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Ainda bem que alguns analistas políticos estão acordando

Pablo Ortellado publicou um interessante artigo no último 27 de agosto na Folha. No artigo intitulado Sem ponto de inflexão ele repete o que, nos últimos cinco anos, os principais estudiosos da democracia estão dizendo.

Para quem está lendo os papers de Adam Przeworski, Francis Fukuyama, Larry Diamond, Donald L. Horowitz, Marc F. Plattner, Ronald F. Inglehart, Christian Welzel, Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk, Takis S. Pappas, Paul Howe, William A. Galston, Mark Lilla, Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, Timothy Snyder, David Runciman, Manuel Castells e também os artigos de jornalistas que não são analfabetos democráticos, como Michael Reid, Moisés Naím, Enrique Krauze e Mario Vargas Llosa, entre tantos e tantos outros – o tema já é sobejamente conhecido.

Para quem acompanha a evolução dos rankings de democracia no mundo, como o Democracy Index da The Economist Intelligence Unit, o Freedom in the World da Freedom House e o V-Dem da Universidade de Gotemburgo, não há também qualquer novidade.

Para quem estuda o populismo-autoritário e o comportamento de líderes autocráticos, que usam a democracia contra a democracia, como Anders Vistisen, Andrej Babis, Donald Trump, Geert Wilders, Gyöngyösi Márton, Heinz-Christian Strache, Jaroslaw Kaczynski, Jair Bolsonaro, Jörg Meuthen, Marine Le Pen, Matteo Salvini, Nigel Farage, Olavo de Carvalho, Olli Kotro, Recep Erdogan, Rodrigo Duterte, Santiago Abascal, Steve Bannon, Tomio Okamura, Viktor Orbán, Vlaams Belang e Vladimir Putin, tudo está claríssimo.

Para quem acompanhou a trajetória da esquerda neopopulista que floresceu no início deste século na América Latina, de Hugo Chávez e Nicolás Maduro (na Venezuela) e de Daniel Ortega (na Nicarágua) – que já viraram ditaduras; mas, ainda, de Evo Morales (na Bolívia), de Rafael Correa e Lenin Moreno (no Equador), assim como de Mauricio Funes (em El Salvador), de Manuel Zelaya (em Honduras), de Fernando Lugo (no Paraguai), de Néstor e Cristina Kirchner (na Argentina) e de Lula e Dilma (no Brasil), também já ficou óbvio que os ataques à democracia vêm agora “por dentro” da própria democracia.

Ainda bem que alguns analistas políticos estão acordando. Leiam abaixo o artigo de Ortellado.

Sem ponto de inflexão

Pablo Ortellado, Folha de S. Paulo (27/08/2019)

Regimes iliberais corroem liberdades e independência das instituições pouco a pouco

Para saber como reagir às recentes investidas de Bolsonaro contra as universidades, a Ancine, a Polícia Federal, o Inpe, o Ministério Público e o Coaf, convém ver o que ensina a experiência internacional.

Se analisarmos a evolução dos regimes de Viktor Orbán, na Hungria, de Recep Erdogan, na Turquia, ou de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, não iremos encontrar um ponto de inflexão, um corte institucional como foi 31 de março de 1964 (golpe militar) ou 13 de dezembro de 1968 (decreto do AI-5).

Esses e outros regimes que vêm sendo chamados pelo jornalismo e pela ciência política de “iliberais” têm mobilizado um repertório comum, empregado paulatinamente.

Nele, vemos restrições à imprensa, com mudanças ad hoc em regras de concessão de licenças de radiodifusão, regulação da importação de papel e perseguição a veículos e jornalistas. Vemos também a subordinação de cortes constitucionais e eleitorais com o alargamento da composição dos tribunais e cassação ou antecipação da aposentadoria de juízes.

Vemos ainda o redesenho de distritos para assegurar triunfos eleitorais ou mudanças constitucionais oportunistas para ampliar prerrogativas do Poder Executivo. São também frequentes mudanças no financiamento e na designação da direção das universidades e um maior controle do Exército e das forças policiais.

Nada disso acontece de uma vez. As medidas vão se sucedendo no decorrer dos anos, uma após a outra, às vezes aceleradas por ameaças como o golpe de que Chávez foi vítima em 2002 ou a tentativa de golpe de que Erdogan foi vítima em 2016.

Nessas disputas sucessivas, instituições que atuam como contraponto e deveriam ser independentes terminam derrotadas e completamente submetidas ao Poder Executivo. Não há um momento em que se possa dizer com clareza que o regime saiu dos parâmetros democráticos. O critério democrático mais discernível, a realização de eleições periódicas, permanece lá, mas na forma de um ritual impotente.

Como tudo leva a crer que estamos seguindo a trilha iliberal, é bom estarmos cientes de que não vai haver um ponto de inflexão, aquele momento em que nos entreolharemos e gritaremos em coro “¡Ya basta!”.

Se nos convencermos com o desenrolar dos acontecimentos de que esse é o diagnóstico, será preciso encaminhar o tratamento.

Na Ilustríssima da semana passada, Rafael Mafei mostrou o caminho das pedras. Afinal de contas, num processo que é gradual e paulatino, não dá ao certo para dizer se é muito cedo ou tarde demais para falar em impeachment.

Quem corrompe a democracia é o populismo

Uma síntese dos malefícios que podem ser causados por um maluco com poder