lavajatistas (que viraram, objetivamente, bolsolavajatistas) aos membros das forças armadas, de inspiração frotista, saudosos da ditadura militar e que não queriam a abertura (incluindo os que heroificam os representantes dos porões da repressão, como o coronel do Exército torturador Brilhante Ustra, que depois deram origem aos esquadrões da morte), até chegar ao baixo mundo dos bispos e pastores vigaristas, à banda podre das polícias e às milícias.

O núcleo duro dessa organização também fez alianças táticas com alguns liberais-econômicos que não são propriamente bolsonaristas, mas que são i-liberais políticos e que prestariam serviços, sem pejo, a qualquer autocrata que lhes desse carta branca para aplicar suas fórmulas econômicas.

E há também uma “organização externa” composta por legiões de replicantes (às vezes chamados de bolsominions: o jovem analfabeto democrático, a tiazinha do zap, o aposentado estreante na política que a apreende e pratica como uma espécie de religião et coetera).

O que há de conteúdo ideológico no bolsonarismo é olavismo (uma variante do populismo-autoritário, nacionalista, macarthista, como o bannonismo). Mas o fenômeno sociológico que permitiu que o núcleo duro do movimento bolsonarista se formasse em torno da família do oportunista-eleitoreiro Jair Bolsonaro pode ser caracterizado como uma espécie de familismo amoral (não exatamente igual, mas com características semelhantes, na sua gênese, às de uma máfia).

Quando devemos nos preocupar? Agora, exatamente agora!

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